“A alegria”, proclamou o dr. Costa com a densidade filosófica de um manjerico ou dois, “é ter muitos amigos e poder brincar”. De imediato, uma repórter interrogou-o: “O país tem suficientes alegrias ou a subida do ‘rating’ para breve seria uma boa alegria?” Apesar da sofisticada interpelação, o dr. Costa respondeu à altura: “A alegria nunca é suficiente, devemos querer sempre mais alegria”. Esmagada pela potência do axioma, a repórter contorna um bocadinho o assunto: “E o ministro Centeno no Eurogrupo a tempo inteiro?” O dr. Costa reage impávido: “É um homem alegre, também… Olhe, mas agora terequemofumb (?) o nariz vermelho, agora teroquemfbamanhar (?) o nariz vermelho”. Intrépida, a repórter chega ao tema que se impunha: “Então Passos Coelho dizia ontem que o governo se estava a aproveitar do anterior governo…” Era a deixa para o dr. Costa sentenciar a conversa com o improviso que ensaiara durante horas: “É uma pessoa menos alegre”.

Por onde começar? Talvez pelo princípio. O episódio acima decorreu numa escola primária de Lisboa, onde o primeiro-ministro celebrou o Dia Mundial da Criança e arriscou rábulas com palhaços. Até aqui, não há nada de demasiado estranho à rotina das democracias contemporâneas. A partir daqui, entra-se numa dimensão exclusiva de certas democracias especiais – e especialmente alegres. Vamos aproveitar o embalo e brincar ao “descubra as diferenças”?

A primeira diferença passa pela hospitalidade dedicada ao dr. Costa. Noutro lugar ou tempo, os professores exibiriam na melhor das hipóteses um ar de enterro, e na pior um protesto que podia incluir uma interpretação sentida do “Grândola, Vila Morena”. No caso, o único ponto comum foi a presença de palhaços. De resto, só aplausos, “afectos” e, claro, alegria.

A segunda diferença é o à-vontade revelado pelo dr. Costa ao contracenar com os ditos palhaços. Se tentasse a proeza, o chefe de uma nação triste faria uma figura ridícula. Embora o ridículo não tivesse faltado, o dr. Costa, que ri sem parança e estava no seu habitat, nem deu por ele. A alegria acima de tudo.

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A terceira diferença é a velha familiaridade do dr. Costa com a língua portuguesa: quase nenhuma. Até os “tweets” do sr. Trump ficam aquém em matéria de liberdade expressiva. E ainda bem. É óptimo sinal quando a gramática não atrapalha a satisfação de um político com as suas conquistas e, principalmente, consigo mesmo. A alegria comanda a vida.

A quarta diferença é o comentário sobre Pedro Passos Coelho. Dada a doença da mulher deste, o estadista sisudo de um país convencional evitaria alusões desagradáveis. O dr. Costa, rosto da felicidade que nos caiu em cima, não evitou – ou por distracção, o que atesta o seu discernimento, ou de propósito, o que demonstra o seu repugn…, perdão, impecável carácter. A alegria não quer saber de maleitas.

A quinta diferença é o papel da referida repórter, que não conheço, mas que, pela devoção demonstrada, o dr. Costa deve conhecer na perfeição. Todas as “questões” da senhora partilham da exacta euforia que, com indisfarçado zelo, os “media” avençados nos atiram à cara. Num regime melancólico e escrutinado, pelo menos uma alminha perguntaria ao dr. Costa se a razão das agências não se sobrepõe às patranhas dele, se o novo recorde da dívida pública – alcançado naquele dia – não o aflige, se a “promoção” do dr. Centeno não é sarcasmo como o do sr. Schäuble e se Pedro Passos Coelho, ao defender os critérios de crescimento que a esquerda despreza, não desmontara a propaganda vigente. A alegria é avessa ao cepticismo.

A sexta diferença é a naturalidade com que meio mundo reage a semelhante paródia. Povos taciturnos lamentam o desconchavo dos próprios líderes. Um povo radiante lamenta o desconchavo dos líderes alheios, enquanto agradece a sorte que lhe providenciou o dr. Costa. A alegria não implica ingratidão.

A sétima diferença é que governantes sérios e a sério inspiram resmas de reflexões em volta da solidão do poder. Um governante alegre não sofre desse mal: do alegre “jornalismo” à alegre banca, dos alegres sindicatos a todos os alegres isentos da austeridade que não ousa dizer o seu nome, o dr. Costa tem realmente muitos amigos. Desgraçadamente, prefere brincar connosco.

Nota de rodapé:

Nasci num apartamento e, por isto ou por aquilo, nunca morei num apartamento. Pela vida fora, este pormenor impediu-me de testemunhar o mais fascinante veículo de socialização depois dos jogos do Canelas. Falo, evidentemente, das reuniões de condomínio. O que sei vem de relatos de amigos, que me contam encantadoras histórias sobre aquele condómino específico, o qual, munido de má-fé, desconfiança, inveja e a convicção de que a ele ninguém o come por parvo, transforma duas horas ocasionais de aborrecimento em duas horas ocasionais de divertido conflito. Pelos vistos, o espécime em questão existe em quase todos os edifícios e, até agora, limitava-se a fazer rir os vizinhos. A partir de agora, graças a uma proposta do PS, o espécime poderá proibi-los de arrendar a própria casa a turistas. Além de atribuir a palermas a importância que estes não merecem, o PS mostra a importância que atribui à liberdade, à propriedade e ao crescimento económico que finge festejar. Na perspectiva do socialismo, a ideia é brilhante.