A Fundação para a Ciência e Tecnologia que financia a investigação nas diversas áreas científicas acabou de anunciar os resultados do último concurso. De 74 projetos nas áreas de economia e gestão, foram escolhidos 5. O meu não foi. Nunca fica bem criticar um concurso que se perdeu, mas neste caso vai ter que ser.

Primeiro ponto prévio: na investigação em economia e gestão há um critério objetivo da qualidade de investigação, a publicação nas melhores revistas científicas. Destas revistas destacam-se cinco, as top 5. São revistas generalistas, ligadas às melhores universidades dos Estados Unidos, Harvard ou Chicago, ou às grandes associações de economistas, a American Economic Association ou a Econometric Society. Uma única publicação numa dessas revistas pode ser razão para contratação num bom departamento na Europa ou mesmo nos Estados Unidos. É muitíssimo difícil publicar nestas revistas. O processo editorial é muito trabalhoso e pode levar anos de revisões e novas submissões. Publicar nas melhores revistas especializadas nas diferentes áreas da economia e gestão, como a economia monetária ou finanças, também não é fácil. Mas é muito mais fácil. Não publicar nem numas, nem outras, mas em revistas de terceira, que poucos conhecem, e a que ninguém dá valor, é futebol de solteiros e casados.

Segundo ponto, ainda prévio: o melhor indicador para a capacidade de publicar bem no futuro é tê-lo feito no passado, especialmente no passado recente. Para jovens investigadores ainda sem passado, conta sobretudo o prestígio da universidade em que se doutoraram.

Passemos então ao que interessa, os resultados do concurso.

Das investigadoras responsáveis pelos cinco projetos financiados, apenas uma, a mais bem classificada, tem uma publicação numa revista de topo. É uma excelente investigadora, com um currículo científico impressionante. As restantes investigadoras, mas não todas, têm algumas publicações em boas revistas especializadas nas áreas em que trabalham, mas há também muitas revistas de terceira, daquelas que são só lastro. Um caso é particularmente crítico, e a universidade de doutoramento também não ajuda.

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Os projetos que foram aprovados têm três coisas em comum: são todos dirigidos por senhoras; são distribuídos pelas universidades públicas, Nova, ISEG, ISCTE, ICS, Porto, com a Católica naturalmente excluída; e quatro dos cinco projetos são sobre o mesmo tema, desigualdade social ou laboral.

Entre os projetos recusados há melhores currículos científicos, com muito maior potencial, mas também é verdade que não há muitos currículos excelentes com publicações de topo em Portugal. Alguns casos: Joana Silva publicou na American Economic Review e tem um artigo em processo adiantado de revisão na Econometrica (espero não estar a cometer nenhuma indiscrição). Mas a Joana Silva é professora na Católica e o projeto é sobre concorrência na era digital. O projeto não foi financiado. Miguel Godinho de Matos tem um currículo magnífico que inclui o Journal of Political Economy, outro dos top 5. Mas o Miguel Godinho de Matos é professor na Católica e o projeto é sobre inovação, digitalização e proteção de dados. E é homem. O projeto ficou bem classificado, mas não foi financiado.

O tema dos projetos é o sinal mais visível de deriva política. Dos cinco projetos, dois têm desigualdade no título, de salários ou rendimentos, um é sobre perceções de injustiça no mercado de trabalho e discriminação, outro é sobre perceções de exploração nas relações de trabalho. Não há dúvida que as questões de desigualdade são questões sociais importantes, mas a qualidade da investigação não se avalia pelo tema. O objeto da investigação pode agradar ao júri deste concurso, ou a quem nomeou o júri. Mas a qualidade das publicações vai ser à imagem da produção anterior das investigadoras.

Dois pontos paralelos: cada projeto recebe um pouco menos de 250 mil euros. É muito quando os projetos não são muito bons. Porque concentrar assim o modesto orçamento total? Segundo ponto: quase 30% do orçamento é obrigatoriamente gasto na contratação muitas vezes desnecessária de um recém doutorado. Quando a contratação é necessária, o recém doutorado é mão de obra barata ao serviço de outros projetos que não os seus. O doutoramento em economia e gestão é uma carta de alforria, um certificado de maturidade na investigação. Não devia haver doutorados ao serviço de outros.

Estes resultados foram uma muito má surpresa. Já aconteceu antes terem sido nomeados júris fracos que fizeram más avaliações. Não deve ser fácil convencer bons investigadores estrangeiros a fazer este tipo de avaliações. Mas nunca tinha havido uma tal coincidência de aparentes intenções. Bem sei da influência do poder político nas universidades públicas nas outras áreas das ciências sociais. Mas na economia e gestão é uma novidade.