Falar de Saúde Mental, ainda que pareça estar na moda, continua a ser um tema tabu na nossa sociedade. Uma sociedade que cataloga pejorativamente a doença mental como sendo um mal maior do sujeito, uma falha tectónica da qual este se deve envergonhar, um fracasso da vida do individuo na sua existência humana e da sua plenitude em sociedade.

O próprio termo “doença mental” foi criado para humanizar e reduzir o estigma relacionado com o preconceito anexado ao conceito de “loucura”. Quando alguém nos diz que é diabético e depende diariamente de insulina, conseguimos imaginar que tal informação provocaria uma reação totalmente distinta na população se o mesmo sujeito ao invés nos referisse que depende diariamente de medicação antidepressiva ou antipsicótica.

Cada vez são mais os estudos que relacionam a patologia mental a uma desregulação fisiológica, tal como acontece com outra qualquer patologia com um fundamento “orgânico”. Neste contexto, verifico que aquilo que se passa em sociedade tem um impacto 10 vezes maior na comunidade universitária.

Eu própria passei por inúmeras dificuldades durante o processo de integração na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e durante muito tempo sofri de forma absolutamente solitária por ter medo de falar sobre aquilo que estava a viver. O facto de ter concluído o meu secundário fora do país, onde o ensino era bastante diferente da realidade que se vive em Portugal, deixou-me logo numa posição de inferioridade perante os meus colegas de curso, isto na minha cabeça. Tudo piorou quando enfrentámos as primeiras frequências, em que a minhas notas não eram de todo o que estava à espera e não transpareciam o meu estudo e dedicação. Entrei numa espiral de negatividade, não só devido às notas, mas também devido à frustração que sentia por não conseguir encontrar o método de estudo ideal, que até então nunca me tinha falhado. Havia mais colegas que amigos, o que também não facilitava o processo, e o confinamento de 2020 foi sem dúvida um fator agravante. Quando comecei a receber apoio psicológico, que me foi incutido por um amigo próximo, tudo começou a melhorar. Entender quais eram os meus obstáculos, o porquê de os ter e como os ultrapassar, foi crucial para o aprimoramento do meu percurso académico.

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São muitos os colegas que passam por dificuldades, quer no processo de integração nos seus cursos, quer durante a progressão dos seus estudos. O impacto da entrada na universidade em ano pandémico também provocou um colosso de emoções e inseguranças em muitos de nós e o ambiente e o próprio sistema na maioria das universidades não só não propicia o desabafo e a entreajuda, como os agrava, o que resulta em isolamento e num ciclo vicioso de pensamentos negativos. Entramos em negação em relação aos nossos próprios problemas, porque o ambiente geral, que prolifera visto à lupa, sugere que está tudo bem com toda a gente, um pouco como aquilo que vemos nas vidas de plástico das redes sociais.

Se passamos por problemas, sentimos que não os devemos assumir com medo do estigma com eles relacionado, como se fossem uma fórmula de fracasso, uma má nota que nos vai marcar para a vida diante dos restantes colegas. Se tomamos medicação antidepressiva ou recorremos a profissionais de saúde mental sentimos que não é uma informação partilhável como qualquer outra patologia/lesão que possamos sofrer durante, por exemplo, o nosso desempenho no desporto universitário.

E é por isso que não estar ok não é mau, no entanto não deve ser banalizado. Não estar ok pode necessitar de apoio psicológico ou até de medicação e devemos ter bem presente que mais importante do que dizermos aos outros que está tudo bem quando passam por problemas é apresentarmos aos mesmos ferramentas que os liguem a redes de apoio.

Todas as faculdades deveriam ter um gabinete de apoio psicológico. Não apenas para prestar este apoio, mas também para um apoio pedagógico que ajude os alunos a lidar com o stress dos exames e com a adoção de metodologias de estudo que encaixem com o mundo novo que enfrentam no ensino superior.

Depois é importante salientar que algumas faculdades até apresentam estes gabinetes e redes de apoio, mas as listas de espera apontadas são demasiado extensas, resultando no mesmo cenário da inexistência de tal iniciativa. Por outro lado, deveríamos normalizar nas nossas relações o facto de que a faculdade não envolve apenas alegrias, envolve igualmente dificuldades ultrapassáveis sobre as quais devemos conversar, porque afinal de contas se os nossos sonhos não nos assustam é porque não são grandes o suficiente.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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