Não percebo o motivo para espanto. À-priori qualquer socialista é uma vítima. Trata-se dum condicionalismo inato. Assim, esta insuficiência congénita deve originar maior compaixão para com eles. Sejam, por isso, mais compreensivos. Contudo, nem todos são vistos como vítimas. Hoje, perante os actuais cânones socialistas, Mário Soares, que teve o discernimento de implementar políticas de austeridade quando a situação do país o exigia, é um traidor. Outros tempos. Mas deixemos os passado remoto e olhemos para o tempo contemporâneo.

Olhem para José Sócrates. O coitado já nasceu vítima. Foi vítima na JSD e igualmente depois já no PS enquanto presidente da concelhia da Covilhã e da federação distrital socialista de Castelo Branco. Creio que não será uma surpresa para ninguém que o seu percurso académico possa ser caracterizado como uma via sacra, embora integralmente terrena, na qual as tormentas atingem o zénite da vitimização. Neste contexto, Sócrates alcança um nível de vítima divinal. E não, não é um paradoxo. Como deputado, secretário de estado-adjunto do Ministério do Ambiente, ministro-adjunto do primeiro-ministro, ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território e primeiro-ministro, José Sócrates, ele que nada fez para ocupar estes lugares (nem os desejava, foi obrigado aceitar os mesmos) foi sempre uma vítima.

Uma referência especial deve ser feita a esta pequeníssima circunstância. Sócrates foi eleito como deputado em 1987. A lei impedia que continuasse a exercer funções como engenheiro técnico, contudo, para uma vítima, o que é a lei senão um suplício? Não é de admirar que a Câmara Municipal da Guarda tenha avisado o coitado quanto à má qualidade e à falta de acompanhamento técnico aos seus projectos. Mas não consta que tenha havido punição. Talvez porque a condição de ser vítima já fosse um castigo por si só. Talvez?

Não estranhamente Sócrates também foi vítima nos casos da Cova da Beira, do Freeport e enquanto sócio de Armando Vara (outra vítima). E, claro, também não é culpado de nenhuma das acusações formalizadas contra ele – 3 crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, 16 de branqueamento de capitais, 9 de falsificação de documentos e 3 de fraude fiscal qualificada. Não. Ele é uma vítima. Será que as vítimas necessitam de justificar 24 milhões de euros? No meio disto tudo, há algo que ainda não percebi. O cofre tinha escudos ou euros?

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Mais recentemente temos António Costa. Haverá maior vítima do que ele? Foi obrigado a correr com António José Seguro depois deste ter ganho eleições. Era poucochinho, dizia o exército que empurrava a vítima Costa. Na altura, a relutância foi visível. Mas as primárias socialistas indicaram o que viria a seguir. António Costa, que tinha previsto gastar 163 mil euros, afinal gastou 428.297 euros na campanha interna do PS. Também aqui é uma vítima pois, como o próprio reconheceu, nunca conseguiu poupar.

Vieram as derrotas e com elas o poder. Legítimo diga-se. E à condição de vítima, Costa aliou a de refém. Absurdamente, não creio que o tenha importunado muito o enorme sacrífico que fez em assinar acordos com aqueles que clamam e bradam pelas “vítimas da fome” e pelos “famélicos da terra”. A geringonça implicou mais gastos, algo que os socialistas adoram. E se há coisa em que nunca são austeros é nos impostos. Assim, “acabou” a austeridade e apareceram as cativações, eufemismo para enganar os portugueses.

Os socialistas, que sempre conseguiram com que Portugal escapasse à riqueza, pensaram que também conseguiriam evitar o COVID. Mas assim não aconteceu e António Costa passou a ser vítima de algo mais. O partido, as derrotas nas eleições, o poder, Passos Coelho, as cativações, o COVID, o confinamento indesejado, o mau planeamento, a falta de stocks, os milagres dissimulados, a tibieza governativa, o diz que não disse o que disse, a incompetência dos seus ministros, a estirpe inglesa que era conhecida em dezembro e que passa a desconhecida em janeiro, a existência de um sector privado da saúde, a irresponsabilidade dos portugueses no Natal, as mentiras, etc. Que longa lista de vitimização. Apesar de ter sido sempre por vontade própria, António Costa está sempre no lugar errado à altura errada. Teria sido melhor ter sido Primeiro-ministro antes da Troika. Mas não teria sido a mesma coisa. E há sempre mais Troikas ao virar da esquina. É uma questão de tempo.

Mas houve sempre uma réstia de esperança. Os amigos. Sócrates tinha Carlos Santos Silva. Costa tem, entre outros, Diogo Lacerda Machado. Por falar em amizade, quem é o amigo de Pedro Nuno Santos?

Seja como for, só o tempo é que fará a definitiva comparação entre os mártires Sócrates e Costa, mas é muito provável que nas lápides da história seja lavrado o seguinte: “Vítimas. Por serem socialistas. Coitados”.

Todavia, quem realmente viveu na tumba fomos e somos nós!

Membro da Comissão Executiva da Iniciativa Liberal.