A semana começou agitada: Ricardo Salgado começa hoje (segunda-feira) a ser julgado. Diretos nas rádios e televisões. Manchetes nos jornais. Tudo a postos para uma espécie de julgamento do século. Sócrates afinal ficou para depois. Carlos Santos Silva também. Armando Vara logo se vê. Ricardo Salgado era agora. Mas afinal não foi! E mesmo que fosse, o advogado avisou logo que o seu cliente não ia aparecer porque já está velhote.

Sou só eu, ou há mais quem tenha a sensação que só em Portugal é que os julgamentos são uma brincadeira sem consequências?

A mim já me aconteceu ter problemas sérios porque faltei a uma sessão num julgamento para o qual tinha sido convocada como testemunha. Mas devo ser eu que tenho azar. Ou então era porque ninguém me conhecia. Ou porque tinha pouco dinheiro na conta bancária.

Em todo o mundo, assistimos em poucos anos ao rebentar de escândalos na finança e na política e, pouco tempo depois, os culpados estão a ser julgados. Quando se provam os factos são condenados e vão para a prisão. Ainda que não seja muito edificante, vemos os culpados serem conduzidos pelas autoridades para cumprirem a pena que lhes foi destinada. Depois só os ouvimos falar ou por mensagens que enviam de dentro da prisão, ou quando acabam as penas e saem em liberdade.

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Portugal é o único país que conheço onde, diante de um escândalo, a primeira certeza que temos é que os culpados só responderão perante a justiça passados muitos e muitos anos. Se já tiverem passado dos 50, o mais provável é já não estarem cá quando o processo chegar ao fim.

A inércia é de tal forma que perdemos o fio à meada a casos que causaram escândalo público e levaram o país à ruína. BPN, BPP, Banif, Caso Monte Branco, Caso Marquês. Tudo histórias picantes que perderam o sabor com o passar do tempo. E os bons rapazes que as protagonizaram vão envelhecendo no conforto das suas casas, gozando agradáveis reformas.

Afinal o julgamento de Ricardo Salgado ficou adiado para a semana. E talvez passe para depois do verão, diz o juiz a olhar para a sua agenda. O advogado defende-se com naturalidade a dizer que não teve tempo para preparar a contestação. Não teve tempo? De quantos mais anos precisa? E, entretanto, vai avisando que mesmo que haja julgamento, Ricardo Salgado não vai aparecer porque já está quase a fazer 77 anos. Se for um causídico competente é só empatar mais uns aninhos e o homem livra-se desta para sempre.

Só em Portugal é que os réus são condenados e saem pela porta por onde entraram, acompanhados pelos seus advogados, falam mal da sentença aos jornalistas e regressam para as suas casas confortáveis. A sensação com que ficamos é que acima de um certo nível de rendimentos ninguém vai para a prisão mesmo quando é condenado.

Esta segunda-feira, quando ouvi as notícias, tive a premonição que daí a pouco tempo já se saberia que afinal não… ainda não é desta que Ricardo Salgado se senta no tribunal para ser julgado. E não é que adivinhei.