No dia 16 de março, tudo mudou repentinamente; estranhos os primeiros dias. Forçados a um recolhimento obrigatório, confinados a um silêncio, dia após dia foi surgindo um tempo novo. Sentia-se a solidão e o peso dos dias, em que a noite e o dia se confluíam; em que o espaço privado e o espaço público se entrelaçavam. As casas passaram a ser um porto de abrigo forçado. As ruas, cinzentas, vazias de gente, povoaram-se de gatos, de gaivotas e de pássaros que paulatinamente recuperavam o seu espaço.

Dizem que a natureza recuperou o seu esplendor, tanto o vazio e a falta de gente. As escolas, esses espaços coloridos, imersos no sorriso e nas gargalhadas das crianças, silenciaram-se e as portas fecharam-se. Foi um tempo de silêncio. Foi um tempo sombrio.

Reabriram-se as escolas, retomamos uma nova normalidade; redobraram-se respostas, redobraram-se recursos. A escola, tal como a conhecemos hoje, já foi alvo de vários desafios. Acreditamos que este é só mais um que vai superar, desenvolvendo outras formas alternativas de ensino e de aprendizagem, novas estratégias pedagógicas adequadas a cada contexto e, sobretudo, novas formas de diálogos inclusivos e agregadores.

Educar é um ato relacional. Só a escola, tal como a conhecemos, garante a igualdade de oportunidades e a coesão social, mas garante, também, a todas e a cada uma das crianças, um relevante suporte de cuidados, de afetos, de provisão e de proteção.

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Esta pandemia acelerou desigualdades. Os mais vulneráveis ficaram mais expostos, mais desprotegidos, mais distantes, mais afastados da escola, muitas vezes o único suporte, a única rede de apoio. Parece-nos, que mais do que a recuperação das aprendizagens, é necessário recuperar a relação pedagógica. Há que manter e garantir uma rotina que permita às famílias e às crianças uma perceção de normalidade determinante para o seu bem-estar. Reatar um contacto com as famílias, contínuo e singular, experienciando abordagens digitais e não digitais para reforçar o fortalecimento destes laços.

Importa reinventar os tempos e os espaços onde as crianças possam brincar e exercer o ofício que está expressamente plasmado na declaração dos Direitos da Criança: “A criança deve ter plena oportunidade para brincar e para se dedicar a atividades recreativas, que devem ser orientadas para os mesmos objetivos da educação, seja efetivamente cumprido”. Há que repensar tempos e espaços onde se incentive a participação efetiva das crianças para que possam partilhar as suas questões face a tudo que estamos a viver. Redobrar a atenção dos mais vulneráveis que, movidos pelos medos e pelas incertezas, resistem no regresso à escola.

Este período de recolhimento e de isolamento social que vivemos criou, por um lado, uma influência negativa e efetiva na vida de todos e de cada um, mas também criou oportunidades para o desenvolvimento de intervenções concertadas para que o ano letivo iniciasse com a normalidade possível. Nunca o tradicional provérbio africano fez tanto sentido: “É preciso toda uma aldeia para educar uma criança”. Os órgãos de gestão redobraram-se para implementar as orientações produzidas pela tutela. Os municípios redobraram-se nos apoios às escolas, por forma a garantirem as melhores condições para o ensino e a aprendizagem em contexto de pandemia. Os professores reinventaram-se, demonstrando o seu profissionalismo e a sua capacidade de adaptação, desdobrando-se entre as aulas presenciais e a continuidade do investimento nos recursos tecnológicos, antecipando um possível novo encerramento das escolas. Organizaram-se a oferta das Atividades de Enriquecimento Curricular e outras atividades extracurriculares, que estimulam o desenvolvimento pessoal e social da criança, contribuindo para uma efetiva resposta às famílias. O pessoal não-docente desdobra-se em ações, de forma a garantir a higienização das instalações e dos materiais pedagógicos. Os pais/encarregados de educação apoiam as escolas nas mais variadas formas e confiam-lhes os seus maiores tesouros, reconhecendo-as como espaços seguros onde os seus filhos possam efetivamente aprender, crescer em segurança e, fundamentalmente, brincarem, divertirem-se e serem felizes.

Esta escola que vemos renascer é uma escola amiga das crianças, dos jovens e das famílias. É uma escola dinâmica e criativa. É uma escola construída na relação e na partilha de coisas boas e menos boas e está contida em momentos passados, nos instantes vividos e em tantas outras coisas que nos ajudaram e ajudam a dar-lhe sentido e significado. O momento que vivemos é não só um grande desafio para o sistema educativo, mas, também e principalmente, uma oportunidade para que este tempo seja de proximidade entre os vários elementos da comunidade educativa — porque todos queremos o melhor para as nossas crianças e jovens.

A vida é presente que temos de saborear plenamente. E é futuro, vamos continuar a acreditar.

Caderno de Apontamentos é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.