Nas eleições deste Domingo, André Ventura ficou à frente dos partidos à esquerda do PS nos seus principais bastiões: Beja, Évora, Portalegre e Setúbal.

Na ausência de uma candidatura forte no centro-esquerda (com a candidatura de Ana Gomes a ter menos cerca de 500 mil votos a nível nacional do que a de Sampaio da Nóvoa em 2016), e, em consequência, com a esquerda desprovida de um candidato forte e que pudesse agregar em si o “voto útil”, o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda, ao invés de crescerem para ocupar um espaço que parecia livre, perderam nestas eleições, e apenas em Portalegre, Beja, Évora e Setúbal, um total de 53.022 votos (4.292 votos em Portalegre, 6.259 em Beja, 7.405 em Évora e 35.066 em Setúbal).

André Ventura, por seu turno, obteve 7.908 votos em Portalegre, 8.490 votos em Beja, 9.720 votos em Évora, e 43.730 votos em Setúbal.

Apesar desta derrocada de votos dos partidos à esquerda do PS naqueles que, outrora, pareciam ser os seus grandes baluartes (os subúrbios da margem sul do Tejo e o Alentejo), a transferência de votos não ocorreu para outros partidos de esquerda, nem sequer para a abstenção, mas sim para a “extrema-direita” de André Ventura.

Estes resultados representam, mais do que uma queda acelerada dos partidos à esquerda do PS, a confirmação de um facto que há muito se adivinhava: André Ventura não foi buscar apenas votos àqueles que, até aqui, não votavam; tampouco foi buscar votos aos partidos da direita tradicional, como um CDS moribundo (que, por referência às últimas legislativas, teve 1.961 votos em Portalegre, 1.480 votos em Beja, 2.535 votos em Évora, e 11.703 votos em Setúbal, muito abaixo do resultado agora obtido pelo candidato apoiado pelo Chega). André Ventura foi, sim, buscar votos aos partidos de esquerda (que até 2015 se dizia estarem “fora do arco da governação”), partidos que o Chega substituiu enquanto “partidos anti-sistema”.

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A diminuição de votos dos partidos à esquerda do PS (e a consequente transferência de votos para André Ventura) não se devem, apenas, aos efeitos da geringonça ou ao voto contra o Orçamento do Estado (no caso do Bloco de Esquerda).

Por cá, como lá fora, estes resultados são expressão da capacidade que os populistas de direita tiveram de penetrar naquele eleitorado rural e suburbano, que votava tradicionalmente à esquerda.

Essa penetração – pouco surpreendente – é, entre outras causas, reflexo de uma mudança de atitude dos partidos de esquerda que, nos últimos anos, presos quase exclusivamente a políticas identitárias (cuja validade e importância não estão em causa), esqueceu aqueles que durante anos lhes confiaram o seu voto. A esquerda das “agendas” (que ninguém sabe bem o que significam, como bem notou Sérgio Sousa Pinto) parece ter esquecido que o privilégio e a discriminação são ainda, sobretudo, socioeconómicos. A esquerda optou, conscientemente ou não, por esquecer aquela franja de Portugueses que se levantam às seis da manhã, apanham três ou quatro transportes sobrelotados, trabalham das nove às seis, almoçam uma sandes à secretária, apanham mais três transportes sobrelotados, chegam a casa às oito, e tudo em troca de um ordenado exíguo que não estica até ao fim do mês.

Esta população suburbana, tal como a população de zonas rurais, arredada dos centros de decisão, com um elevador social inexistente, composta por pessoas sem uma voz que alguém queira ouvir, fartas de serem sistematicamente desconsideradas, que viram em Ventura alguém que “pensa como elas”, “fala como elas” e “se comporta como elas”, é imune aos gritos de «fascista!» daqueles que durante anos a deixaram de parte.

Tal como entre a eleição de Barack Obama e a eleição de Donald Trump os Estados Unidos da América não passaram de país democrático a país fascista, estes Portugueses não passaram de descontentes eleitores de esquerda a fascistas. Estes Portugueses, permanecendo descontentes, esquecidos durante anos por sucessivos governos centrados apenas nas grandes cidades, sentem-se, agora também, esquecidos pela esquerda.

André Ventura não é um produto da direita. André Ventura é um produto da esquerda.