Há dias de ter orgulho, de nos sentirmos honrados por ser portugueses.

Tenho orgulho em ver escolhidos compatriotas meus para cargos notáveis, cobiçados por muitos, ocupados por poucos; e mais, confesso, quando de fora ecoa a surpresa alheia, pois como bom português sou sensível, talvez demasiado, à opinião que chega do estrangeiro, chamem-lhe xenofilia.

“Primeiro foi o campeonato da Europa, em Janeiro chegou a ONU, em Maio a Eurovisão e este dezembro o Eurogrupo. Portugal enche os títulos da comunicação social para incredulidade dos peritos. (…)” (El Pais). Até os espanhóis, senhor! E ainda houve Ronaldo…

Longe vai o tempo das vitórias morais, dos zero pontos no eurofestival e do ostracismo internacional, em que aos nossos compatriotas não era permitido sonhar mais alto do que o rés-do-chão das organizações internacionais. Presunção e água benta? Chamem-lhe o que quiserem, mas eu reivindico o direito de ter orgulho na escolha de portugueses para funções globais. Sim, na simples escolha, mas mais, naturalmente, muito mais, se por ela e nela se elevarem.

Há dias de ter vergonha, de nos sentirmos envergonhados por ser portugueses.

A reportagem sobre as “Raríssimas” diz bem de um certo modo de estar português que não pode senão envergonhar-nos. É o país da chica-espertice, da arrogância dos “pequenos chefes”, da saloiice que se auto-cumprimenta. E quantas “raríssimas” haverá por esse país fora, quantos casos mal explicados, quanta pesporrência maquilhada de lantejoulas? Quanta apropriação ilícitos de recursos gerados por outros?

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Há dias de ter orgulho, de nos sentirmos orgulhosos por ser portugueses.

Portugal foi designado pelo World Travel Awards melhor destino turístico do Mundo. Considerando as alternativas, comecei por achar exagero. Mas depois pensei que Lisboa é das cidades mais belas que já vi, e já vi muitas; que os Açores deslumbram de bruma e mar, donde emana o calor das entranhas da terra e a natureza explode em lápis lazúli e verde, cor de laranja e castanho e cor-de-rosa; que o Porto cresce em sedução e o Algarve quente, e o Alentejo seco e vivo, e a Madeira, farol de cruzeiros. Trás-os-Montes-do-Mundo. Tanta beleza.

Tenho orgulho em ti, Portugal, orgulho em vós, portugueses. Na vossa, nossa, língua única. O grande Torga assinalou o povo mais enamorado da Europa, inventor do amor puro: o português morre de amor como ninguém. E a saudade, que Garret definiu. Coexiste a nacional melancolia, pessimismo masoquista, com o pendor sebastianista, inevitável regresso do encoberto, esperança perene de um povo. Lusitanos, de antigo.

E contudo há dias de vergonha, de nos sentirmos envergonhados por ser portugueses.

Somos o povo acomodado, que exprime a angústia latente da bondade resignada, convencido de estar destinado à subalternidade, como explicou Eduardo Lourenço, um povo submisso, que emula o estrangeiro e desdenha o nacional. E às vezes reage, abrupto, desproporcionado, expressa o orgulho pátrio em rivalidades pessoais, invejas viciosas, maledicências insensatas.

Será o escusado complexo de inferioridade, ou antes um devastador sentimento de superioridade? Explica bem a diferença Eduardo Lourenço: superioridade em recusar-se a ser a pequena nação cristã que somos, inferioridade em desacreditar da possibilidade de alguma vez sermos grandes. Nem uma nem outra são Portugal, pois Portugal é o que é, diversamente; simplesmente.

Vergonha: a pequena vigarice, o pé sempre a fugir para a chinela, a submissão às modas alheias – só nós para inventar os estrangeirados -, a inveja, que condena os espíritos elevados a procurar além-fronteiras o sucesso que a Pátria nega. Tenho vergonha.

Mas também tenho cada vez mais orgulho, orgulho em ser português.

Não por acaso citei Miguel Torga: o seu “Portugal” é o bilhete de identidade de um povo, tão singular na sua singularidade que poucos há que o cotejem. O lirismo occitânico misturou-se com o anterior romantismo primitivo galaico-português e criou uma lírica focada no sofrimento do enamorado, sempre incorrespondido. O português morre de amor, tem saudade, angustiado e alegre, melancólico e folião, por vezes excessivo, quase sempre generoso.

Somos poucos, periféricos, pobres? Fomos e somo-lo. Depois, num depois de antes, sem mais queixumes inventámos a nossa própria estratégia, lançámo-nos ao mar Oceano, misturámo-nos com outros povos, fizemo-nos mais do que os menos que eramos; gastámos acima da conta, foi sempre assim. E chegámos ao topo: “Entre gregos e troianos, é melhor um português. … Nem do Norte nem do Sul, nem muito vermelho nem muito azul, … nem – importantíssimo – primeira opção. A diplomacia portuguesa joga tradicionalmente o trunfo da segunda opção”, explica o El País no artigo citado: emergimos no deserto dos outros, aproveitámos a justa dos grandes, somos o orgulhoso povo da alternativa, o que não deixa ninguém ficar mal. Orgulho, claro.

Embora haja dias de vergonha, de nos sentirmos tristes portugueses quando as televisões regurgitam do futebol falado, rio de insultos no mar do fanatismo; da incapacidade de nos protegermos, porque o Estado que mandatámos (para o fazer) não é capaz; da intrigazinha, da caluniazinha, do acintezinho. Dias de vergonha, quando facínoras, sejam eles banqueiros, directoras de IPSS com financiamentos garantidos ou ex-primeiros-ministros, roubam o que é de todos, se locupletam com riqueza que não lhes pertence. Vergonha.

Orgulho. Sermos afáveis com os visitantes. Humanidade e universalidade, “não há povo mais global do que tu, ó português; é contigo que falo, não te escondas, não tens razões para isso”. Até dos defeitos fizemos virtudes, escreveu Torga.

Uma frase que caiu no meu facebook, de um anónimo estrangeiro, rezava assim: “I am constantly impressed by the leaders Portugal produces (…). Must be that global outlook set by the early explorers!”.

Tenho orgulho, tanto orgulho, até da vergonha que por vezes sinto em ser português. Este povo insignificante do cabo da Europa ainda não deixou de espantar o Mundo.