No final do mês passado, França e Grécia celebraram um acordo militar que inclui a promessa de assistência mútua em caso de uma das partes ser agredida, além da venda de três navios, que acrescem a 18 aviões também adquiridos aos franceses no último ano. Tudo isto, pouco tempo depois da saída americana do Afeganistão sem dar grandes explicações aos aliados e do episódio dos submarinos que os australianos decidiram comprar aos americanos e britânicos, desistindo do negócio com os franceses, tem vários significados.

Além das compras, o aspecto mais importante do acordo é que prevê assistência militar francesa à Grécia na eventualidade de uma escalada do conflito entre Atenas e Ancara por causa das águas territoriais e os respectivos direitos de exploração no Mediterrâneo. Claro que não diz isto assim e que ambas as partes disseram que não era nada disso que estava em causa, mas a intervenção do primeiro ministro grego no parlamento é bastante eloquente sobre quem ele considera que é hoje uma ameaça no Mediterrâneo. (Não vá alguém estar distraído, recorde-se que ambos os países – e todos os restantes membros da NATO – já estavam obrigados à defesa mútua em caso de um destes dois países ser atacado por terceiros, precisamente por virtude do Tratado do Atlântico Norte.)

Mesmo sabendo que a tensão com a Turquia não é um exclusivo dos gregos e que os franceses são a “potência” europeia com mais interesses no mediterrâneo oriental, há aqui novidades importantes, portanto.

O que esta compra e venda com acordo de defesa associado significa é que dois Estados membros da União Europeia e da NATO assinaram um acordo a pensar na eventualidade de um conflito com um outro membro da NATO que tem chantageado a Europa com a ameaça de deixar passar hordas de migrantes, tem exibido músculo no Mediterrâneo e à sua volta e parece ter crescentes ambições regionais. Sobre a qualidade das relações entre os europeus e aliados ocidentais e a Turquia, que há pouco tempo foi fazer compras militares à Rússia, estamos falados. Só importa manter a Turquia na NATO porque de fora seria ainda pior.

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Mas este acordo quer dizer mais duas coisas. Que os gregos já não confiam que os americanos consigam, ou estejam disponíveis para conter as ambições turcas. E que contam que a promessa de empenho francês o possa fazer.

Num instante, são três alterações fundamentais na política de segurança de países europeus. Cooperação intra-europeia apesar da NATO e mesmo contra um dos seus membros, desconfiança quanto ao compromisso do interesse americano na região, e confiança no valor da principal força militar da União Europeia (que é o que os franceses são, desde a saída do Reino Unido).

Tudo isto acontece numa altura em que os americanos parecem estar a dizer aos europeus que não têm nada contra a ideia de defesa europeia, porque têm de ser os europeus a tomar conta do que se passa na sua região, que diz cada vez menos aos interesses dos Estados Unidos.

Para os entusiastas da defesa europeia, integrada numa ideia de autonomia estratégica, tudo isto são peças que se encaixam na perfeição no seu puzzle geoestratégico.

Para os adeptos da necessidade de manutenção do laço transatlântico, que compreendem que uma defesa europeia focada nos interesses das “potências” continentais e com objectivos concorrentes naquelas que consideramos ser as nossas zonas de influência e de interesse, como seja a África lusófona, em especial a que está junto da África francófona, por exemplo, estas movimentações não têm nada de bom.

O facto de os gregos saberem o que estão a fazer, e de os franceses estarem a ter sucesso não quer dizer que os nossos interesses estão melhor protegidos. Admitindo, claro, que temos uma ideia sobre quais são os nossos interesses e que eles não se confundem com a ilusão de um suposto interesse europeu comum e único.