Há uma década, ninguém poderia prever o nível de conflito e de alienação que os americanos viveram na eleição presidencial de 2016. Esse estado de coisas perdura até hoje. As redes sociais são terreno fértil para novas queixas e querelas que surgem constantemente, sendo muitas delas, posteriormente, validadas nos órgãos de comunicação social tradicionais, ganhando maior escala e dimensão. As Guerras Culturais, descritas em 1991 pelo sociólogo James Davison Hunter, alastraram até se tornarem o que por vezes parece ser uma guerra generalizada de todos contra todos, em que cada um sente estar a ser, pessoalmente, atacado.

Entre aqueles que muitas vezes já não se sentem em casa na sociedade americana encontram-se os homens e mulheres para os quais as convicções religiosas vão “até ao seu âmago”, e constituem o fundamento das suas decisões de vida, dos seus juízos morais, da sua ação coletiva e do modo como criam os filhos. O sentimento das comunidades construídas em torno de crenças religiosas de que convicções como as identificadas estão a ser atacadas não é um fenómeno recente na América. E as escolas públicas têm muitas vezes sido o foco das suas queixas. Ao longo dos últimos 200 anos, não houve praticamente nenhuma época em que um ou outro grupo religioso não tenha resistido à mundividência dominante – ou incoerência moral – promovida pelo sistema de ensino público.

Embora estas queixas tenham por vezes sido exageradas, elas são a consequência inevitável da existência de um monopólio – secular ou religioso – na formação dos jovens. Os sistemas governamentais de educação popular, em particular, são sempre um instrumento tentador de exercício de um poder anónimo, impessoal e desumano, que falsifica a natureza da verdadeira educação. Um monopólio desta natureza é profundamente antidemocrático.

A escola pública, louvada como o cadinho da cidadania democrática, não consegue continuar a funcionar como quando era a expressão de uma comunidade local coerente. Tornou-se um centro comercial de mensagens competitivas e até antagónicas sem substrato moral, onde se desaprova quem afirme convicções sobre a natureza e exigências de uma vida humana rica – exceto se essas convicções forem do máximo consumo.

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As escolas públicas americanas anteriores aos anos 50 eram genericamente protestantes. Não nos devemos enganar em pensar que retirar as bíblias das escolas e pôr fim às orações as tornou religiosamente neutras. Uma ortodoxia secularista ocupou o espaço da religião, insistindo que as convicções religiosas são matéria estritamente individual e eliminando do currículo o papel da fé na história e na sociedade. Não foi só a religião que foi corrida da sala de aula da escola pública; com ela também foram corridas a virtude cívica e a noção de pertença nacional na medida em que coartam a capacidade dos alunos de se tornarem cidadãos do mundo autónomos.

Uma teoria educativa – “ideologia” não seria uma palavra desadequada – tomou o lugar do ensino dos pilares do projeto Americano e das virtudes exigidas pela cidadania. A ortodoxia dominante que as escolas públicas de hoje parecem querer ensinar não é uma forma de virtude cívica mas um conjunto de chavões sobre tolerância e relativismo. A falta de respeito por convicções fundamentais, insistindo que estas são meras ilusões ou questões semânticas, enquanto se promove “preferências” superficiais como se este bricolage pudesse sustentar alguma autenticidade humana, criou uma pressão tremenda no sentido da uniformidade das opiniões sob o brilho aparente de “estar na sua”. Este processo é paralelo à tendência de redefinir o direito fundamental da liberdade religiosa – a primeira liberdade garantida pela primeira Carta dos Direitos Fundamentais Americana de 1789 – à mera “liberdade de culto”, como se nenhum outro aspeto da vida humana fosse uma esfera protegida para a expressão de convicções religiosas.

Porém, nem tudo está perdido. Apesar da hegemonia cultural de um secularismo intolerante, existem os elementos sociais necessários para construir instituições e comunidades alternativas vigorosas. O desafio está em apoiar este pluralismo de convicções por uma questão de princípio.

Neste ponto é útil recorrer ao exemplo da Holanda. Durante várias décadas do século XIX, a sociedade Holandesa foi corroída por conflitos quanto às escolas; pela resistência Protestante e Católica aos esforços das elites liberais de impor um conjunto de crenças comuns através das escolas geridas pelas autoridades locais. A solução que pacificou definitivamente estes conflitos foi a adoção de um pluralismo de princípios na educação (e em outros sectores da vida social e cultural) que permitiu aos educadores oferecer educação segundo a sua própria mundivisão e deu aos pais o direito de escolher entre essas escolas sem constrangimentos financeiros. Hoje, cerca de 70% das crianças holandesas frequentam escolas que não são geridas pelo governo, os resultados escolares são bons e a educação não é um ponto de conflito político.

Podemos ver algo semelhante a emergir nos Estados Unidos, embora sem a coerência que foi usada na situação holandesa por Abraham Kuyper e outros estadistas com pensamento teológico sofisticado. A disponibilidade dos legisladores em muitos Estados para adotar vouchers, benefícios fiscais e outros instrumentos de apoio à escolha de escolas religiosas pelas famílias é, em larga medida, uma reação à exigência de minorias religiosas a terem alternativas educativas que correspondam às suas convicções quanto aos requisitos para uma vida plena.

Políticas públicas que apoiem um pluralismo de princípios em educação não só reduzem significativamente o conflito político e cultural tão evidente atualmente, como permitem às escolas serem mais eficazes no desenvolvimento de carácter e cidadania. Níveis mais elevados de confiança resultantes de os pais terem escolhido a escola e de os professores partilharem explicitamente os valores da escola também podem ter um efeito mensurável no desempenho académico. Em Chicago, por exemplo, “escolas que reportam níveis elevados de confiança (…) têm três vezes mais hipóteses de melhorar o desempenho dos alunos em leitura e matemática do que escolas com níveis de confiança fracos”.

Os adversários da autonomia das escolas financiadas pelo Estado e, nalguns casos, da possibilidade de terem inspiração religiosa, argumentam que o efeito destas medidas seria uma segregação escolar. Este argumento é usado há cerca de 200 anos, embora seja constantemente provado errado pelos factos. A eliminação de uma fonte de conflito social e cultural tem tido o efeito contrário, permitindo aos cidadãos focar a sua cooperação em esferas da vida coletiva em que a suas convicções religiosas não estão em causa. Outras nações com níveis elevados de escolarização dão apoio público a escolas de inspiração religiosa sem que haja dano evidente ao seu tecido social e com muito menos conflitos em relação à educação do que o que sucede nos Estados Unidos. Seguramente é tempo de uma “pacificação” Americana através da adoção do pluralismo de princípios como estrutura fundamental do nosso sistema educativo.

Professor emérito da Universidade de Boston
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.