O século XXI é sem sombra de dúvida a era da Biologia. Durante a última década, a saúde, o meio ambiente, a biodiversidade, assim como a evolução humana tem sido temas recorrentes em todos os meios de comunicação. A Biologia, passou a ser um desígnio científico onde a multidisciplinaridade tomou conta e está a atingir todo o seu potencial começando a revelar alguns dos segredos da vida. O desenvolvimento tecnológico possibilitou, por uma lado, ver com uma resolução quase atómica o que acontece dentro de uma célula viva e, por outro, reconstruir muitos dos passos sobre a nossa origem, começar a perceber como é que, provavelmente, o ser humano evoluiu. Penso que em 2016 continuaremos a ver espantosos avanços científicos centrados nas Ciências Biológicas como os exemplos que descrevo a seguir.

Olha para aquela célula! Praticamente toda a organização biológica que conhecemos se baseia numa unidade, a célula. Contudo, até há relativamente pouco tempo não era possível estudar o que acontece dentro uma célula individual, em termos moleculares, o que não permitia determinar muitas situações de doença. Esta limitação devia-se à inexistência de tecnologia para manipular volumes tão pequenos como o de uma única célula. Contudo, muito recentemente e com recurso ao desenvolvimento de tecnologias à escala nano, e em especial dos nanofluídos, é já possível isolar e manipular células individuais. Pela primeira vez conseguimos ter uma noção mais precisa dos processos bioquímicos que acorrem dentro de cada uma delas. Num futuro muito próximo vamos deixar de estudar populações de células para passar a saber o que cada célula dentro de um tecido esta a fazer em cada momento. Isto permitirá, por exemplo, conhecer muito melhor doenças como o cancro, o que será útil tanto para o diagnóstico como para compreender melhor a heterogeneidade da doença.

Genomas humanos em saldo! E já claro que toda a informação necessária para construir um ser humano está contida no DNA. A única forma de conhecer o que lá está escrito é determinando qual a sequência do genoma. A barreira psicológica de determinar a sequência de todo o genoma de uma pessoa por menos do que 500 dólares foi já ultrapassada. Se considerarmos que a sequenciação do primeiro genoma humano, há 15 anos, custou 3 bilhões de dólares, é fácil perceber que avanço destas tecnologias tem sido vertiginoso. Assim, é muito provável que dentro dos próximos anos a sequência do genoma de cada nova criança, ou mesmo de cada criança em gestação, será determinado e ficará guardada, espero eu, em algum computador seguro no sistema nacional de saúde. Será possível estudar esses genomas que nos dirão coisas sobre todos e sobre cada um de nós. Faremos parte da maior experiência jamais feita na história humana, na qual será determinada a composição genética de um número cada vez maior de seres humanos. À medida que o número de genomas conhecidos crescer, será possível conhecer, com maior certeza, o que nos faz humanos mas, ao mesmo tempo, o que nos faz tão diferentes uns dos outros. Serão essas semelhanças e diferenças que estarão na base da Medicina Personalizada.

Uma pele nova, se faz favor! O desenvolvimento da chamada terapia de células estaminais, que em princípio permitiria curar muitas doenças, teve, nos últimos anos, um período de crescimento mais difícil devido, sobretudo, à nossa ignorância. Contudo, os avanços recentes na compreensão de como cada célula do nosso corpo adquire a sua identidade – por exemplo a pele, o neurónio ou músculo -, estão a trazer a Medicina Personalizada cada para vez mais perto. Em breve, os avanços nesta área permitirão regenerar corretamente qualquer tipo de célula do nosso organismo a partir, por exemplo, de uma célula nossa da pele, alterando de forma direcionada a sua programação genética. Assim, talvez no futuro aquelas células estaminais do cordão umbilical, que congelamos aquando do nascimento dos nossos filhos, venham a ter plena utilidade; num futuro muito mais próximo do que inicialmente pensávamos.

A Biologia marca de forma inequívoca este início do século permeando toda a nossa vida e contribuindo para que cada dia conheçamos melhor, não só o meio ambiente que nos rodeia, como a nós próprios.

Diretor do Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC) e vice-diretor do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S)

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