Agora eu já sei – Da onda que se ergueu no mar – E das estrelas que esquecemos de contar – O amor se deixa surpreender – Enquanto a noite vem nos envolver (Wave, João Gilberto)

Estamos os três, tu, a tua mãe e eu, dentro de um carro a caminho de uma colina, debaixo de uma noite escura sem luar. Enquanto conduzo, tu falas, perguntas, e eu e ela olhamos de vez em quando um para o outro, há perguntas que não têm resposta, não sabes isso mas um dia sabê-lo-ás; confesso, de qualquer maneira, que estou mais atento à estrada, havia uma saída algures por aqui, aqui está: uma estrada de terra, um carreiro que sobe e para onde viro e por onde vamos para começarmos aos saltos. Tu ris-te, que eu só quero é não rebentar um pneu, um pneu rebentado numa noite de Verão no Barlavento Algarvio é que não, por favor. Abro a janela e uma brisa fresca sopra de norte, entra dentro do automóvel e relaxa-nos. Ouvimos-te respirar fundo.

Subimos. Também abres a janela e pões a cabeça de fora. Devido à nortada cheira a campo, à erva seca do campo, ao mesmo tempo que o carro abana, parece um barco no mar só que em terra. Continuamos devagar, ligeiramente inclinados para cima,
ligeiramente inclinados ora para um lado ora para o outro, até que lá perguntas pela enésima vez se já chegámos. Apetece-me responder-te que sim, parar ali e sairmos e vermos o que te queremos mostrar, mas se é para fazer que se faça até ao fim, que quem vai tão longe não desiste tão perto. Subimos.

O caminho de pedras entre as ervas faz uma ligeira curva, de forma que agora vislumbramos o mar ao fundo. É escuro. Não se vê, mas sente-se bem a sua presença: um escuro vasto e aberto que tranquiliza e inquieta. Falta pouco, muito pouco, mais um
solavanco e agora mais outro, pronto, paramos aqui, travão-de-mão puxado por causa das coisas que o diabo tece, seguido de um ‘Já chegámos?’; ao mesmo tempo que desligo o motor e as luzes do carro. Podes sair, mas já saíste, abriste a porta e saíste; saímos os três.

Damos passos no escuro, ‘por que é que desligaste as luzes?’, dou a volta ao carro e vejo-te com ar de quem não sabe o que o espera, ‘era uma surpresa, lembras-te?’ Aproximo-me de ti, baixo-me à altura dos teus sete anos, olho-te para te ver como és antes de saberes o que muda a nossa percepção da vida e levanto-te o queixo. Lentamente ergues a cabeça e olhas para cima, e então vês, vejo que viste porque abriste muito os olhos: são milhares, centenas de milhares, milhões de milhões de estrelas, um mundo que não é nosso mas para onde podemos olhar para esquecermos a dimensão do ‘eu’; dos nossos problemas e das nossas genialidades. Vemos-te, como que assombrado e pasmado, quieto, e reparo então que enquanto olhas as estrelas nós não tiramos os olhos de ti.

* André Abrantes Amaral é advogado

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