A crise atual, provocada pelo mais ínfimo dos seres, leva-nos à conclusão de que, não estando perante o fim do mundo, estamos, sem dúvida, perante o fim de um mundo, que torna imperativo ponderar acerca do que virá a seguir. O Covid-19 veio acelerar um conjunto de transformações e dar um sentido de urgência à mudança necessária nas nossas vidas e na nossa economia para responder aos desafios do novo século. Trata-se de uma oportunidade única de pensarmos em grande e fora da caixa e de percebermos que o business as usual não se aplica mais.

É, por isso, pertinente que os decisores se foquem na reflexão do que será a economia e o trabalho do futuro, que ditarão os próximos modelos de sucesso, e ajam assertivamente.

Portugal fez, na última década, um caminho notável para acompanhar o movimento da inovação e do empreendedorismo e está, hoje, muito melhor posicionado mundialmente no que diz respeito a este ecossistema, que engloba, entre outros, startups, PME’s, grandes empresas, universidades e aceleradoras. Isto, sem esquecer os investidores presentes nas várias fases de desenvolvimento das empresas, como os business angels, o capital de risco, os fundos de private equity e os family offices.

A combinação deste mundo de inovação e de empreendedorismo com algumas das vantagens competitivas provenientes de fatores intrínsecos do nosso país, muitas vezes preteridos a favor de uma lógica de novo riquismo ou de falso modernismo, pode-nos posicionar como impulsionadores da mudança pós-Covid-19.

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Assinalam-se quase duas décadas desde que o relatório Porter foi publicado e, apesar de não ter sido consensual à sua época, um dos aspetos fundamentais que referia, e com o qual é difícil de discordar, é que cada país deve saber aproveitar as suas áreas de inerente competitividade. Deste modo, debruço-me sobre três esferas nas quais Portugal pode bem ser líder a nível mundial, se para tal souber desenvolver uma economia baseada no conhecimento e no digital:

  • Os oceanos, que representam mais de 90% do território nacional, contribuem apenas para cerca de 3% do PIB português. As potencialidades da sua diversidade biotecnológica e dos recursos naturais dos seus fundos são enormes. Existem já algumas iniciativas de mérito na economia oceânica no nosso país, como programas de aceleração de startups e um fundo de investimento para apoiar projetos neste setor, o Fundo Azul. Contudo, é ainda preciso uma muito maior integração de esforços entre os diversos players, sejam eles investidores, empresas, fundações ou o próprio Governo, seguindo uma dinâmica de colaboração em clusters, como, aliás, Porter também chegou a defender.
  • O lítio, um bem essencial para qualquer economia digital – sem baterias de lítio, os nossos telemóveis e carros elétricos não seriam iguais -, é outro recurso do qual Portugal possui reservas ímpares à escala global, tendo margem para tirar o lugar à China no controlo da cadeia logística de lítio (da extração da matéria-prima à produção das baterias). De sublinhar que algumas das técnicas mais avançadas de deteção não intrusiva do lítio foram desenvolvidas em Portugal, mais concretamente na Universidade do Porto. No ano passado, a União Europeia aprovou uma iniciativa no âmbito dos “Projetos Importantes de Interesse Europeu Comum”, que envolveu investimentos de 3,2 mil milhões de euros para apoiar o desenvolvimento de uma cadeia logística de lítio na Europa. Fizeram parte desta iniciativa seis países com dezenas de projetos, mas Portugal, que tem todas as valências naturais para ficar na linha da frente neste campo, ignorou o ensejo…
  • Finalmente, há que atentar na floresta e no agronegócio, cujos recursos excecionais de que dispomos incluem uma cadeia de valor com PME’s e grandes empresas industriais de referência. Ora, a adoção em massa de novas tecnologias também mudará a forma como usamos a terra. Tenho a possibilidade de seguir a evolução de alguns destes domínios, na qualidade de membro do Advisory Board da organização internacional FinTech4Good, e de constatar que o Blockchain, a Internet of Things e a Inteligência Artificial vão ser cruciais para uma transformação completa na relação entre a forma como produzimos e consumimos os bens agrícolas e florestais. Esta talvez venha a ser a indústria que sofrerá maior disrupção e, ao mesmo tempo, aquela que mais contribuirá para a sustentabilidade do planeta. Assim, temos de melhor entender, apoiar e investir nesta vertente, para conseguirmos aproveitar o seu potencial económico, ecológico e de desenvolvimento do território.

Pensar em grande é sabermos combinar uma economia assente no conhecimento e no digital, na inovação e no empreendedorismo, e movida por uma ambição global, com a criação de condições para o reforço das nossas vantagens competitivas.

Sem esta visão estratégica para aproveitarmos aqueles que são os nossos fatores intrínsecos de competitividade no contexto da nova economia, arriscamo-nos a malbaratar os Fundos Europeus, que agora se anunciam para tentar salvar a velha economia, através da distribuição de capital por empresas de crescimento e rentabilidade pouco sustentada ou da subsidiação de investimento estrangeiro baseado em mão de obra qualificada, mas barata.

Reitero: o pós-Covid é uma oportunidade singular de pensarmos mesmo em grande e de tirarmos partido daquilo que nos diferencia. Ao não o fazermos, estamos a condenar o futuro das próximas gerações, incentivando os nossos netos a emigrar por obrigação — para os nossos filhos, esta já é a dura realidade –, ou a permanecer no nosso país e a trabalhar numa empresa em que as administrações estão no centro da Europa, nos Estados Unidos ou na China, ou a desempenhar profissões desajustadas das suas qualificações.