A aprovação do Orçamento do Estado para 2025 marcou o início de um novo ciclo político. Ultrapassado o psicodrama orçamental, Luís Montenegro tem agora sensivelmente um ano para mostrar o que vale e para se preparar para ir de novo a votos — depois de tudo o que aconteceu nesta discussão é preciso ser mesmo muito criativo para imaginar que o próximo Orçamento vai ser viabilizado e que não existirão eleições legislativas algures em meados de 2026.
Manifestamente, Montenegro, com bastante talento político, venceu a primeira batalha, fazendo Pedro Nuno Santos, o tal que dizia ser “praticamente impossível” aprovar o Orçamento da AD e muito menos assinar de cruz a redução do IRC, capitular. Mas essa página está virada. Sem o papão de uma crise, que dominou praticamente todas as intervenções, análises e comentários políticos, Luís Montenegro estará mais exposto às dificuldades naturais de estar no poder — e aos erros próprios que for cometendo. O Governo será avaliado por tudo aquilo que fizer e, sobretudo, por tudo aquilo que não fizer. Os resultados (ou a falta deles), os sucessos e os tropeções, os casos e os casinhos, os pecados e os pecadilhos dos membros de Governo (se vierem a existir, claro), tudo contará para medir a performance do primeiro-ministro e com que força chegará às urnas.
Até aqui, a equipa de Montenegro foi gozando de dois fatores que foram servindo de guarda-chuva à generalidade das críticas: a herança recebida, que, genericamente, todos reconheciam ser difícil, sobretudo no que ao estado dos serviços público diz respeito; e, como já foi dito, a discussão interminável sobre o Orçamento do Estado, que pressionou, sobretudo, Pedro Nuno Santos e o PS, com todos os seus dramas existenciais e tensões internas a animarem páginas de jornais e minutos de telejornal. A ameaça de eleições antecipadas acabou. Agora, toda a pressão estará do lado do Governo.
Já perto do final de novembro, Luís Montenegro queixava-se de não ter tido sequer o natural estado de graça a que todos têm direito quando chegam ao poder. Dependerá sempre da perspetiva de cada um, claro, mas um Governo que, em cerca de 8 meses, já teve em mãos um choque fiscal que afinal foi mais uma faísca fiscal, uma crise nas urgências com direito a puxão de orelhas presidencial, incêndios de dimensões graves, uma evasão de reclusos, uma morte às mãos da polícia em circunstâncias ainda por apurar (o relatório ia ser célere, prometeu a ministra), tumultos em Lisboa, um problema grave no INEM, um brilharete que não era assim tão brilhante sobre a redução do número de alunos sem aulas, e que está a começar a enfrentar (as expectáveis) paralisações e manifestações violentas dos setores mais reivindicativos, não se pode queixar (só) de azar, incompreensão ou de má imprensa.
O grau de responsabilidade própria variará de caso para caso. Nem tudo é culpa do Governo, naturalmente. Mas tudo isto desgasta, interrompe processos de decisão, obriga a desviar energias, cria ruído e serve de arma de arremesso à oposição. Nos primeiros meses talvez se tenha instalado em algumas figuras do e próximas do Governo a ideia de que tudo seria mais fácil. Que Pedro Nuno estava no bolso e André Ventura perdido. Alguém se convenceu que aumentando os salários de várias corporações se asseguraria a paz social. Que aumentando os rendimentos dos pensionistas se ganhava ‘a’ base eleitoral que foge ao PSD há quase dez anos, entalando o PS. Que falando grosso sobre segurança e imigração, aulas de cidadania e símbolos da bandeira, o Chega se desfazia.
Que prometendo vários planos, reformas e contrarreformas se dava um ar de fazedor e se animavam as massas. Mas a verdade é que, apesar dos primeiros bons resultados conseguidos, por exemplo, na questão da imigração, oito meses não chegaram ainda para o Governo mostrar realmente o que consegue fazer assim de tão transformador, de tão diferente, de tão reformista como se prometia.
Olhando para as sondagens, os potenciais eleitores parecem assinalar isso mesmo. Oito meses depois, com aumentos para funcionários públicos, pensionistas, professores, forças de segurança, oficiais de justiça, um piscar de olho fiscal para os mais jovens… o PSD continua sem descolar nas intenções de voto. O PS, mesmo depois da maior crise interna em dez anos, continua a morder os calcanhares. E o balão do Chega, o tal que ia murchar assim que um governo de direita começasse a fazer coisas de direita, ainda está por desinsuflar.
Distribuir o excedente orçamental herdado pelos setores profissionais mais vocais e prometer fazer tudo em todo lado ao mesmo tempo parece não estar a ser suficiente. Há umas semanas, Luís Marques Mendes, na dupla condição de comentador e putativo candidato presidencial apoiado pelo PSD, dizia que o Governo tinha de retomar a iniciativa e recuperar a “agenda dinâmica” dos primeiros meses. Estava carregado de razão. Ultrapassado o Orçamento do Estado, acabaram-se as desculpas. A partir de agora é mesmo a doer. Não falta assim tanto tempo para o próximo teste nas urnas.