Para se perceber bem o grau do nosso atraso, basta vermos que, enquanto não nos decidimos sobre o melhor sítio para pousar aviões na Grande Lisboa, a NASA já está a aterrar naves em asteróides. Quer dizer, não é bem aterrar em, é mais espatifar contra. Mesmo assim, a verdade é que conseguiram escolher um sítio, marimbaram-se no facto de ser ou não perto de Lisboa (não é, fica ainda mais longe que Beja, a 11 mil km daqui) e lançaram uma sonda para esbarrar contra Dimorphos, uma lua que orbita o asteróide Didymos. O objectivo é perceber se este tipo de acrobacia poderá ser um dia usado para afastar um calhau gigante que se dirija para a Terra com más intenções. Desta não se lembraram os dinossauros.

Felizmente para a humanidade, a NASA não é portuguesa. Se fosse, ainda hoje estariam a efectuar estudos para seleccionar um dos milhares de asteróides que andam às voltas no Sistema Solar. E, quando finalmente se optasse por um, ia-se descobrir, com escândalo, que os asteróides à volta tinham sido comprados por amigos do partido no poder.

Por outro lado, enquanto portugueses, não temos de nos preocupar com a possibilidade de um dia cair cá um meteorito. Sabe-se que a maior parte desses corpos celestes são constituídos por ouro ou outros metais valiosos e, com a carga fiscal da nossa economia, Portugal não tem capacidade para atrair este tipo de fortuna estrangeira. Se um asteróide cair em algum sítio da Europa de certeza que é nos países de Leste, onde vai ser melhor aproveitado.

Em meados do século passado, nas ilhas do Pacífico Sul, antropólogos identificaram um fenómeno a que chamaram “culto da carga”. Durante a IIª Guerra Mundial, os exércitos japonês e americano usaram essas ilhas como bases. Os nativos habituaram-se a ver chegar aviões cheios de mantimentos, alguns dos quais acabavam por lhes ir parar às mãos. Com o fim da guerra, os soldados partiram e os aviões deixaram de vir. Para os trazer de volta, os indígenas desmataram pedaços de selva para construir pistas de aterragem, ergueram torres de controlo em bambu e envergaram auscultadores feitos com cocos. Depois de terem os aeroportos fajutos, passaram a imitar os gestos que viam os militares fazer. Acreditavam que a repetição desses rituais convocaria os aviões e a sua carga.

Felizmente, não somos ingénuos como esses selvagens. Também queremos imitar os povos civilizados, para chamar a nós a sua prosperidade, mas sabemos que esse tipo de superstição só faz sentido se também imitarmos o moderno processo de decisão baseado em análise cuidada e racional. Os polinésios construíam aeroportos de fancaria, nós estamos num patamar superior e temos estudos de fancaria. Não é bem o culto da carga, é o culto do descargo, porque é uma forma de nos desresponsabilizarmos. Outro que leia os estudos e que tome a decisão de pedir mais estudos interpretativos.

O problema, quer-me parecer, é o excesso de hipóteses. Nos últimos 50 anos já ponderámos Rio Frio, a Ota, o Poceirão, Alcochete, o Montijo, Alverca, Trafaria, Montemor, Santarém ou Beja. Cada localização tem os seus encantos, é difícil excluí-la da lista e isso torna a escolha muito mais angustiante. Daí recomendar a técnica utilizada pelos portugueses sempre que se vêem obrigados a efectuar escolhas drásticas, normalmente em restaurantes com óptimas sobremesas: optar por um pijaminha. Para quê abdicar do sericaia, das farófias ou do bolo de bolacha, se podemos papar um bocadinho de cada? Preconizo então o free shop em Alcochete, a recolha de bagagens no Montijo, o balcão do check in em Santarém e o controlo de passaportes no Poceirão. Como vêem, não é preciso consultar cientistas ou académicos, basta um pasteleiro.

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