Nota: suspensa

Não fosse a cena que protagonizou em Novembro de 2014, quando desligou o microfone ao então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, e o rosto e a voz de Eduardo Cabrita seriam praticamente desconhecidos. Isto apesar de a carreira política de Eduardo Cabrita ser longa, muito longa mesma: Eduardo Cabrita faz parte dessa geração de socialistas que, sendo jovens nos anos 80 e 90, tiveram uma espécie de experiência iniciática no universo das relações entre os poderes político, judicial e o mundo dos negócios, no território de Macau.

E é precisamente o território, agora o do país no seu todo, ou mais propriamente a sua reforma, que o ministro Adjunto Eduardo Cabrita tem tido mais entre palavras que entre mãos, neste Governo. Eduardo Cabrita não pára de chamar a atenção para o que define como os “custos tremendos do caos territorial” português. O problema é que as soluções propostas para a resolução desse caos por parte do ministro chocam com outros poderes: em Janeiro de 2016, o ministro defendia a eleição directa pelos cidadãos, já nas autárquicas de 2017, dos presidentes das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. Seis meses depois, em Junho, a proposta valeu um dos mais sérios avisos do Presidente da República a este Governo: Marcelo lembrou que é o “guardião da Constituição” e que a última palavra nesta matéria cabe ao Tribunal Constitucional: “A introdução das áreas metropolitanas tem que ser muito bem clarificada para se saber como é que fica a divisão de poderes”

Do outro lado, ou seja, de um dos partidos que apoia o Governo, o PCP, chegam também outros avisos: ironicamente Eduardo Cabrita não mostrou vontade de reverter uma das mais polémicas reformas do anterior Governo, a chamada reforma Relvas, que extinguiu 1168 freguesias. Mas o PCP, a par do BE e de uma parte do PS, não só pretendem regressar ao modelo anterior como querem que essa reversão aconteça antes das autárquicas de 2017.

E por fim há o próprio problema do Governo: enquanto Eduardo Cabrita faz intervenções a favor da eleição dos presidentes das comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) pelos presidentes dos municípios, o seu colega de executivo Pedro Marques saneia em estilo venezuelano os presidentes das CCDR Algarve e Norte, sendo que o presidente desta última gozava de largo apoio entre os presidentes dos municípios. Ou seja, entre aqueles que o elegeriam caso a reforma proposta por Eduardo Cabrita vingue.

E assim Eduardo Cabrita, se quiser passar dos projectos às reformas propriamente ditas, vai precisar de dotes de negociador muito superiores aos que mostrou quando debateu a reforma do IRC com Paulo Núncio. Agora vai precisar de negociar com Passos Coelho e Assunção Cristas de modo a obter a maioria de dois terços que lhe permitirá fazer a grande reforma administrativa de que tanto fala, alterar a lei das finanças locais e ainda mudar a lei eleitoral de modo a permitir que as áreas metropolitanas passem a ser órgãos eleitos. No fim tem de convencer os seus colegas de Governo, o PCP (nesta matéria o BE ainda conta pouco), Marcelo e o Tribunal Constitucional. Para todos o mais fácil será culpá-lo pelo falhanço. A nota do ministro está portanto suspensa. A pauta só é afixada nas autárquicas de 2017.

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