Existem duas hipóteses para avaliar o trabalho do executivo camarário de Lisboa e do seu Presidente. Uma é a de bater palmas a qualquer ciclovia que apareça da noite para o dia. A outra, com a qual me identifico, é a que analisa as contas, as opções do plano e a execução orçamental. Quem se dá a esse trabalho, não pode deixar de sentir uma enorme frustração. Porque, quando se estuda a acção deste executivo socialista, o que se encontra é uma Lisboa que, ao contrário da letra de Sérgio Godinho, ainda não amanheceu.

Nos últimos anos – mesmo com pandemias – a nossa capital podia ter acordado para uma nova realidade. E, porque não se pode olhar para 2021 sem compreender o passado recente, começarei por fazer uma pequena resenha do ano de 2019. Assim:

Em 2019, conjugaram-se condições únicas para que a Câmara pudesse, efectivamente, fazer um trabalho espectacular: o maior orçamento de sempre; a economia da cidade em crescimento; pleno emprego (na cidade); forte investimento privado; recorde do número de visitantes/turistas; aumento significativo da população, inclusive de população estrangeira residente (de alto nível económico).

Mas em vez de aproveitar estas condições, o que se verifica é que só se alcançou um terço dos objectivos que estavam traçados para esse ano. Vejamos:

  • No que diz respeito à taxa de execução de investimentos, os 163 milhões de investimentos realizados comparam com os 462 milhões previstos. Portanto, só 35%;
  • Na habitação – onde existem problemas sociais graves – temos 51% de taxa de execução;
  • Na educação 53%;
  • Equipamentos Sociais – um desastre -, 1 milhão de euros gastos, que se comparam com os 13 milhões orçamentados. Ou seja, 9%.

Podemos, igualmente, analisar a execução orçamental dos famosos EIXOS (ou seja, dos objectivos propagandeados por Fernando Medina):

  • Melhorar a qualidade de vida 40%;
  • Combater as exclusões 36%;
  • Dar força à economia 13%;
  • Afirmar Lisboa 27%;
  • Governação aberta 20%.

Passado o ano de 2019, e mais uma oportunidade perdida, entramos em 2020. O orçamento, num primeiro momento, parece equilibrado, mas se aprofundarmos a análise vemos que a receita corrente se mantém à custa das transferências do Estado, por conta das novas competências (+34M€), e das rendas de terrenos que triplicam (+12M€!).

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Nos Recursos Humanos, a habitual festa socialista: mais 400 assistentes operacionais e 200 técnicos superiores, num total de 671 novos trabalhadores. É igualmente um case study – negativo – analisar a pirâmide dos trabalhadores camarários, por ordem da sua categoria: existem mais responsáveis que subordinados, ou, como se dizia antigamente – na brincadeira – há mais chefes que índios…

Claro está, que manter uma embarcação desequilibrada, só se consegue fazer à custa dos famigerados impostos. Para quem afirma querer uma cidade amiga do investidor, ou do munícipe, atentemos na evolução, no que respeita a impostos directos:

2016 – 314 milhões; 2020 – 420 milhões. O aumento percentual entre 2016 e o orçamentado para 2020 foi de 33,75%! Note-se que este número é só relativamente aos impostos directos, tendo sido retirados da equação as taxas, multas e outras penalidades, assim como a taxa turística, as Transferências Correntes e as Outras Receitas Correntes. Podemos, desta forma, calcular o peso de parte da carga fiscal sobre as famílias lisboetas, usando os dados do Censo de 2011. Vejamos:

População de Lisboa, no último Censos: 547.733

Impostos Directos/População:

2015 = 289.904.977 : 547.733 = 529,28€

2020 = 419.922.245 : 547.733 = 766,66€

Ou seja: 766,66 : 529,28 = 44,85%

(e note-se que é sobre o total da população, ou seja, com recém-nascidos e centenários. Se se fizer o cálculo só sobre quem está em idade produtiva…)

Ficou no anedotário nacional a frase de Pires de Lima, das taxas e taxinhas, mas era bom que se tomasse nota do seguinte: a tabela de taxas em vigor apresenta-nos 165 taxas aplicáveis em Lisboa a vários níveis. Algumas delas têm um valor muito reduzido, que não cobre sequer o serviço e, nesse sentido, não são sequer cobradas.

Para 2020, as grandes metas da nossa câmara, foram as mesmas de sempre e entende-se porquê! É que não as conseguem cumprir. Na Habitação e na Cidade Planeada tudo isto já foi prometido e continua por fazer:

  • “Assegurar a oferta de mais de 6.000 casas a preços acessíveis para famílias de classe média”;
  • Na Mobilidade não tratam dos assuntos relevantes: instar o Governo à modernização urgente da linha de Cascais, com integração na linha de cintura em Alcântara até ao Oriente e desnivelamento da mesma entre Belém e Alcântara, a criação de faixas dedicadas ao transporte público na A5, solução de transporte pesado a partir de Loures, a expansão do Metropolitano de Lisboa; restruturação dos Interfaces, com destaque para Sete Rios, Pontinha e Campo Grande; 2a Circular; minimizar o problema do tráfego de pesados, vindo do Porto de Lisboa, do interior da cidade; parques dissuasores;
  • Na Cidade Sustentável, a aposta é em trotinetes, quando se devia apostar na recuperação/renovação do Parque Florestal de Monsanto; na Cidade Solar, na eficiência energética, na optimização da água reciclada; em aumentar a reciclagem de resíduos urbanos; em melhorar a estrutura de apoio da higiene urbana; nas medidas de redução de ruído.

Mas para a geringonça que gere a nossa cidade, fazer promessas é fácil. Só que, o que os números, friamente nos dizem, é que a execução é muito baixa. As “coisas” não andam, embrulhadas em regulamentos que se atropelam, em cativações camarárias, em decisões judiciárias que colocam em causa determinadas opções, na criação de novas divisões e novas orgânicas, que só servem para aumentar os custos com o pessoal e aumentar a burocracia.

Em 2020, estivemos – novamente – perante um orçamento pouco claro. Os impostos continuaram em nível elevado. As taxas constituem uma autêntica galáxia de difícil compreensão. Taxas existem, que não cobrem o seu custo, e outras, que estão caras de mais. Um trabalho de simplificação/clarificação deste emaranhado é indispensável. No Mapa de Pessoal, ao não se esclarecer devidamente o número de saídas para as empresas municipais – nomeadamente a SRU –, apresenta-se um aumento do quadro inferior ao real, pois as pessoas que vão para a SRU podem voltar à Câmara.

Os valores da taxa turística – empolados – não são, mas deviam ser canalizados para o principal efeito do turismo: a sua pegada ecológica, ou seja, a limpeza e a recuperação de espaços verdes. Sendo Lisboa uma cidade segura, a verdade é que não está imune aos problemas das sociedades modernas. Não é visível, neste orçamento, uma aposta em novos métodos de segurança, nomeadamente, a videovigilância. O número de casas propriedade da Câmara, e que continuam vazias, não desce significativamente, não sendo reflectido neste orçamento uma aposta na sua recuperação.

E veio a Covid…

Como se sabe, em Março de 2020 caiu em cima de todos nós uma pandemia. Obviamente, uma revisão orçamental era exigida: As receitas iam cair a pique e os gastos com apoios sociais e à economia tinham que subir expressivamente. O que fez a CML? Uma revisão em que não mexeu em nada das receitas incorporando um discutível – tecnicamente e legalmente – saldo de gerência no valor de 360 milhões. Ou seja:

Disseram que iam continuar a receber o mesmo – o que é ridículo – mas, à cautela, avisaram logo que não era para executar. Dessa forma mantiveram o orçamento, criando a ideia que iriam gastar bastante mais do que na realidade podiam.

A equação é simples: entraram com os 360 milhões, mas, como as receitas desceram, é óbvio que os milhões serviram para tapar buracos e não para aquilo que se esperava, que era um balão de oxigénio nesse montante. O correcto teria sido cortar nas despesas; suspender alguns investimentos e aumentar consideravelmente os apoios aos desfavorecidos, aos sem-abrigo, aos desempregados, aos idosos, etc. e, é claro, ao relançar da economia da cidade.

Ou seja, os 360 milhões tinham de ter um fim, previamente destinado, claro para todos. Não tiveram. A grande fatia ficou à discricionariedade do executivo camarário. Foi um cheque em branco de centenas de milhões. Algo nunca visto. O que salta à vista são as verbas ridículas para a Cultura, para o apoio aos desfavorecidos, para relançar o Turismo, para o Fundo de Emergência Social, etc., etc. No entanto, porque há sempre quem saia a ganhar nas desgraças, a Web Summit viu a sua verba duplicar num ano de pandemia! Porquê? Para terminar seria interessante perguntar quanto custou o não utilizado Hospital de Campanha no EUL e quando de lá vai sair.

Este trabalho, em formato condensado, deve fazer os alfacinhas pensar em quem querem à frente da sua cidade. Ou seja, por que razão se deve acreditar em Medina, no ano da Graça de 2021, quando já falhou rotundamente em 2019 e em 2020?