1 É difícil olhar para a campanha eleitoral do PS sem nos lembrarmos das legislativas de 2015. Há pouco mais de sete anos, António Costa também era o grande favorito nas eleições que ocorreram no início de outubro a— os socialistas chegaram a ter sondagens davam quase 38% das intenções de voto e já discutiam a hipótese de alcançar a maioria absoluta. Mas uma campanha desastrosa de Costa deitou tudo a perder: 32,31% dos votos e 86 deputados foi o resultado final do PS, mesmo após quatro anos duros de austeridade do PSD/CDS.

Em 2022 parece que a história se repete. Olhando apenas para a tracking poll da CNN Portugal, o PS já perdeu quase seis pontos (teve 40,1% das intenções de voto e agora está nos 34,1%) e o PSD de Rui Rio já subiu cinco pontos para conseguir uma situação de empate técnico. Pior: os indicadores qualitativos da amostra da CNN Portugal reforçam a tendência de crescimento de Rio e a queda de Costa.

Há quatro erros estratégicos de António Costa que explicam essa queda:

  • António Costa só tem um plano: a maioria absoluta. Empenhou-se, e bem, na vitimização perante o chumbo do Orçamento de Estado para 2022 para castigar o PCP/PEV e do Bloco de Esquerda — tarefa em que deverá ser bem sucedido. O problema é que se isolou numa ilha política, decretando a morte da geringonça e ainda se recusa a dialogar com o PSD de Rui Rio — que, nesse campo, tem estado irrepreensível. Costa apenas aceita negociar uma aliança com o PAN e o Livre — que deverão ter, no máximo, entre dois a três deputados. Ao contrário de 2015, Costa não tem qualquer plano B, pela simples razão que o eleitorado não acredita que tenha força para governar à Guterres.
  • A demissão anunciada. No caso de derrota, Costa disse logo que se demitia. Não é só a questão de tal ser um convite ao voto em Rui Rio por parte do eleitorado que quer a mudança, como Paulo Portas disse ontem na TVI. É a admissão de que o PS não terá qualquer força política (nem uma liderança legitimada) para impedir o centro-direita de governar.
  • A péssima campanha. António Costa esteve bem nos debates televisivos, nomeadamente contra o PCP e o Bloco de Esquerda. Perdeu contra Rui Rio, como já tinha perdido contra Passos Coelho em 2015 e contra o mesmo Rio em 2019, mas isso nunca o impediu de dar a volta. A grande questão, contudo, é que o PS está a fazer uma péssima campanha. Não só o trabalho da máquina socialista contrasta com o profissionalismo das arruadas do PSD que ajudam a construir uma perceção de mudança e de vitória, como o próprio Rui Rio tem sido muito mais eficiente em passar a sua mensagem com uma postura leve (e muito menos crispada) do que Costa. Prova disso mesmo foi a resposta que Rio deu sobre a enésima tentativa de Costa de virar o bico ao prego e culpar Passos Coelho sobre a vinda da troika — o que demonstra algum desespero do PS. Nem vale a pena falar no episódio do nazizinho de Rosa Mota que Costa não cortou pela raiz, optando pela sua clássica pose maquiavélica.
  • A desvalorização dos efeitos da pandemia. Os eleitores estão cansados, muito cansados da pandemia que já dura há quase dois anos. E isso faz com que também exista cansaço do Governo, logo o eleitorado pode sentir a necessidade de mudar. António Costa desvalorizou totalmente essa hipótese.

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O pior de tudo é que há uma total ausência de futuro no projeto político do PS. O Orçamento de Estado para 2022, que foi chumbado, é a única coisa que Costa mostra aos eleitores. Curto, muito curto, para merecer a renovação do mandato.

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Pode-se dizer sem correr o risco de faltar à verdade que António Costa cumpriu aquele velho provérbio popular: “na cama que farás, nela te deitarás”. Em verdadeira coerência com o voluntarismo que demonstrou ao aliar-se às forças mais conservadoras da política portuguesa, Costa ganhou horror ao conceito de reformas. Tal como o PCP e o Bloco de Esquerda, o PS nada quer mudar.

Estamos a ser ultrapassados por todos os países de leste europeu que entraram há muito menos tempo para a União Europeia? Está tudo bem porque o PS já reverteu os cortes da troika.

Temos um sistema de fiscal que, além de complexo e com poucas ou nenhumas garantias de defesa, captura a riqueza produzida pelas famílias e pelas empresas? Não tem mal porque (sem contar com as paridades de poder de compra) estamos abaixo da média europeia, logo ainda podemos carregar mais nos impostos.

O Estado Social que oferecermos à classe média que entrega ao Estado entre 35% a 50% dos seus rendimentos (via retenção na fonte para o IRS + contribuições para a Segurança Social) não tem uma qualidade proporcional aos impostos que se pagam? A classe média é, assim, obrigada a pagar um seguro de saúde e a colocar os filhos no ensino particular? Se pagam o público (do qual não beneficiam) e o privado (o qual são obrigados a pagar), é porque têm poder de compra para isso.

O salário médio está completamente estagnado porque a economia não tem reformas que permitam aumentar a produtividade e a competitividade das empresas e está quase a ser igualado pelo SMN? O PS promete aumentar o salário médio sem dizer como.

3 Nada disto garante, contudo, que a vitória do PSD de Rui Rio seja certa. Não há dúvida: vamos ter umas legislativas disputadas taco a taco, como há muito não se via em Portugal. E não haverá maiorias absolutas de um só partido.

Por isso mesmo, há uma grande novidade no atual contexto que se julgava impossível até há bem pouco tempo: o PSD, CDS e a Iniciativa Liberal (IL) têm hipóteses de ter mais deputados do que a defunta geringonça do PS, PCP/PEV e do Bloco de Esquerda + o Livre e o PAN.

Para que tal hipótese tenha pernas para andar, é fundamental que Rui Rio ganhe as eleições ou, em caso de vitória do PS, o bloco PSD/CDS/IL tenham à mesma mais deputados do que a esquerda em bloco.

Será precisamente a hipótese de o PSD, CDS e Iniciativa Liberal terem essa maioria (e não, não me estou a esquecer do Chega) que pode marcar a última semana da campanha. Por duas razões:

  • porque António Costa tem de dizer o que fará o PS, caso o centro-direita tenha mais deputados. Vai aliar-se ao Chega para derrubar o Governo? Se o fizer, prova precisamente que votar no Chega é a mesma coisa que votar no PS.
  • O próprio André Ventura prefere impedir que o centro-direita chegue ao poder em nome de um projeto pessoal de poder? Se o fizer, arrisca a transformar o Chega no novo PRD do séc. XXI.

4 Na realidade, o que estará em causa nas eleições do próximo domingo é simples de explicar numa frase: os portugueses vão optar pela continuidade do projeto do PS de António Costa ou vão preferir uma mudança para uma maioria do centro-direita liderada pelo PSD/CDS/IL?

Devo dizer que a mudança para uma maioria liderada por Rui Rio nunca será propriamente profunda. Haverá uma mudança de rumo nas políticas económicas (aposta na criação de riqueza e nas exportações, em vez da redistribuição e do consumo), haverá mais eficiência mas o país não passará por nenhuma transformação radical.

Aliás, Rio tem sido muito hábil em não se comprometer com demasiadas metas, sendo que as poucas que declara no seu programa eleitoral são claramente reversíveis se o contexto económico (leia-se subida da inflação, logo dos juros) assim ditar. Na prática, o líder do PSD está a pedir de forma genuína e honesta uma espécie de cheque em branco dos eleitores.

Tudo isto são cenários. Não só estas eleições vão ser discutidas até ao último voto, com têm uma grande dose de imprevisibilidade. Memorize este número adiantado por Luís Marques Mendes na SIC: deveremos ter uma milhão de eleitores isolados no próximo domingo. Ou seja, uma boa parte de 10% do eleitores poderá não ir votar, contribuindo assim para uma abstenção recorde — cujas consequências não conseguem ser antecipadas por nenhuma sondagem.

Daí a minha conclusão: estas eleições vão ser uma autêntica lotaria, com todos os cenários em aberto.

Mais uma razão para votarmos e exercermos o direito cívico de escolhermos os nossos representantes — sejam eles de que partido forem. É assim que a democracia se cumpre.