1. “Percebi que não ganharia essas eleições quando, um dia, em Viseu, conversei com uma comerciante que me explicou que concordava com tudo o que propúnhamos, achava que era sério, que íamos mesmo fazer aquilo, mas tinha imenso medo que, fazendo isso, voltássemos a uma situação de rutura financeira”. Esta é uma confissão improvável de António Costa sobre a derrota nas legislativas de 2015. Foi feita ao Expresso há três semanas, remete para um passado que aparenta ser longínquo mas tem mais a ver com o presente do que António Costa gostaria de reconhecer.

Passados mais de três anos, e a um pouco mais de 12 meses de nova legislativas em 2019, não é uma situação de falência promovida pelos socialistas que os portugueses devem temer. Mas é a mesma atitude pouco responsável — que vê mais vantagens em utopias perigosas do que num pragmatismo que impeça o país de andar atrás do prejuízo.

Ao contrário de 2009, as campainhas dos mercados não estão todas a soar em uníssono com o alerta de uma crise global mas a Europa e o mundo com quem Portugal tem trocas comerciais relevantes está em clara desaceleração económica. A guerra comercial entre os Estados Unidos e a China (e o resto do mundo), obrigaram as instituições internacionais, como a própria União Europeia, a rever as suas previsões de crescimento em baixa para a Zona Euro.

Prudência, portanto, devia ser a palavra-chave do discurso de António Costa.

O primeiro-ministro, reconheça-se, até tenta ter um discurso de rigor — para se diferenciar do expansionismo orçamental dos seus parceiros PCP e Bloco de Esquerda. Mas a prática é outra, o que nos leva a pensar num ambiente de pré-campanha orçamental — e faz recordar os tempos de José Sócrates.

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2. Em 2009, quando já era claro para todo o mundo que existia uma crise financeira à escala global (e os primeiros indícios de uma crise da dívida na Europa), apenas um homem não via o óbvio: José Sócrates. Cego e surdo por interesse próprio, Sócrates queria renovar a maioria absoluta em setembro desse ano e prometeu aos eleitores tudo e um par de botas. Os funcionários públicos receberam um aumento de 2,9% (o mais alto nessa altura desde 2001), foram anunciadas mais parcerias público-privadas, uma nova ponte sobre o Tejo, o famoso TGV vinha de trás e ainda havia o novo aeroporto internacional de Lisboa e uma forte aposta numa política de incentivo à natalidade. Sócrates tudo prometeu contra os conselhos de prudência financeira face à catástrofe que já se anunciava mas nada conseguiu. Perdeu 500 mil votos e 24 deputados — e com isso a maioria absoluta.

Hoje, o Orçamento de Estado para 2019 está a ser preparado num tempo de autêntica pré-campanha — ignorando-se os perigos da guerra comercial mundial iniciada por Donald Trump e a mistura com a incerteza do Brexit. Entre medidas que vêm de trás (como a eliminação da sobretaxa e a revisão das taxas e dos escalões de IRS) ou a atualização automática de pensões e as progressões automáticas dos funcionários públicos — a ideia continua a ser dar tudo pela maioria absoluta.

Mas ainda há as reivindicações do PCP e do Bloco de Esquerda, como mais aumentos de salários para função pública (ou redução da contribuição para a ADSE), a redução do IVA da Eletricidade de 23% para 13%, um novo complemento para as pensões mais baixas e fim do factor de sustentabilidade para as pensões antecipadas.

No total, e de acordo com as contas do Expresso, podemos estar a falar cerca de 1,6 mil milhões de euros. “Muita fruta”, como diria o povo, quando o Governo quer reduzir em 2019 o défice orçamental de 0,7% (previsão para 2018) para 0,2% e em que se prevê que o PIB cresça 2% — menos 0,7% do que em 2017.

3. Para já, e deixando os funcionários públicos e os pensionistas de lado (o verdadeiro público-alvo do PS e dos seus aliados PCP e BE), a proposta mais paradigmática desse expansionismo orçamental é o desconto de 50% no IRS para os emigrantes portugueses que saíram do país até 2015 e que decidam voltar ao país entre 2019 e 2020. Ainda não se sabe o custo financeiro da medida mas sabe-se que, além da isenção de tributação de metade dos seus rendimentos entre um período de três a cinco anos, os emigrantes ainda poderão deduzir despesas de regresso ao país, custos de instalação e o capital que investiram numa nova habitação.

Concordando-se com o objetivo da proposta (que visa atrair mão-de-obra qualificada que saiu do país durante o período do resgate da troika), impõem-se vários comentários:

  • Como é que alguém pode confiar numa classe política que muda todos os anos as regras fiscais que regem a vida dos contribuintes?
  • Mais: António Costa é digno dessa confiança em termos de previsibilidade fiscal? Não podemos esquecer que uma das suas primeiras medidas de fundo enquanto líder do PS foi rasgar o acordo que tinha sido feito entre o seu partido e o PSD e o CDS para a descida gradual do IRC entre entre 2014 e 2016? O homem que rasgou um acordo que dava estabilidade fiscal às empresas e aos investidores estrangeiros, estará em condições de garantir que nos próximos anos não muda de ideias sobre a questão do IRS dos emigrantes?
  • E os que cá ficaram para pagar o maior aumento de impostos de sempre? Não têm direito a uma borla fiscal no IRS, no IVA e em tantos impostos que levam boa parte do seu rendimento disponível? É pouco provável, tendo em conta a mais do que provável baixa de receita de impostos com a desaceleração da economia.

4. A questão de fundo, contudo, vai muito além da mera análise de propostas próprias de um político que quer lutar pela maioria absoluta em 2019 — e resume-se a duas palavras: confiança e credibilidade.

Um Governo que não fez reformas de fundo em quase quatro anos de mandato, que se limitou não só a gerir a confiança que os mercados e os investidores internacionais passaram a depositar em Portugal a partir de 2014 com o Executivo PSD/CDS, como a beneficiar com o crescimento económico (muito superior ao português) de Espanha, da Alemanha e da generalidade dos países da Zona Euro — esse Governo, o Governo de António Costa, não merece muita credibilidade no que diz respeito à sustentabilidade deste tipo de propostas.

Ainda para mais quando o primeiro-ministro explica a redução dos juros portugueses em 1,1 mil milhões de euros desde 2015 com a “consolidação orçamental,  redução do défice e saída do procedimento de défice excessivo” — tudo manobras argumentativas para recolher louros que não lhe pertencem, mas sim aos programas do Banco Central Europeu liderado por Mario Draghi.

Mas com o vazio da oposição, nomeadamente a inexistência do PSD, tudo é possível.

5. Rui Rio, o suposto líder da oposição, não tem agenda desde o final de julho. Parece que o líder do PSD, que vê vantagens em estar offline para “limpar a cabeça”, segundo o Expresso, julga igualmente que os portugueses o premiarão pelo desaparecimento em combate — durante as férias e não só. É cada vez mais provável que Rio deseje ter um corte de cabelo (com o respetivo rabo de cavalo) à Roni Raña, o personagem da novela da TVI, do que consiga chegar ao seu verdadeiro objetivo: ser vice-primeiro-ministro de António Costa. Pelo andar da carruagem, a maioria absoluta está perfeitamente ao alcance do PS.