Pediram-me para escrever num momento em que ninguém sabe o que dizer. Pois bem, já todos viram a quantidade obscena de memes a respeito do Coronavírus. De tal forma que já os devem ter recebido em duplicado. O ser humano é profícuo na sua capacidade criativa. É essencial continuarmos a rir.

Por outro lado, já perceberam que raramente falavam com a malta lá de casa. E que não conheciam a matéria que os miúdos estavam a estudar na escola.

Entre o pânico e a incerteza dos próximos dias não sabem bem o que fazer? Nem vocês nem ninguém.

E esse é que é o ponto.

Dou aulas de estratégia. Até à semana passada dava muitas aulas de estratégia…

Uma vez, a professora do meu filho perguntou-me: em que é que consistem aulas de estratégia? Eu respondi – Ah! Avaliamos as fontes de rentabilidade e de criação de valor das empresas e das organizações. Depois em tom divertido acrescentei aquilo que digo nas aulas – Show me the Money…

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A nova escola de estratégia fala nas capacidades dinâmicas. Na realidade é uma forma pomposa de dizer que a teoria de Darwin se aplica às organizações. Por outras palavras, as empresas mais capazes de se adaptarem a choques ou mudanças exógenas (ou seja, no mundo/mercado) são aquelas que sobrevivem e têm sucesso.

Provavelmente terão lido ao longo destas semanas vários títulos de artigos que falam em cisnes negros (black swans). Este é um conceito que os professores de estratégia adoram. Um cisne negro é um acontecimento imprevisível que terá um impacto profundo na economia e na sociedade. Está tudo inspirado no facto dos europeus não saberem da existência dos cisnes negros até chegarem à austrália. (não é assim tão complexo…) O cisne negro clássico dos tempos modernos é o 11 de setembro.

Quando eu regressar às aulas (que eu espero ser em breve) o cisne negro será o novo Coronavírus – o COVID-19.

Ninguém esperava, veio e mudou tudo. E nunca mais nada será igual.

A minha narrativa terá de mudar. Nem sei muito bem que “histórias” irei contar a partir de 2020. As antigas parecem tão irrelevantes… Como é que a Lego deu a volta? Ninguém quer saber. Confrontados com este acontecimento entendemos a futilidade da avaliação de fontes de criação de valor nestes cenários. Hoje, o valor é outro.

Como conseguiremos aguentar a pressão física e emocional de uma quarentena continental? Espero vir a saber.

Ora, nestes dias em casa, o que tem valor? As pessoas que nos são queridas, o acesso a um sistema de saúde quando necessário, os profissionais que estão dispostos a arriscar a sua saúde e a dos seus familiares para manter as máquinas a funcionar. Os profissionais de saúde (pois claro), os profissionais da grande distribuição, da indústria agroalimentar, os profissionais da distribuição (obrigado ao rapaz da Glovo que me trouxe ontem pão a casa), os profissionais das padarias e da restauração e tantos mais. Estes são profissionais. Todos eles! Estes criam valor. A todos muito obrigada!

Se têm dúvidas, pensem que estas pessoas têm de regressar a casa todos os dias com a incerteza do que levam com eles. Enquanto que nós criamos e partilhamos memes e tomamos conta das nossas crianças.

Sou farmacêutica de formação, mas deixei a minha missão para fazer algo que considerava de maior valor. Hoje estou em casa em isolamento social. Lavo com muito frequência as mãos. Não se esqueçam que nunca é demais e usem sabão, muito sabão.

Quando o isolamento passar irei trabalhar na linha SNS24, na farmácia comunitária, na farmácia hospitalar, de forma voluntária. Onde me quiserem. Pois é aí que neste momento se cria valor!

Nota: Este não é um artigo é um desabafo.