Hoje, 4 de fevereiro, assinala-se o Dia Mundial do Cancro. Há quem traduza o World Cancer Day por Dia Mundial da Luta contra o Cancro. Será, então, mais importante valorizar a luta contra o cancro do que a doença em si? Mas falar em “luta” implica vencedores e vencidos, ganhar e perder. Uma doente minha com cancro da mama, jovem, chamou-me a atenção para este assunto, para o quanto a entristece ler artigos e afins sobre cancro, sempre nas dicotomias que implicam as guerras. Para ela, dar-lhe essa conotação é um erro, quase uma agressão, porque, mesmo que a doença não se vá embora, não se quer sentir nem ver lembrada como vencida, como alguém que perdeu.

Esta perspetiva, vivida e contada na primeira pessoa, fez-me pensar de uma forma como não tinha pensado antes. Daí que, para mim, a tradução correta é Dia Mundial do Cancro. Assim, a 4 de fevereiro, em todo o mundo, chama-se a atenção para esta doença. É uma efeméride que, como explica a Liga Portuguesa Contra o Cancro, pretende capacitar a população para enfrentar um dos maiores desafios de saúde pública, consciencializando-a por meio de ações que promovem a educação e literacia nesta área. A cada ano este evento chega a mais pessoas e o seu impacto tem sido cada vez maior, com o objectivo de sensibilizar pessoas de todo o mundo a tomar medidas contra a doença.

A propósito deste Dia Mundial do Cancro, é importante falar sobre cancro da mama por ser uma patologia frequente que, de uma forma ou de outra, surge direta ou indiretamente na vida de quase toda a gente. É fundamental conhecer esta doença, saber o suficiente sobre ela porque daí podem resultar mais diagnósticos atempados, melhores sobrevivências ou até saber lidar melhor com a doença quando ela nos bate à porta.

O cancro da mama é o mais frequente na mulher, com cerca de 7000 novos casos diagnosticados por ano. Apesar de ser uma doença com taxas de sobrevivência elevadas e que têm vindo a aumentar ao longo dos anos, mantém-se a segunda causa de morte por cancro na mulher. Uma das estratégias mais importantes para diminuir a taxa de mortalidade por cancro da mama é conseguir que o diagnóstico seja precoce, isto é, quando as lesões malignas são ainda pequenas e sem envolvimento ganglionar regional, classificando a doença como estando em “estádio inicial”.

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Para que tal aconteça, é fundamental que a mulher desde a idade jovem – e sem idade limite – esteja atenta a alguma modificação que note à inspeção ou palpação mamária, motivo que deve levá-la a procurar de imediato o seu médico. Nos dias de hoje ainda me chegam senhoras – e falo sempre no feminino porque apenas 1% dos casos de cancro da mama são no homem – com tumores grandes, visíveis, mas por medo ou por nem quererem acreditar que fosse algo menos bom, optaram por não procurar ajuda.

Nós, médicos, não fazemos nunca qualquer juízo de valor, estamos lá para acolher e ajudar sempre, aceitamos as decisões que cada doente toma, como não podia deixar de ser. Mas sentimo-nos tristes porque sabemos que algo que tinha potencial de cura antes, pode naquele momento já não ter.

Mulheres e companheiros/as de mulheres que leem este artigo, procurem ou incentivem as vossas companheiras a procurar um médico em quem confiem quando acharem que alguma coisa não está bem. Outro fator de grande relevância para o diagnóstico de cancro da mama precoce é o Programa de Rastreio Nacional, felizmente já realizado em todo o país, em que as mulheres (neste caso dos 50 aos 69 anos) devem ser encorajadas a participar. Acreditem, estas duas medidas podem salvar vidas!

E será que se pode evitar ter cancro da mama? Conhecem-se fatores de risco para esta doença, ou seja, fatores que podem aumentar a probabilidade de a vir desenvolver ao longo da vida. De qualquer forma, ter um ou mais destes fatores de risco não significa vir a ter cancro da mama, por isso muitas mulheres  com factores de risco nunca são diagnosticadas com esta doença. Por outro lado, há diagnósticos de cancro da mama, provavelmente a maioria, em doentes sem qualquer factor de risco conhecido. Podemos dividir os fatores de risco em dois grandes grupos, os não modificáveis e os modificáveis.

No primeiro grupo, os que não conseguimos mudar ou controlar, estão o ser mulher, a idade – uma vez que o risco de cancro da mama aumenta com a idade, sendo a maior incidência entre os 50 e 60 anos – e já ter tido um cancro da mama. Ainda dentro do grupo de factores não modificáveis, temos a história familiar de cancro da mama ou ovário – e familiares de primeiro grau com estes tipos de cancros aumenta a probabilidade de desenvolver a doença, sobretudo se em idade jovem – mas também mutações em determinados genes, mais frequentemente no BRCA1 e BRCA2, que aumentam de forma significativa a probabilidade de cancro da mama, mas são responsáveis apenas por aproximadamente 5% a 10% de todos estes cancros.

É importante enfatizar que as questões relacionadas com o que chamamos de risco pessoal ou familiar são muito pertinentes e causam grande ansiedade, sendo fundamental serem abordadas com uma equipa especializada dedicada a este assunto, numa consulta de risco oncológico, de forma a enquadrar o risco de cada pessoa para decidir, por exemplo, a necessidade de estudo genético. Com isto quero dizer que não se deve fazer um estudo genético só porque se tem medo de alguma alteração. Muitas doentes na minha consulta abordam este tema, às vezes até no sentido de serem as suas filhas a fazer o estudo genético. Importa esclarecer que o estudo genético só deve ser pedido por um médico especializado e formado para tal, quando há critérios. Se existirem critérios, o teste é realizado à doente e apenas se o resultado indicar mutações com significado é que se considera fazer também aos familiares diretos.

Há também os fatores de risco que podemos tentar eliminar ou atenuar, os modificáveis. Nestes podemos ter algum controlo e fazer a diferença, com a mudança de hábitos e estilos de vida. Um dos exemplos mais importantes é a obesidade – mulheres com Índice de Massa Corporal (IMC) superior a 33 kg/m2 apresentam cerca de 25% de maior risco de cancro da mama do que as mulheres com IMC a indicar um peso normal, pelo que é muito relevante uma dieta equilibrada de forma a conseguir manter o peso dentro de valores normais. O exercício físico regular diminui o risco de cancro da mama, independentemente do efeito sobre a diminuição do peso, o que faz com que todas as mulheres devam ser aconselhadas a praticar atividade física – 45 minutos diários pelo menos 5 vezes por semana – mesmo que tenham IMC normal. O consumo excessivo de álcool e o tabagismo devem ser desencorajados porque agravam o risco. Não é consensualmente aceite que o uso da pílula implique maior risco de cancro da mama e, a acontecer, julga-se que esse risco deixa de existir após a sua suspensão.

Ser diagnosticada com cancro da mama pode acontecer um dia. Nesse momento, é muito importante ter a certeza de que está a ser orientada por uma equipa multidisciplinar dedicada ao cancro da mama. Como falado acima, esta doença tem sobrevivências elevadas, sendo na maioria dos casos potencialmente curável, mas a sua abordagem inicial, a orientação do tratamento em função do tipo de cancro – já que o da mama é uma doença muito heterogénea – e a integração de outros factores relacionados com a doença e a doente, são fundamentais para o sucesso. Se tiver dúvidas sobre o que lhe está a acontecer, sobre os tratamentos, coloque-as sem receios, procure ficar totalmente esclarecida, informada e confortável, para depois poder tomar, em conjunto com a equipa, a melhor decisão.