1 Jornadas Mundiais da Juventude

Durante a infância e até à adolescência fui educada e fui feliz num colégio católico, feminino, liderado por irmãs franciscanas, hoje salesianas, onde Cerejeira, anos antes de eu nascer, mas no tempo da minha mãe, e por ser necessária a extensão das instalações, havia ido abençoar a primeira pedra do pavilhão novo. Está tudo dito.

Por oposição, em casa, um lugar agora dito inter-geracional, mas para mim apenas a casa da minha família, não havia religião que chegasse à porta. Vade retro. A minha avó, revolucionária discreta e herdeira do socialismo utópico oitocentista, queria o fim da pobreza e a liberdade da democracia com a mão férrea da moral. Isto para não falar nas suas maravilhosas contradições onde se aprendia a fazer a ponte entre os mundos: queria o fim da igreja sumptuária e ostensiva, mas enfiara a neta no mais católico dos colégios. E não sendo da igreja ditava à igreja a partir da sua sala de estar – nem era tanto o verbo querer que a definia, mas uma personalidade no modo imperativo de qualquer verbo.

O meu avô nunca acreditou em qualquer Deus. Mas acreditou no 25 de Abril e em Soares e quando, numa semana de fé, anunciei que ia ser freira, disse-me logo: não digas disparates nem digas à avó — conselho que não segui, mas essa é outra história. O meu pai era um homem com raízes no Douro e com uma mãe ultra-conservadora e de missa diária, portanto, era ateu. A minha mãe, muito jovem e idealista, resolvia o futuro corrigindo as desigualdades do presente na sua sala de aula. Deus havia de chegar-lhe muitos, muitos anos depois.

Foi neste cenário que, contra todas as advertências, me tornei católica. Católica de Jornadas Mundiais da Juventude, na minha juventude. É uma experiência marcante porque é uma experiência de Fé. A Fé ainda que se sinalize não se transmite. Nada do que eu possa dizer sobre este assunto é isento. Assim mesmo…

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Gostaria de lembrar que Portugal se candidatou e ganhou a candidatura para estas Jornadas. E elas não podem acontecer sem um enorme investimento, afinal, não se arrumam um milhão de pessoas numa caixa de sapatos. Isso não foi, em 2019, problemático, ao contrário, foi celebrado politicamente: havia entre a câmara, de vereação socialista, o governo socialista, e o Presidente da República uma concordância sem arestas à qual acresceu o projecto inteiramente laico de reabilitação urbana. Assobiar para o lado não altera os factos que são estes. Moedas é só o herdeiro recente. Já Sá Fernandes transitou da vereação anterior. Nada disto é novo. Nada disto é imprevisível. Nem há Jornadas, em qualquer lugar do mundo que tenham ocorrido, sem polémicas associadas.

O despropósito do palco e a intervenção tardia da igreja não deveriam, no entanto, ser usados para encobrir os desmandos continuados desta governação. As decisões de 2019 não podem revelar-se surpreendentes em 2023.

2 Crónica de África, de Manuel S. Fonseca

Há poucas coisas tão felizes como vermos o talento dos nossos amigos entalado entre uma capa e a sua contracapa – e esta é uma curtíssima declaração de interesses. Manuel S. Fonseca, autor de Crónica de África dispensa apresentações: o que pensou, fez e escreveu falam, e muito bem, dele. Conhecemo-nos há muitos anos, no tempo em que a blogosfera era uma existência e juntos com outros como nós inventámos blogs onde fomos felizes. Mas devo confessar que estas crónicas feitas da matéria luminosa de uma África a perder de vista, emolduradas pela terna alegria que tudo permeia, são do mais bonito que tenho lido. É uma língua de açúcar e sal. Para ler e reler.

3 Por Onde Irá a História?, de Miguel Monjardino

Leio Miguel Monjardino há mais de uma dúzia de anos, no Expresso. Admiro-lhe o rigor da análise, a cultura, e a ponderação. Aprendo com o que escreve: aponta os ângulos cegos e ilumina os recantos escuros. Este livro propõe-nos um modelo para o entendimento político internacional, neste momento a que ele chama a «Crise dos Trinta Anos» e enquanto o mundo se reconfigura: a clara vocação imperial russa, a expansão económica chinesa e a centralização do poder de Pequim; o reforço da importância da NATO e da União Europeia e uma ocidentalidade para-geográfica, são, entre outros, pontos de obrigatória reflexão. Para ler. Devagar.

A autora escreve segundo a antiga ortografia