Tudo parecia correr bem na vacinação. E corria. Um sistema de pré-marcação de dia e hora, confirmado pelo tomador da vacina, um local assignado por escolha do vacinando, uma chegada, um preenchimento de documento de não doenças (para a primeira e para a segunda toma, quando havia duas), uma admissão, uma espera (eventual), um guichet de vacinação, uma vacina, um recobro, um final de processo e, ainda a louvar, um layout simples e a pensar em fluxo.

O ritmo, com os centros de vacinação disponíveis, rondava as 100 mil inoculações por dia, ganhos dia-a-dia por uma curva acumulada de experiência feita no terreno. Estando a taxa de chegada, em média, abaixo da capacidade instalada de inoculação (taxa de serviço), também em média, com pré-marcação e sabendo os números-objetivo para um dado dia não havia como falhar. Os centros funcionavam.

Porém, é necessário mais. E percebe-se porquê. Temos mesmo de ir acima dos 100 mil inoculados por dia e temos de vacinar mais e mais, pois lutamos contra um aumento de casos.

Solução encontrada: colocar pré-marcados, sem marcação e estrangeiros a entrarem todos para os mesmos recursos partilhados. Leia-se: não cresceu a admissão, não cresceram o número de guichets e enfermeiros a vacinar, não cresceram cadeiras ou espaços. Mas cresceu o número de pessoas a vacinar num dia. Ou seja, mais pessoas para a mesma capacidade instalada.

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Pior que isto. Mais pessoas e pessoas sem marcação, o que gera, fruto dos momentos de aparição dessas pessoas, grandes bottlenecks (estrangulamentos). Primeiro à entrada. Depois, se se simplificar a entrada e se se prescindir do documento de doenças (segunda toma), o bottleneck passa para dentro do sistema, i.e., para os guichets de vacinação. No limite, faz-se até às possibilidades das pessoas e das doses para aquele dia. Mas o sistema não estica. Nem por imaginação. Juntar estes dois tipos de filas – sem marcação e estrangeiros – aos mesmos recursos só pode originar filas de espera em alguns momentos enormes, sobretudo para os pré-marcados, pois a expetativa dos demais deve mesmo ser a de esperar.

Se se pretendia fila fluida, esqueça-se. Se se pretendia capacidade instalada adequada às taxas de chegada, esqueça-se também. Se se pretendiam horários de funcionamento aceitáveis, esqueça-se igualmente. Se se pretendia que todos os guichets pudessem funcionar como pontos de vacinação, vão ver-se cadeiras separadas dos guichets a servir de guichets para continuar a vacinação. Onde acaba isto? Invariavelmente no número de enfermeiros presentes e no número de pessoas à entrada (admissão). A capacidade instalada dos centros de vacinação não chega para o que se pretende. Vamos penalizar as pessoas a vacinar em filas de horas e vamos penalizar as pessoas que lá estão a trabalhar em turnos mais extensos e horas extra.

Como resolver isto? Não podem existir recursos partilhados por várias filas de espera de natureza diferente (pré-marcados, estrangeiros, sem marcação) seja em que ponto seja (perde-se flexibilidade? Sim. Mas ganha-se foco e historial para as outras filas). Não podem direcionar-se pessoas de um centro de vacinação para outro, como está a acontecer, para aproveitar capacidade não utilizada de uns por outros (são movimentos espúrios que não importam ao sistema e apenas trazem entropia sem qualquer histórico, logo mais filas). Não podem arranjar-se ainda mais soluções criativas dentro dos centros de vacinação porque há limites óbvios de capacidade.

Resultado: os centros terão de se especializar. Se queremos passar de 100 mil para 140 mil inoculados por dia só pode haver uma solução. Novos centros segregados dos de pré-marcação. Pergunta-se: e os recursos? O SNS não tem mais. Mas terão de se arranjar novos, em pessoas e em locais. Talvez seja efetivamente a hora de chamar os privados a participar no processo (unidades de saúde e farmácias comunitárias). E acabar com a demagogia para atenuar este pico. Não o fazer é não aproveitar todos os soldados que podem pegar numa arma para tentar ganhar uma guerra.