Sinto que continuo a insistir e que, se calhar, para alguns já incomoda. Mas é-me difícil manter o silêncio quando vejo a situação a que eu e tantos outros estamos sujeitos.

Enquanto parte da comunidade de pessoas com autismo e, por conseguinte, da comunidade alargada de pessoas portadoras de deficiência, gostava apenas de revindicar algo tão básico como os meus direitos humanos.

Fala-se muito deles agora. Movimentos como Black Lives Matter ou #MeToo reclamam o respeito pela dignidade e liberdades fundamentais de todos, no entanto, sem querer menosprezar a luta de muitos, no meio de tanto barulho, é fácil ignorar o sofrimento também contínuo e prolongado de uma minoria que, por ter tanta dificuldade em fazer-se ouvir e em mostrar o seu potencial, é facilmente oprimida e esquecida.

No Estado Novo, pessoas como nós eram encarceradas em asilos, escondidas e negligenciadas simplesmente por serem inconvenientes. Tal (na maioria dos casos) já não acontece. Mas foi só isso que mudou, pois, a discriminação, a falta de oportunidades e a ausência de apoios não mudaram assim tanto.

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De nada serve dizer que as mentalidades evoluíram se pais se recusam a aceitar um diagnóstico porque têm medo do que as outras pessoas vão pensar. De nada serve um aluno ter Estatuto de Necessidades Especiais se um ou mais professores se recusarem a apoiá-lo. De nada serve sermos aceites em Universidades se o sistema facilmente nos asfixia e de nada serve as empresas “apreciarem a diversidade” quando somos os primeiros a ser afastados nos processos de recrutamento.

A minha infância foi um desafio constante. A adolescência um calvário. A Universidade só confirmou os meus medos: a vida adulta torna as barreiras impossíveis de superar. Enquanto criança havia apoio, havia proteção. Se eu dissesse algo estranho, as pessoas riam-se e assumiam que estava apenas a brincar. Se não percebesse algo, bastava pedir ajuda. Se houvesse algum problema, tinha sempre o colo da minha mãe. Agora, tudo isso se desmoronou e é muito difícil manter a esperança e o otimismo quando, na Europa, a taxa de emprego de jovens adultos com perturbações do espetro do autismo está abaixo dos 10%. Eu estou em sério risco de sofrer exclusão social simplesmente porque experiencio o mundo de uma forma diferente.

Não sei o que me deixa mais triste: ouvir pessoas que, sem me conhecerem, me consideram incapaz por causa de um estereótipo que ninguém deseja contestar ou o facto de saber que me esforço muito mais do que quem nasceu dentro da média e, mesmo assim, sentir que estou a ser lentamente deixada para trás.

É tão doloroso ser vista como alguém incompetente apenas porque lido mal com a pressão, porque não sou social… Sempre fui uma aluna de excelência, ganhei um prémio de escrita e, citando a minha mãe, tenho uma autêntica “memória de elefante”, entre tantas outras coisas, mas como tenho dificuldade em manter o contacto visual ou a trabalhar em equipa, torno-me descartável.

Será assim tão difícil terem-nos em consideração? Há leis, apoios e subsídios para tudo. Por que não investir no treino de professores, tornar a cultura mais acessível ou criar iniciativas que incentivem empresas nos diferentes setores a contratarem-nos? Por que não comparticipar as várias terapias disponíveis atualmente?

Não querendo expressar-me em nome dos quase dois milhões de pessoas portadoras de deficiência em Portugal, gostaria apenas de lembrar que eu tenho direito a ter uma educação de boa qualidade e a ter um emprego. Tenho direito a ganhar um salário digno e a estar integrada na minha comunidade. A única explicação que encontro para me ser negado o que é dado a tantos outros é o facto de ser, para tantos, simplesmente irrelevante, incapaz, invisível.