Por altura da reeleição de Dilma Rousseff, tracei um prognóstico muito reservado para o seu segundo mandato e para o futuro a curto e médio prazo do Brasil. Desde então, infelizmente, Dilma e o PT não corrigiram o rumo e a situação política, económica e social – como seria de prever – continuou a deteriorar-se. Se a crise económica no Brasil assume uma dimensão preocupante, mais grave ainda é o estado de degradação ética a que chegou a política brasileira.

Em 1988, Luiz Inácio Lula da Silva afirmava: “No Brasil é assim: quando um pobre rouba, vai para a cadeia. Quando um rico rouba, vira ministro”.

Em 2016, o mesmo Luiz Inácio Lula da Silva, confrontado com o seu envolvimento na Operação Lava Jato é nomeado por Dilma Rousseff como novo ministro da Casa Civil, com o objectivo evidente de beneficiar do “foro privilegiado” associado ao cargo.

Ao nomear Lula, Dilma incorre em duas implicações políticas inescapáveis. A primeira é associar definitivamente o seu próprio futuro político ao de Lula. Se a ligação entre os dois já era forte, agora ela passou a ser indissociável. A segunda é deixar claro o ascendente do próprio Lula sobre si. Só assim é compreensível que a Presidente manche indelevelmente o seu mandato para satisfazer o seu antecessor.

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Sem grande surpresa (e sem qualquer vergonha), a extrema-esquerda portuguesa solidariza-se com Lula, Dilma e o PT. Assim, o Partido Comunista Português condena uma suposta “intensa operação de desestabilização e de cariz golpista” e manifesta-se “solidário com as forças progressistas brasileiras”. Por sua vez, o sociólogo Boaventura Sousa Santos – um dos expoentes máximos da hegemonia da esquerda radical no sombrio panorama académico lusófono – classifica o movimento de contestação popular ao PT e de revolta contra a corrupção como “uma destabilização perigosa” que “configura um golpe parlamentar”, culpando (como não poderia deixar de ser) os EUA pelo que está a acontecer no Brasil.

É pertinente assinalar e registar para memória futura a incondicional militância petista da extrema-esquerda portuguesa, mas é mais importante ainda compreender que a situação actual é verdadeiramente de alto risco para o Brasil. Um dos maiores dramas da actual crise brasileira é, como bem aponta Manuel Villaverde Cabral, que não se perspectiva no sistema partidário do Brasil uma alternativa consolidada capaz de destronar o PT e recolocar o país numa trajectória de regular funcionamento das instituições e de desenvolvimento económico. Ainda assim, neste contexto, e perante os ataques contra a independência do poder judicial e o descambar da credibilidade das instituições políticas da principal potência da América do Sul, é difícil perspectivar uma solução que não passe pela saída de Dilma Rousseff da presidência. Resta esperar que essa saída se possa processar de forma pacífica e que possibilite salvaguardar o Estado de Direito no Brasil.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa