Ver televisão, assistir a uma entrevista, ouvir um discurso, ler um artigo de opinião, e andar de táxi, só podem ser comparados a uma viagem de táxi. Nós estamos sentados no banco de trás e o veículo precipita-se sabe Deus para onde, a alta velocidade. Vemos passar a cigana, o espelho, a teia-de-aranha, a curva-apertada, e o esqueleto; os sinais encarnados convidam a que se aumente ainda mais a velocidade; parece inseguro abrir a porta e saltar para a rua.

No banco da frente alguém uiva sem parar, com os olhos fixos, a cabeça colada ao pára-brisas, e os braços muito tensos agarrados ao volante. Percebemos tarde de mais que lhe é indiferente que estejamos nós no banco de trás, porque de qualquer maneira não lhe ocorreu nunca olhar-nos nos olhos, ou aliás olhar para o que quer que seja; nem precisou. Os nossos guias conhecem o caminho de olhos fechados; e tentam exemplificá-lo constantemente.

Durante a viagem de táxi a pessoa ao volante faz todas as perguntas e dá todas as respostas. Não tem dúvidas de que qualquer outra pessoa, desde que imparcial, concordará consigo. Os barulhos que produz formam uma nuvem muito espessa, que tem os efeitos de um incêndio de Verão ou da tinta de uma lula. Pouco importa o que se passa na sua cabeça: os gritos que dá impedem que se veja alguma coisa. Tudo ressoa como num hospital, ou numa gruta.

Vistas as coisas do banco de trás há várias opções. A alguns ocorre contribuir para o emetismo; ou ocorre esfregar sal nas feridas; ou esfolar aquilo que o orador já matara. São os condutores de bancada, aqueles que falam com a televisão, que batem nos animais, que aplaudem os discursos, que comentam os artigos, e que andam de táxi. Os mais ágeis e astutos seguem outro método: adoptam o papel do interlocutor clássico calculadamente, e contribuem para a conversa com ‘Sim’, ‘Pois claro’, ‘Ora então, ó Trasímaco.’ Esta é a posição que os loucos ao volante pessoalmente preferem, visto que conhecem as vantagens do assentimento não-competitivo. É sempre da natureza dos loucos que queiram ser os únicos loucos do mundo.

A um pequeno grupo porém a viagem de táxi inquieta. Não necessariamente por razões de sobrevivência própria. Em relação ao seu destino não precisam de alimentar grandes esperanças; pode consolá-los quase que esta vida seja apenas esta vida, e que tudo venha a acabar, ou haja outra; e saber que o seu dinheiro é apenas dinheiro, e que o último desastre será pelo menos o último. Mas sentem-se intelectualmente pouco à vontade com o conceito de um cego ao volante, aos gritos; desconfiam de quem acha que o barulho pode curar a cegueira; de quem acha que o som, se for suficientemente alto, pode atingir a velocidade da luz.

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