O casamento civil é visto como um “um contrato celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida” (artigo 1577º do Código Civil). Este compromisso está vinculado juridicamente ao “cumprimento de deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência” (1672.º CC). Contrariamente, a união de facto não poderá ser forçada aos mesmos deveres conjugais, devido à ausência de um vínculo contratual, mas utilizará o bom senso, algo que ainda existe, para que os mesmos deveres sejam colocados em prática.

Já lá vão os tempos em que o casamento era colocado como senhor soberano, em cima do pedestal. Com o evoluir da sociedade, este foi perdendo combustível para outro possível modelo familiar: a união de facto. Sim, a união de facto deveria sem questionamento fazer parte do conceito constitucional de família. Os unidos de facto não levam também os filhos à escola? Não os obrigam a comer os vegetais? Não aturam as suas birras, e os momentos de drama dos respectivos companheiros? Não estarão também eles presentes? Não amarão os unidos de facto os seus companheiros da mesma maneira que os casados? Não tentam educar e passar lições e valores aos seus rebentos? Então porque é que legalmente a união de facto não é ainda vista como um modelo familiar? O que é então a família? E porque é que o estatuto do cônjuge não poderá ser equiparado aos unidos de facto?

Mas o que é exactamente a união de facto? A expressão união de facto surge de uma forma introvertida no ordenamento português, no artigo 2020º do CC, posterior à reforma de 1977. Com o passar do tempo tem vindo a ser alvo de várias alterações desde 1999, mas ainda há muitas vagas a serem navegadas neste mar, uma vez que na união de facto ainda não é considerado herdeiro legal, em caso de morte do convivente falecido, o membro sobrevivo. Existe sem margem de dúvida uma diferença significativa entre as duas figuras jurídicas: casamento e união de facto, estando sempre a segunda numa situação menos fidedigna em relação à primeira. E embora a união de facto não esteja sujeita a um regime contratual, existirá sempre uma partilha pessoal e patrimonial que urge ser protegida juridicamente aquando da morte de um dos unidos de facto, ou no término da sua relação.

Foi com a Lei n.º 135/99 de 28 de agosto que a união de facto ganhou vida de uma forma oficial, mas pobre, com a lei unicamente a referir-se a pessoas de sexos diferentes a coabitar no mesmo local (artigo 1º). E eis que a lei n.º 7/2001 de 11 de maio veio socorrer a anterior, incluindo pessoas do mesmo sexo que partilham uma vida em comum há mais de dois anos, na mesma morada (artigo 1º/2). Há um sentimento de indignação quando se afirma que as relações de família estão intimamente relacionadas com o casamento, o parentesco e a adoção (art. 1576.º do CC). Aqui não é mencionada a união de facto, não se considerando a mesma como um projeto de família, e não interferindo esta com os respetivos patrimónios dos envolvidos.

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A união de facto “prova-se por qualquer meio de prova legalmente admissível”, (2º A /1 LUF), podendo a junta de freguesia emitir uma declaração a comprovar a relação. A mesma deverá ser acompanhada de um compromisso de honra, assinado pelos unidos de facto, afirmando que vivem na mesma casa há mais de 2 anos (artigo 2.º-A 2 LUF).

Para que a união de facto ganhe força legal, as pessoas envolvidas na mesma não poderão ter um anterior casamento pendente, o que fará sentido – se é difícil aguentar uma relação, imagina-se duas. Também as finanças abençoarão as uniões de facto se os envolvidos apresentarem o IRS em conjunto, há mais de dois anos. Estes terão também direito a férias, licenças de paternidade ou de maternidade. Contudo, não poderão adoptar os apelidos uns dos outros (que desgosto). Este direito está reservado para os que anseiam se casar e cumprir cuidadosamente o contrato que assinaram (artigo 1677.º CC).

Em caso de morte de uma das partes, o membro sobrevivo terá direito a um subsídio de morte e a uma pensão de sobrevivência (artigo 3.º-LUF). No entanto, no que diz respeito à casa em que os unidos de facto coabitavam, e se a mesma estiver em nome do convivente falecido, esta só poderá ser utilizada pelo membro sobrevivo durante um período de 5 anos. No caso de a união de facto ter durado mais de cinco anos, a lei determina que o unido de facto possa ficar na casa que habitava em conjunto por um período equivalente àquele que foi a sua relação. (artigo 5.º/ 2 -LUF). O direito à herança do convivente falecido terá de ser salvaguardado através de testamento, em que no mesmo se expresse a vontade de deixar, para o membro sobrevivo, a parte da quota disponível da herança.

Não podem os unidos de facto continuarem a serem invisíveis perante o Estado, e perante o nosso ordenamento jurídico, só porque seguiram a estrada menos convencional. Os sensos de 2021 mostraram que 1 008 604 pessoas viviam em união de facto em Portugal. Apesar de o casamento e a união de facto serem vistos pela sociedade portuguesa como duas figuras sem diferenciação em relação ao seu cariz familiar, os unidos de facto continuam a não ser herdeiros legais do seu companheiro ou companheira, acabando a união de facto por ser vista como menos eficiente, por não se encontrar vinculada a um contrato. Não há aqui claramente, um princípio de igualdade e de proporcionalidade, perante os unidos de facto e os cônjuges. Os dois modelos familiares deveriam ter “o direito de constituir família” (36º/1da CRP), e estar no mesmo patamar de igualdade perante a lei. (13º da CRP). E devendo a união de facto ser considerada de cariz familiar, também deveria ser a mesma protegida pelo Estado. (67º da CRP).

Urge proteger-se os unidos de facto, e fazer com os mesmos sejam considerados herdeiros legítimos da pessoa com a qual querem criar um futuro.

Urge chamar pela igualdade.