Duas palavras, dois conceitos, sintetizam bem, a meu ver, o que o mundo tem vivido nos últimos 31 anos: imprevisibilidade, por um lado, interdependência, por outro.

Revisitemos o passado recente:

  • 1991: a súbita dissolução da União Soviética e a subsequente reconfiguração do mapa geopolítico da Europa e, na verdade, do mundo; não esqueçamos, neste particular, alguns dos horrores que então ocorreram, como aqueles a que assistimos nas guerras da ex-Jugoslávia;
  • 2001: os ataques às Torres Gémeas de Nova Iorque e a consequente guerra global ao terrorismo de sinal islâmico, fosse ela no Afeganistão, Síria, Burkina Faso, Somália ou Mali, contra os movimentos Taliban, Al-Quaeda, Al Shabab ou Daesh;
  • 2008: a crise financeira provocada pela sobreavaliação de obrigações hipotecárias do setor imobiliário que levou à queda do Lehman Brothers e ao colapso das principais bolsas mundiais, a uma recessão global e mais tarde em 20212/13, à crise das dívidas soberanas em vários países europeus;
  • 2020: a pandemia da Covid-19, originada num mercado de alimentos de Wuhan, China, e rapidamente alastrada ao mundo inteiro, provocando uma crise sanitária, económica e social sem precedentes;
  • Fevereiro 2022: a invasão russa da Ucrânia, em contravenção flagrante da Carta das Nações Unidas, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e, em geral, de todas as regras e princípios de coexistência pacífica, respeito da soberania e da integridade territorial das nações. Esta guerra está também ela destinada a provocar uma reconfiguração da arquitectura de segurança europeia e a emergência de uma nova ordem mundial.

Esta série de acontecimentos que teve início em Moscovo em 1991 e dá uma rotação ao mundo, regressa a Moscovo 31 anos depois, numa ramificação ao ralenti da primeira crise.

Todos estes eventos, como poderão recordar, foram totalmente imprevistos, apanhando a todos, à excepção de uns poucos insiders, completamente desprevenidos. Tendo tido uma origem local, em determinado país, rapidamente se tornaram, por via de um mundo interdependente, fenómenos globais com consequências mundiais. E, claro está, atingindo com mais severidade os mais vulneráveis dentre nós: as mulheres e crianças, os menos instruídos e os pobres.

Imprevisibilidade e interdependência: estes são os dois principais fatores com que teremos de contar no futuro.

E aqueles que ambicionam tornarem-se os líderes de amanhã, as jovens promessas de hoje, deverão estar conscientes que terão de enfrentar crises de pendor semelhante. E assim, é nossa responsabilidade prepará-los para aqueles desafios.

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É precisamente isso o que o Centro Norte-Sul do Conselho da Europa tem vindo a fazer desde a sua criação, em 1990: edificar sociedades resilientes e inclusivas direccionadas para a promoção da paz num mundo interconectado; instilar um sentido de humanidade e responsabilidade comuns, mediante acções visando o empoderamento das mulheres e raparigas e a luta contra as desigualdades de género e a discriminação; promover a participação plena dos jovens na vida cívica e nos processos democráticos; e contribuir para a tomada de consciência sobre questões mais prementes através do ensino de competências e da formação de educadores visando contribuir para uma cidadania global e uma cultura democrática.  Mas também mediante a atribuição, cada ano, do Prémio Norte-Sul do Conselho da Europa a duas personalidades ou instituições que se tenham destacado na promoção destes valores. E ainda a organização em cada outono, do Forum Lisboa, uma plataforma internacional de discussão sobre os assuntos candentes da atualidade.

Ambicionamos um mundo unido mais capacitado para fazer face às crises do futuro, sejam elas climáticas ou totalmente imprevistas.

Os meus filhos que contrariamente à minha geração que cresceu num ambiente estável e pacífico apenas conheceram esta sucessão de crises, perguntaram-me recentemente o que deveriam esperar que acontecesse de seguida: um ataque nuclear? um tsunami global? uma invasão de extraterrestres? Disse-lhes que se deveriam preparar para o desconhecido.

Estabelecer pontes entre diferenças de opinião e percepções através do diálogo e a aprendizagem interculturais, preparar as gerações futuras para os desafios de amanhã mediante a promoção da capacitação, da abertura de espírito e do entendimento mútuo, é o objetivo chave do nosso trabalho.

Um dos elementos que gostaríamos de explorar mais neste contexto é o diálogo inter-religioso, sendo que as diferenças de fé e confissão tornaram-se uma das principais fracturas que nos separam. Visamos a compreensão mútua, a aceitação do outro e a unidade de propósito. Um futuro de paz, estabilidade, democracia e direitos humanos. Sociedades que juntam forças para enfrentar em conjunto as adversidades do futuro.

Por isso, iremos aprofundar a colaboração que temos mantido com a UNESCO na área das competências de educação para uma cidadania global e no desenvolvimento de utensílios de capacitação; e articular-nos com o KAICIID – Dialogue Centre (1), cuja experiência no campo do diálogo inter-religioso deverá servir-nos de orientação.

Mas também estabelecemos uma parceria com a CPLP com vista a alargar à África lusófona e posteriormente, com o desejado apoio da União Africana, a todo aquele continente, os projectos e programas que já desenvolvemos em outras regiões, designadamente no mediterrâneo.

Finalmente, contamos ainda com a colaboração da Fundação Oceano Azul para promovermos junto da juventude a consciência da necessidade de se defenderem e preservarem os oceanos, fonte vital da vida na Terra.

Estamos certos de que, unindo esforços, não apenas com estes parceiros, mas também com outras organizações relevantes, podemos contribuir para a construção de um futuro melhor para as novas gerações, em estreita articulação com os jovens líderes de amanhã.

Num horizonte de adversidades, somente um mundo unido poderá conduzir a um mundo resiliente e próspero.

1.O Centro Internacional Rei Abdullah Bin Abdulaziz para o Diálogo Inter-religioso e Intercultural é uma organização intergovernamental cujos membros fundadores são a Arábia Saudita, Espanha, Áustria e a Santa Sé na qualidade de Observador, e cuja sede foi transferida recentemente de Viena para Lisboa