O Reino Unido decidiu iniciar um processo de divórcio da União Europeia, contra todas as expectativas e todos os conselhos de todas as instituições internacionais independentes, a quase totalidade dos políticos internacionais e mais de metade dos políticos do próprio Reino Unido. Os resultados mostram um resultado muito claro a favor desta separação na Inglaterra e no País de Gales e um desejo de permanecer na UE muito forte na Escócia e com uma expressão um pouco menor na Irlanda do Norte. Dentro da Inglaterra, Londres e os arredores e algumas regiões do Norte votaram a favor do “Bremain” — de resto o mapa está quase inteiramente pintado de “Brexit”.

Nos próximos dias, semanas, meses, haverá muitas pessoas qualificadas para comentarem o porquê desta decisão. O medo do estrangeiro parece ter ganho estas eleições que, no lado do Brexit, foram aparentemente tomadas pela campanha anti-imigração, mais do que o desconforto com a construção institucional da UE. E essa análise é fundamental para perceber qual pode e deve ser o futuro da UE e como é que será possível evitar que esta saída se torne no princípio do fim para a construção institucional que conseguiu fazer durar a paz na Europa Ocidental durante mais tempo.

Numa perspetiva económica, embora as consequências desta decisão sejam altamente incertas tanto para o Reino Unido como para a Europa, as pistas de resposta que são possíveis esboçar apontam para uma gigantesca perda económica para a ambas as regiões.

O processo de saída não é automático. O primeiro-ministro Cameron terá de acionar o artigo 50º do Tratado, o que deverá acontecer relativamente depressa e o mais tardar até ao Outono, conforme ele tinha anunciado durante a campanha. Depois será iniciado um processo de negociação de saída do Reino Unido que procurará promover um acordo comercial entre dois extremos possíveis: de um lado, um acordo de comércio livre com livre circulação de pessoas ou, no extremo oposto, um acordo que respeita apenas as regras da Organização Mundial do Comércio com barreiras à entrada de bens. Depois de acionado o artigo 50º, o Reino Unido deverá sair da EU no prazo indicativo de dois anos, pelo que haverá uma pressão intensa para estabelecer um acordo comercial até lá.

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Os países europeus registam em geral um saldo positivo na balança de bens com o Reino Unido, isto é, exportam mais bens do que importam. O que sugere que será do interesse na UE manter uma relação comercial relativamente aberta, pelo menos nos mercados de bens. No caso de Portugal, o saldo líquido de bens foi de 1380 milhões de euros em 2015, segundo o Banco de Portugal. Alguns países têm um saldo positivo da balança de serviços porque exportam turismo para o Reino Unido, como é o caso de Portugal com um saldo de serviços de +2200 milhões em 2015, a Grécia e o Chipre. Nestes casos é expectável que fiquem a perder também nos serviços por via da desvalorização da libra que resultará em menos exportações. No entanto, esse efeito poderá ser em parte compensado pelo efeito de segurança e estabilidade política face a outros destinos turísticos concorrentes fora da UE.

No que diz respeito aos serviços financeiros, a maioria dos países importam serviços financeiros de Londres, que é atualmente a maior praça financeira europeia. Neste novo cenário haverá alguns candidatos importantes para se substituírem a Londres, tal como Frankfurt ou Paris. Em teoria a transferência de uma parte do centro financeiro de Londres (tanto de recursos financeiros como humanos) poderia ser positivo para o resto da UE, mas é mais provável que a concorrência de outras praças internacionais se faça sentir.

Por outro lado, a construção de barreiras aos fluxos financeiros é geralmente negativa para todos através do aumento dos custos de longa duração, mas também dos custos que decorrem da volatilidade acrescida nos mercados financeiros. Nesse sentido é expectável que o efeito final tanto para o RU como para a UE seja negativo. Para Portugal, que tem pouco capital, poucas poupanças e que depende quase exclusivamente do exterior para se financiar, os custos de financiamento para as famílias e para as empresas deverá sem dúvida aumentar. Embora estes custos possam ser parcialmente compensados pela ação do BCE que não hesitará em intervir diretamente nos mercados que se verificar uma perturbação significativa resultante da votação, ainda assim, o custo da volatilidade no curto/médio prazo é difícil de eliminar por inteiro, tendo em consideração a tendência das perturbações financeiras para se amplificarem.

Mas estas considerações de interesses económicos ignoram um argumento político poderoso que já foi esgrimido por vários políticos europeus. O natural desejo de tornar este divórcio o mais amigável possível será contrabalançado pelo também natural desejo de desincentivar os instintos separatistas nacionais e regionais em outros Estados-membros. Pelo que nos próximos dois anos as negociações entre a União Europeia e o Reino Unido poderão tornar-se muito mais emotivas do que seria desejável para o seu sucesso.

Economista, deputada independente do PSD