1. Ouvir António Costa a falar sobre o presente e o futuro de Portugal faz lembrar aquelas candidatas a Miss Universo que acreditam que é possível acabar com a guerra e a fome no Mundo. Costa não vai tão longe mas, na prática, acaba por cair no mesmo tipo de utopias.

A primeira dessas utopias é aquela que tem sido apontada desde o início: formar uma maioria parlamentar com forças partidárias retrógradas que são um obstáculo a qualquer tentativa de implementação de uma política reformista e, ao mesmo tempo, querer convergir economicamente com a União Europeia.

É verdade que em 2017 conseguimos crescer (2,7% do PIB) acima da média da Zona Euro (2,5% do PIB) mas tal aconteceu num contexto de grande crescimento económico europeu, sendo que a taxa de crescimento do PIB português corresponde apenas ao 20.º lugar do ranking europeu.

A segunda utopia passa pela ideia de que foram as políticas de reversão e de devolução de rendimentos que alimentaram este resultado de 2017. Nada mais errado quando já foi amplamente noticiado que as receitas do turismo, por um lado, e os fundos recebidos pelas empresas exportadoras, por outro lado, foram os grandes responsáveis pelo crescimento nacional.

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O irrealismo, por outro lado, também tem marcado este Governo de António Costa. Para continuar a crescer acima da média europeia é preciso um projeto reformista na Educação, na Saúde, na Segurança Social, etc. — e não fazer única e exclusivamente uma navegação à vista de pura conservação de poder político ou uma política orçamental assente em cativações que tem asfixiado os diferentes serviços públicos naquelas áreas.

Veja-se, por exemplo, a atual peça de teatro que a Geringonça tem em cena sobre o Orçamento de Estado para 2019. O que reivindicam o PCP e o BE? Mais investimento na saúde, transportes, educação e no território. E no que assenta tal investimento? Essencialmente, e realização de obra e mais contratação de recursos humanos, nomeadamente na Saúde e Educação.

Na prática, o PCP e o BE querem, como sempre, mais e mais investimento público sem grandes preocupações como tal investimento será financiado — e com que custo em termos de metas como o défice orçamental e a dívida pública.

Basta só atentar ao caso das 35 horas da Função Pública — que foram implementadas pelo Governo sob pressão do PCP e do BE — e os maus resultados que tal medida tem dado com o encerramento de diversos serviços públicos no interior do país.

2. Contudo, verificou-se um pequeno progresso: António Costa reconheceu recentemente (sem o assumir diretamente, claro) que, afinal, a austeridade não desapareceu. Ou seja, que o Governo não tem dinheiro para tudo.

Começou com o braço-de-ferro com os professores e o tempo de contagem nas carreiras e prolongou-se para as obras públicas. “Quando estamos a decidir fazer esta obra, estamos a decidir não fazer evoluções nas carreiras ou vencimentos” — é uma frase de Costa na apresentação de uma obra de renovação do IP 3 em troços entre Coimbra e Viseu que acaba por ser o reconhecimento oficial de que a austeridade financeira existe.

E continuou no debate do Estado da Nação onde o primeiro-ministro, em diálogos com Catarina Martins (BE), Jerónimo de Sousa (PCP) ou Heloísa Apolónia (Os Verdes), avisou que os socialistas não são “santos milagreiros” e que “temos de moderar a velocidade” dos gastos públicos.

Esta mudança de posicionamento e de discurso é simples de explicar:

  • Vem aí um abrandamento económico na economia da Zona Euro que se vai fazer reflectir em Portugal. As previsões para 2018, apontam para um crescimento de 2,5% em Portugal (2,7% em 2017), enquanto que na Zona Euro o crescimento não deve ir além dos 2,1% do PIB . Em 2019 e em 2020, este valor vai ficar abaixo dos 2% e situar-se-á, respetivamente, nos 1,9% e nos 1,7%.

Significa isto que António Costa, caso ganhe as eleições de 2019, terá menos dinheiro à sua disposição para responder às reivindicações do PCP e do BE. O que poderá ser uma grande dificuldade para um novo acordo com os gulosos aliados da Geringonça — insaciáveis a pedir mais recursos financeiros para as suas clientelas partidárias.

Daí a necessidade que António Costa sente numa aproximação a Rui Rio — e que foi evidenciada indiretamente na entrevista concedida pelo ministro Augusto Santos Silva ao Público e à Rádio Renascença.

Contudo, e independentemente das equações eleitorais ou dos acordos parlamentares que venham a ser feitos, o período de governação de António Costa arrisca-se a ficar para a história como uma oportunidade perdida — como foram os Governos Guterres, reconhecidos apenas pela introdução do pré-escolar em seis anos de governação em tempos de ‘vacas gordas’.

Regra geral, os habilidosos como Costa não se transformam em políticos reformistas. Nem ficam para a história.