João Marques de Almeida escreveu no Observador um texto de análise política, “As semelhanças entre Costa e Trump”, em que apresenta uma tese e a fundamenta com factos e argumentos. É perfeitamente razoável que se discorde da tese e que, contra os argumentos nela avançados, outros factos sejam apresentados e raciocínios construídos com o objetivo de demonstrar a sua falsidade. O que não é razoável é que, contra um argumento, se ofereçam “um par de bofetadas”. A uma tese pode-se contrapor uma antítese, contra um artigo escreve-se outro artigo, e a quem nos ofereceu um almoço convida-se para jantar. Quem não é capaz de oferecer melhor argumento contra uma construção intelectual que bofetadas, está a demonstrar que é incapaz apresentar e sustentar uma contra-tese. Está portanto a conceder, explícita e publicamente, a derrota do seu ponto de vista. Está a confirmar a validade da tese do seu oponente.

No entanto, qual deve ser a nossa atitude, enquanto cidadãos, quando ouvimos ameaças públicas de violência? Ou quando testemunhamos atos violentos na nossa comunidade? Eticamente será aceitável a indiferença? John Beattie, um reputado antropologista, descreve em Bunyoro: An African Country, o seguinte episódio:

“Um dia certo homem mudou-se para a aldeia. Como desejava saber como eram os seus novos vizinhos, durante a noite fingiu bater, mau e forte, na sua mulher, para ver se algum deles o viria admoestar. De facto ele não lhe batia mas, na realidade, batia numa pele de cabra enquanto a mulher chorava e gritava que a estavam a matar. Como ninguém veio, no dia seguinte o homem e a sua mulher embalaram tudo, deixaram a aldeia, e foram à procura de outro local para viver.”

Ameaças de violência são a antítese de solidariedade e inclusividade, são ataque à racionalidade e à democracia e, quando feitas contra quem expõe um argumento, são um ataque direto à liberdade de expressão. Embora haja instituições responsáveis por assegurar que as disposições legais estabelecidas contra ameaças à integridade física não deixarão de ser cumpridas de acordo com o que está estabelecido nos códigos, é também importante que os “vizinhos” manifestem o seu repúdio e indignação—de maneira não violenta—contra todas as ameaças de violência. A omissão desse repúdio tornar-nos-ia cúmplices da malfeitoria—e deixar-nos-á indefesos quando for a nossa vez de receber ameaças. Esse repúdio pode assumir diversas formas conforme o modo como somos “vizinhos”. Eu manifesto-o escrevendo este artigo. Como o manifestará o PS?

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