Abusos sexuais. Em Vila Real, a Igreja foi mais dura com o padre do que o tribunal
De 21 a 24 de fevereiro, o Papa Francisco reúne no Vaticano bispos de todo o mundo para debater os abusos sexuais na Igreja Católica. Como tem agido a Igreja em Portugal? Durante três meses, uma equipa de jornalistas do Observador investigou os últimos casos denunciados, num trabalho com dados, documentos e depoimentos inéditos.
Cláudia era professora e monitora há dois anos num centro de acolhimento para menores, na zona de Bragança, quando se apercebeu do caso. Naquela altura, em meados de outubro de 2013, começaram a correr rumores de que Rita, uma rapariga de 12 anos que vivia na instituição há cinco anos, e Carolina, de dez anos, internada há um, andavam a ter conversas menos próprias com um adulto que dizia ser padre. As conversas eram mantidas via Facebook — ou por telemóvel ou no computador da instituição.
O caminho é íngreme e faz-se por uma sinuosa estrada de alcatrão, sempre em direção à torre de uma igreja que se avista lá ao cimo, a uma altitude de 522 metros. É ali, no Convento de Balsamão, em Macedo de Cavaleiros, que o padre Pedro Ribeiro permanece, mesmo depois de terem passado três meses da extinção da pena suspensa de 20 meses de prisão a que foi condenado por abuso sexual de menores.
É que, para a Igreja, as conversas sexualmente explícitas que teve através do Facebook com duas menores mereceram uma pena de quatro anos a viver num mosteiro, durante os quais está suspenso do exercício sacerdotal, e uma recomendação para não utilizar as redes sociais. Uma pena mais longa e pesada do que a aplicada pelo tribunal comum, embora, tal como no caso da pena civil, o controlo do seu cumprimento pleno seja difícil.
Pedro Ribeiro, agora com 33 anos, vive, desde o início do julgamento em que respondeu por dois crimes de abuso sexual, em 2015, num convento da congregação dos Padres Marianos da Imaculada Conceição. Segundo uma fonte próxima da diocese, foi o próprio bispo de Vila Real que pediu à congregação, em agosto de 2015, que o acolhesse, para que estivesse mais recolhido enquanto decorriam as sessões de julgamento e durante o cumprimento da eventual pena que o tribunal lhe viesse a aplicar.
Mas nem a Igreja é a polícia, nem o convento é uma prisão. Apesar do isolamento geográfico, o convento tem um hostel e uma casa de retiros, onde recebe hóspedes com frequência. O sacerdote também não está proibido de se movimentar livremente e tem acesso à Internet. Ainda assim, e porque vive entre outros padres que sabem o que levou Pedro Ribeiro ali, o padre está mais controlado pela Igreja do que esteve pelos serviços prisionais durante o tempo da pena civil, como atestaram ao Observador fontes conhecedoras do processo canónico.
No início da estadia no mosteiro, o padre ainda colaborou em algumas atividades nas paróquias mais próximas, incluindo com jovens. Quando soube disso, o bispo de Bragança-Miranda, D. José Cordeiro, a quem cabe a jurisdição daquela zona, acabou por intervir e informou diretamente os padres do mosteiro de que Pedro Ribeiro não tinha autorização para exercer o ministério sacerdotal naquela diocese. Apenas poderia fazê-lo no mosteiro, que, territorialmente, está na diocese de Bragança-Miranda, mas cuja responsabilidade é da congregação dos padres marianos.
Também o tribunal comum, na sentença proferida a 1 de fevereiro de 2016, olhou para o caso de forma idêntica. E, além de condenar o padre a uma pena suspensa de 20 meses e ao pagamento de uma indemnização de 3 mil euros a cada uma das duas menores, proibiu-o de contactar ou privar com menores de 18 anos, “quer no domínio da respectiva actividade profissional, quer fora desse contexto”. Os juízes referiam-se ao “exercício de actividades que envolvam contatos e convívio com menores de 18 anos”, numa decisão depois confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães.
O Convento de Balsamão, porém, nem sempre é tão isolado e tranquilo como fez parecer o caminho que o Observador percorreu. No coração do convento há um hostel que é possível reservar para pernoitar — não apenas em retiros espirituais, mas também para “férias repousantes longe da confusão das grandes cidades” — em sites como o Tripadvisor e o Trivago, e, naquele espaço, é comum existirem celebrações com a participação das comunidades mais próximas e até festas de casamento e batizado.
“A memória histórica do Convento é constituída pela Igreja, por um pequeno e antigo claustro e pelo quarto do venerável Frei Casimiro, que, pelo seu significado, simplicidade e beleza encantam peregrinos e turistas. No Convento de Balsamão vive a Comunidade Religiosa dos Padres Marianos da Imaculada Conceição a quem pertence o Convento que, além do serviço de acolhimento a peregrinos e hóspedes, desenvolve um plano de atividades pastorais e de formação para a vida consagrada”, lê-se no Trivago.
O convento tem uma página de Facebook em que são publicadas imagens e vídeos recolhidos no local. E onde é comum aparecer o padre Pedro Ribeiro a auxiliar os restantes párocos nas celebrações. Aliás, num dos vídeos, vê-se mesmo o padre num convívio em que se comemora o aniversário de um outro padre da congregação, filmado em outubro de 2016 — já o padre tinha sido condenado, mas aguardava decisão do Tribunal da Relação para onde tinha recorrido. Nesse vídeo aparecem alguns sacerdotes a tocar guitarra enquanto cantam os “Parabéns a Você”. E vê-se, entre alguns adultos, uma criança.
Uma fonte eclesiástica próxima da congregação lembrou, no entanto, ao Observador que não cabe aos padres marianos que residem naquele mosteiro o controlo do cumprimento da pena pelo padre Pedro Ribeiro. Não foi assim com a pena aplicada pelo tribunal, nem é assim hoje com a pena canónica, que implica uma abstinência do uso das redes sociais, mas que não é diretamente controlada pelos sacerdotes que habitam com ele.
Os padres do convento conhecem a situação do padre Pedro e os motivos que o levaram ao mosteiro, embora os detalhes do processo canónico estejam apenas com a cúria diocesana de Vila Real. Ainda assim, fonte da Igreja garante que os membros da congregação estão alerta para detectarem eventuais comportamentos menos próprios e prontos a informar a diocese de Vila Real.
Apesar de ser comum o mosteiro receber grupos de jovens para retiros espirituais, o padre Pedro Ribeiro nunca é chamado a colaborar nesses trabalhos. Cabe-lhe dar apoio aos padres idosos, que, por motivos de saúde, ali se encontram e precisam de cuidados. Tem, aliás, a seu cargo um padre que sofre de doença de Alzheimer e que precisa de acompanhamento 24 horas por dia.
“Se formos pensar nesse sentido, para se afastar a pessoa a 100%, só atrás das grades. Mesmo estando num convento, é impossível dizer que não vai aparecer ninguém perto dele. Imagine um padre do convento que é visitado por um familiar que tem uma criança. Ele está lá na mesma”, refere fonte do clero ao Observador.
No convento, aliás, nem todos conhecem os motivos que levaram o padre a ser hospedado ali. Pelo que o Observador percebeu no local, antes de Pedro Ribeiro chegar os funcionários foram informados de que iriam receber um hóspede durante alguns tempos. Chegaram a pensar que seria o bispo que iria fazer um retiro e só perceberam que não quando o padre chegou.
O Observador tentou falar com o padre, que costuma sair do convento no seu carro para ir visitar os pais na zona de Murça, mas Pedro Ribeiro, que ainda se encontra a cumprir a pena canónica de quatro anos, não se mostrou disponível para fazer declarações sem autorização do superior do convento.
A denúncia que partiu da própria Igreja
A história de Pedro Ribeiro tem, para a Igreja, contornos mais complexos do que outros casos conhecidos no país, porque envolve duas dioceses e, por isso, dois bispos: o padre faz parte do clero da diocese de Vila Real, mas as duas menores que assediou pelo Facebook residiam numa instituição pertencente a uma paróquia da diocese vizinha, Bragança-Miranda.
Cláudia era professora e monitora há dois anos num centro de acolhimento para menores, na zona de Bragança, quando se apercebeu do caso. Naquela altura, em meados de outubro de 2013, começaram a correr rumores de que Rita, uma rapariga de 12 anos que vivia na instituição há cinco anos, e Carolina, de dez anos, internada há um, andavam a ter conversas menos próprias com um adulto que dizia ser padre. As conversas eram mantidas via Facebook — ou por telemóvel ou no computador da instituição.
Naquele dia, uma das raparigas que viviam no lar queixou-se de que Rita tinha deixado a sua sessão no Facebook aberta num dos computadores da instituição e que tinha visto uma conversa com um homem de nome Pedro Ribeiro, que dizia ser padre. A monitora analisou as mensagens e, depois, foi ter com Carolina, a outra menor. Pediu-lhe que entrasse na sua conta da rede social para lhe mostrar as conversas que tinha com aquele homem.
Cláudia não quis acreditar. Neste caso, os diálogos eram ainda mais sexualizados, como a monitora acabaria por explicar mais tarde à polícia e como consta nos autos consultados pelo Observador. Pedro Ribeiro tinha mesmo enviado fotos suas à rapariga, incluindo uma do seu pénis.
Carolina acabaria por admitir que já mantinha conversas com o padre há algum tempo, ainda antes de ir para a instituição. Rita, por seu turno, assumiu que as conversas eram recentes e que tinha sido por intermédio da amiga que adicionara o sacerdote no Facebook. Ambas garantiram que nunca tinham estado pessoalmente com o homem que afirmava ser padre e não conseguiram explicar bem porque é que alimentaram estes diálogos. Cláudia optou, então, por alterar a senha de acesso das duas, impedindo-as de aceder à conta no Facebook, e denunciou o caso ao conselho de administração da instituição.
No despacho de acusação constam algumas dessas conversas. Por exemplo, a 22 de Setembro de 2013, pelas 14h14, o arguido contactou a criança de dez anos e enviou-lhe uma mensagem a perguntar se estava “sozinha”. Perguntou-lhe: “Posso saber como estás vestida”. E, na sequência desta conversa, enviou-lhe uma fotografia de umas pernas masculinas nuas, perguntando-lhe: “E o resto queres ver”. Noutra conversa, enviou-lhe mesmo uma imagem do seu pénis.
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Foto tua mandas
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Uma mais pessoal
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Só nuas e que tenho
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Estou em casa dos meus pais
Posso saber como estás vestida -
Estou nu
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Pênis gostas
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Pila para ti queres
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Que idade tens
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E por baixo
Manda uma foto
A reunião entre a equipa técnica e a educativa viria a realizar-se a 18 de outubro de 2013, na presença do padre responsável pela instituição, António Pires. Cinco anos depois, já com a instituição encerrada, o padre não quer sequer lembrar o caso e recusou falar disso ao Observador. Mas, nas declarações que então prestou à polícia, disse que logo após essa reunião foi tentar perceber quem era Pedro Ribeiro, que no Facebook se apresentava como padre.
Uma rápida consulta no anuário católico disponível online conduziu-o a um padre da diocese de Vila Real, ordenado apenas dois anos antes, que trabalhava como prefeito do seminário. Além disso, o suspeito era, desde o ano anterior, o responsável pelo acompanhamento dos escuteiros daquela região e trabalhava praticamente em todos os serviços relacionados com a juventude na diocese.
Foi com esta informação que o padre António Pires se dirigiu às duas dioceses para informar os dois bispos — D. Amândio Tomás, de Vila Real, e D. José Cordeiro, de Bragança-Miranda. O primeiro, a quem cabia gerir o caso do padre, tomou medidas imediatas. Instaurou um processo canónico a Pedro Ribeiro, tirou-o das funções que desempenhava e obrigou-o a recolher-se. Primeiro, no mosteiro de Singeverga, em Santo Tirso, onde ficou a residir durante um mês, antes de ser mudado para um outro convento; e, por fim, para aquele onde ainda hoje permanece.
A 25 de outubro, António Pires estava no Ministério Público a apresentar queixa-crime contra o padre por conversas de cariz sexual e importunação sexual de duas menores através da rede social. E com provas: as conversas que Pedro Ribeiro manteve com as duas raparigas impressas em folhas A4 e a indicação das técnicas da instituição que podiam testemunhar sobre o caso.
Padre tentou culpar a mãe da menor
No dia em que foi apresentada queixa, a procuradora-adjunta Cristina Sousa, de Miranda do Douro, mandou logo abrir um inquérito por suspeitas de um crime de abuso sexual de crianças pelo Facebook e entregou a investigação à PJ. A inspetora estagiária que ficou com o caso percebeu, pela base de dados, que o padre em causa tinha um registo criminal imaculado. Ainda assim, não perdeu tempo em notificá-lo para prestar declarações. Mas para onde? Era preciso saber onde estava.
A 27 de novembro, a PJ percebeu que Pedro Ribeiro estava agora a viver no Convento Beneditino de Singeverga, em Santo Tirso. Antes, tinha estado a viver na Câmara Eclesiástica de Vila Real. Dias depois, a magistrada responsável pela investigação ordenou, por isso, que fossem feitas buscas aos sítios onde vivia, aos locais onde trabalhou e ao seu carro. Mandou, na mesma altura, apreender todos os computadores, telemóveis e aparelhos através dos quais pudesse ter comunicado com as menores. A juíza de instrução, Ana Catarina Gonçalves da Rocha, autorizaria as buscas quase um mês depois, mas estas só acabariam por ser realizadas em meados de janeiro de 2014 — já o padre tinha saído do mosteiro de Santo Tirso para ir viver no Convento de Avessadas, em Macedo de Cavaleiros, mais próximo da casa dos pais — e a PJ nada encontrou.
Foi também nesse dia que o padre foi chamado à Polícia Judiciária de Vila Real para prestar declarações. Pedro Ribeiro prescindiu de advogado e aceitou de imediato colaborar com as autoridades. Nunca pensou que o processo avançasse como avançou. À PJ, disse que começou por falar no Facebook com uma mulher de nome Maria, conversas essas que, por vezes, tinham conteúdo sexual.
Esses diálogos viriam a ser apreendidos pela polícia — que retirou ao padre um computador, um telemóvel e um tablet — e revelavam que, num primeiro contacto com essa mulher, ela não gostou que ele tocasse em temas sexuais e lhe fizesse perguntas mais íntimas. Já numa segunda conversa, quando a informou que era padre, o tom dessa mulher — mãe de uma das menores institucionalizadas — mudou radicalmente, olhando para Pedro Ribeiro como um possível confidente.
Segundo as declarações do padre à PJ, Maria disse-lhe que tinha 30 anos e residia numa vila do distrito de Bragança. Mais: teria sido ela a sugerir-lhe que adicionasse uma outra amiga ao Facebook, de nome Carolina. E assim continuou as conversas que já mantinha com Maria, como se lê no seu depoimento. Admitiu ter tido também conversas com Rita, desta vez por indicação de Carolina, e que poderá ter mandado fotos suas, mas garantiu que, quando perguntava a idade, lhe diziam que eram maiores de idade.
Quando lhe perguntaram se não percebia pelas fotos de perfil no Facebook que elas eram menores, Pedro Ribeiro explicou que os contactos ocorriam frequentemente através do seu telefone, que, segundo ele, mostraria as fotografias num formato demasiado pequeno.
Além disso, garantiu nunca ter reparado com exatidão no teor das fotografias. Uma explicação que não convenceu as autoridades, uma vez que, no telemóvel do padre, um iPhone, é possível ampliar e reduzir as imagens ao toque de dois dedos.
Pedro Ribeiro referiu também que, a 13 outubro de 2013, acabou por perceber que algo de errado havia com ambas as raparigas, pelo que acabou por bloqueá-las, nunca mais contactando com elas. Foi precisamente nesse dia 13 de outubro que a monitora da instituição descobriu as conversas.
O padre admitiu que, de facto, uma semana depois disso foi informado pelo reitor do seminário de Vila Real de que tinha tido conversas de cariz sexual com duas menores de idade, tendo sido alvo de um processo canónico e imediatamente afastado para o mosteiro de Singeverga, acabando por suspender a sua conta no Facebook.
Disse também que nunca apagou fotos do seu iPhone ou iPad, exceto as que tirava à sua zona genital. Mais: afirmou que depois da instauração do processo canónico acabou por apagar todas as fotografias de teor pornográfico que tinha gravadas naqueles suportes, garantindo que todas elas eram com pessoas adultas. Referiu que, do que sabia, aquelas eram as únicas menores com quem tinha tido conversas de cariz sexual, embora tenha conversado com outras pessoas, todas adultas.
Pedro Ribeiro foi interrogado como arguido pelo então inspetor-chefe António Trogano (hoje coordenador) durante uma hora e acabou por sair em liberdade. Manteve-se sempre livre, mesmo depois de acusado formalmente e durante o julgamento.
Apesar de, entre a queixa e a apreensão do material informático, terem passado cerca de três meses, a PJ encontrou fotografias, conversas via SMS de teor sexual com diversos homens e mulheres e troca de imagens dos órgãos genitais. De referir, no entanto, que, neste conteúdo pornográfico, não foi encontrado qualquer contacto, conversa ou troca de fotos de índole sexual com menores, conforme pode ler-se no processo.
Da queixa da Igreja à pena canónica
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O padre António Pires, que dirige um lar de crianças em Miranda do Douro, é informado pela equipa técnica de que duas menores andam a ter conversas de cariz sexual com um homem que diz ser padre e se chama Pedro Ribeiro.
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O padre António Pires fala com os responsáveis das duas dioceses. A diocese de Vila Real, responsável pelo padre, abre um processo canónico de averiguações e suspende-o de funções. Obriga-o a recolher-se num mosteiro enquanto decorre o processo. A diocese de Bragança-Miranda fica em alerta.
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O padre António Pires vai ao Ministério Público de Miranda do Douro apresentar queixa.
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O padre Pedro Ribeiro vive no mosteiro de Singeverga enquanto as investigações decorrem.
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Pedro Ribeiro muda-se para o convento dos carmelitas descalços de Avessadas, Marco de Canaveses, por ordem do bispo de Vila Real.
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Pedro Ribeiro muda-se para o mosteiro de Balsamão, em Macedo de Cavaleiros, na diocese de Bragança-Miranda, a pedido do bispo de Vila Real.
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O tribunal de Bragança condena o padre a vinte meses de prisão com pena suspensa e ao pagamento de uma indemnização de 3 mil euros a cada uma das menores.
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Termina a pena civil, mas a Igreja é mais dura com o padre do que os tribunais. E Pedro Ribeiro continua no mosteiro de Balsamão, suspenso do sacerdócio em sem poder aceder a redes sociais.
Menor enviou-lhe uma fotografia, mas o padre diz que não percebeu que era uma criança
Durante este período, a investigação não parou. As autoridades ouviram a psicóloga e a assistente social da instituição onde estavam as menores, que informaram que eram estabelecidas regras de acesso à internet na casa de acolhimento, a menos que as jovens tivessem os seus próprios telemóveis. O que não era o caso.
Foram também ouvidas as menores envolvidas, que falaram um pouco mais à vontade com a PJ do que, mais tarde, perante uma juíza e uma procuradora do Ministério Público titular do processo — já um ano após a queixa, para memória futura. Ambas asseguraram que, apesar de terem mentido ao padre sobre a verdadeira idade, tinham no seu perfil uma indicação correcta sobre isso. Aliás, uma delas, Rita, de 12 anos, chegou a enviar uma foto sua em cima de um cavalo, em que se percebe tratar-se de uma criança. O padre não percebeu, segundo disse.
Carolina foi entretanto transferida para outra instituição onde, ao que o Observador apurou, as pessoas sabem que foi vítima de abuso sexual, mas desconhecem em que contexto e que o agressor foi um padre. Também ela, filha de Maria, admitiu os contactos. Disse que sabia que a mãe falava via Facebook com o padre Pedro Ribeiro e que, por isso, acabou por adicioná-lo à sua rede amigos por mera curiosidade. Garante que ele sabia que Maria era sua mãe e que lhe mandava fotos dele quando ela lhe pedia. Já ela respondia com fotos que tirava da internet, apesar de, no seu perfil, manter fotos suas que mostravam ser ainda uma criança.
Carolina recordou também que, de vez em quando, apagava as conversas e que o padre lhe enviou mais imagens além daquelas que constam no processo. Disse até ser frequente conversar com outros adultos, mas nunca diálogos de teor sexual, como os que manteve com o sacerdote.
Ao Observador, Maria explicou que a filha já não está, neste momento, institucionalizada. Mostrou-se, ainda, revoltada por o padre ter mantido em tribunal o que alegou em fase de inquérito: que tinha sido ela a incentivá-lo a adicionar a filha ao Facebook. “Fizeram crer que eu explorava a minha filha sexualmente, o que é completamente falso”, disse ao Observador. Maria explicou que a filha gostava de ir à catequese e à missa e que, depois de todo este processo, nunca mais quis ter qualquer ligação à Igreja.
A mãe de Carolina pediu ao tribunal que o padre pagasse uma indemnização à filha no valor de 10 mil euros por danos morais. O tribunal acabaria por alargar o pedido à outra vítima e condenar o arguido a pagar 3 mil euros a cada uma das raparigas, além da pena suspensa de 20 meses de cadeia e a proibição de contactar com menores de 18 anos ao longo desse período de tempo — nem em situações profissionais, nem em convívios pessoais.
Processo mudou de procuradora e o padre foi acusado
O padre Pedro Ribeiro só contratou um advogado em abril de 2014, um ano antes de ser formalmente acusado. Nesse mês, pediu também ao tribunal que lhe devolvessem o seu iPhone, iPad e iMac, por serem instrumentos usados para a sua profissão. Em outubro, a PJ entregou-lhe o iPhone e o iPad, mas não lhe devolveu logo o computador.
O padre seria formalmente acusado em abril de 2015. Maria, mãe de Carolina, só foi ouvida no processo um mês antes da acusação, e depois de ter chegado uma nova procuradora ao inquérito, Paula Cristina Luís.
À PJ, disse o que viria a confirmar ao Observador: que nunca soube que a filha contactava com o padre que conhecera via Facebook e com quem falava amiúde, apesar de nunca ter estado com ele pessoalmente. Maria garantiu que só soube destas conversas por uma monitora do centro de acolhimento onde a menor se encontrava e que a filha nunca testemunhou as suas conversas na rede social.
Também por esta altura, depois de a PJ ter inquirido praticamente todas as pessoas que podiam ser úteis ao processo e numa altura em que o Ministério Público se preparava para formalizar a acusação contra o padre, a procuradora quis saber em que estado estava a investigação que corria, paralelamente, na Igreja.
“O arguido Pedro Luís Vilela Ribeiro não está a exercer o seu ministério em parte alguma e vive na Comunidade dos Padres Carmelitas de Avessadas — Marco de Canaveses”, respondeu a diocese, num documento assinado pelo chanceler da Cúria Diocesana, Fernando Dias de Miranda. Sobre o processo canónico, o responsável esclareceu que as conclusões tinham sido enviadas para a Congregação da Doutrina da Fé, no Vaticano, como mandam as normas da Igreja, mas ainda não tinha sido recebida “qualquer decisão”.
No mesmo documento, o responsável da diocese perguntava ao Ministério Público se estaria “para breve a conclusão da parte civil” do processo. Estava. No mês seguinte, o padre conheceu a acusação formal: dois crimes de abuso sexual de crianças — mas não foi a procuradora que entretanto tinha ficado com o processo que a assinou.
Em apenas sete páginas, foi o procurador Hélio Rodrigues quem pediu que o padre fosse condenado por dois crimes de abuso sexual por ter “colocado em causa o sentimento de vergonha e pudor sexual, bem como a liberdade e autodeterminação sexual das referidas crianças, prejudicando deste modo o livre e harmonioso desenvolvimento das suas personalidades, nomeadamente na esfera sexual”, lê-se no despacho de acusação.
Pedro Ribeiro tentou convencer tribunal de que foi enganado
Pedro Ribeiro acabaria condenado a 1 de fevereiro de 2016. O Tribunal de Bragança foi claro no comportamento que devia ter durante os 20 meses de pena de cadeia suspensa, sob risco de ser efetivamente preso. O padre ficou impedido de contactar com as vítimas, foi proibido de contactar com menores de 18 anos “quer no domínio da respectiva actividade profissional, quer fora desse contexto” ou de exercer “actividades que envolvam contatos e convívio com menores de 18 anos”. A Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais ficou incumbida de fazer entrevistas regulares com o padre, para que ele interiorizasse o seu comportamento.
A defesa do padre não concordou com a sentença e ainda recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães. Argumento: não se teria provado em tribunal que o padre sabia que as vítimas tinham menos de 14 anos, contrariando a decisão final da condenação.
Os juízes do Tribunal da Relação salientaram, no entanto, que o próprio arguido apresentou, já em julgamento, outras conversas que manteve na rede social. E que a idade das vítimas até poderia não estar no seu perfil de Facebook. No entanto, ambas tinham várias imagens com os seus colegas de escola, bem como informação da escola de ensino básico que frequentavam.
“Tanto o tribunal de primeira instância, como o superior, consideraram que pelas informações que as menores tinham no seu perfil facilmente se depreendia tratarem-se de crianças”, lê-se. Aliás, as próprias vítimas chegaram a admitir ter enganado o padre na idade, uma vez dizendo que tinham 17, outra 20. Pedro Ribeiro ficou furioso. “Ontem tinhas 20 hoje 17 mentes sempre assim”, respondeu o padre a uma das menores, antes de mandar as duas “à merda”, como se lê num dos diálogos aprendidos.
Para o tribunal, uma “pessoa habituada a lidar com crianças e jovens, tendo em conta o respectivo trabalho com os escuteiros e estudantes de seminário”, deve entender também, mais facilmente, “que as menores poderiam, com grande probabilidade, ter menos de 14 anos de idade”. Assim, “embora sendo de admitir que o arguido não soubesse com 100% de segurança que as menores tinham idade inferior a 14 anos, forçoso se torna igualmente concluir que o mesmo admitiu necessariamente tal possibilidade como fortemente provável e que se conformou com a mesma, enviando às crianças fotografias de natureza sexual e tendo com as mesmas conversas de cariz marcadamente sexual para sua gratificação e excitação nesse âmbito”, lê-se no acórdão da Relação, que manteve a decisão de primeira instância.
A investigação da Igreja e a condenação a viver num mosteiro
Paralelamente à investigação judicial, que começou de imediato, a Igreja Católica analisou o caso segundo as suas próprias regras, num processo minucioso cuja pena só seria confirmada já em 2016. Durante todo esse tempo, o padre esteve afastado das suas funções de sacerdote e do contacto com crianças e jovens, tendo passado por três mosteiros de congregações religiosas que aceitaram os pedidos do bispo D. Amândio Tomás para acolher Pedro Ribeiro durante o período em que precisava de estar recolhido.
Em Santo Tirso, onde esteve durante o mês de dezembro de 2013, “passou os seus dias em recoleção, participando, de forma exemplar, das orações e trabalhos comuns” do mosteiro, segundo um documento assinado em 2015 pelo abade daquele mosteiro, Bernardino Ferreira da Costa.
Entre janeiro de 2014 e o verão de 2015, já com acusação proferida, Pedro Ribeiro viveu no convento dos carmelitas descalços de Avessadas, em Marco de Canaveses. Também ali, participou “de forma muito exemplar das orações e também dos trabalhos” do convento, como se lê num outro documento a que o Observador teve acesso, assinado pelo superior daquela congregação, Alpoim Alves Portugal. O responsável sublinhava ainda “a disponibilidade” e a “iniciativa” que o padre Pedro Ribeiro “muitas vezes tomava perante certas deficiências que notava no decorrer dos dias ou se era necessário realizar qualquer ofício e para o qual sentia aptidão e tinha possibilidade de concretizar”. Além disso, nunca fez nada nem se ausentou do mosteiro “sem dar conhecimento ao Superior”.
Em agosto desse ano, porém, o bispo de Vila Real acabaria por pedir à congregação responsável pelo convento de Balsamão para o receber. Em fevereiro de 2016, o tribunal de Bragança proferiu a sentença em primeira instância: 20 meses de prisão, com a pena suspensa, e uma indemnização de 3 mil euros a cada uma das vítimas. Em dezembro do mesmo ano, o tribunal da Relação de Guimarães confirmou a condenação e, durante todo esse ano, o padre aguardou a decisão final já no convento de Balsamão, onde ficou durante o período da pena.
Foi também nesse ano que a Igreja aplicou a Pedro Ribeiro a pena canónica de quatro anos de residência num mosteiro, com a suspensão do serviço sacerdotal e proibição de celebrar os sacramentos. Ficou apenas autorizado a celebrar missas acompanhado de outros padres no interior do mosteiro. Os 20 meses da sentença judicial terminaram em agosto de 2018, mas Pedro Ribeiro continua hoje sem qualquer serviço pastoral atribuído e a residir em Balsamão.
Não é possível saber, com exatidão, em que dia começou a ser cumprida a pena canónica, mas o mais provável é que tenha sido em 2016, quando foi decidida. Assim sendo, restarão ainda dois anos a Pedro Ribeiro naquele convento. O sacerdote tem também indicações eclesiásticas para não utilizar as redes sociais, embora não seja claro como é que a Igreja exerce esse controlo — os padres do convento não têm instruções para controlar a atividade digital de Pedro Ribeiro. O bispo de Vila Real, D. Amândio Tomás, encontra-se, de tempos a tempos, com o sacerdote e será a ele que competirá tomar uma decisão sobre o futuro do padre após o cumprimento da pena canónica.
Bispo quer proteger vítimas, mas as vítimas dizem que nunca receberam apoio da diocese
Embora a diocese de Vila Real tenha seguido as normas e as boas práticas da Igreja na forma como lidou com o padre Pedro Ribeiro, indo até mais longe do que os próprios tribunais na aplicação de uma pena, quem parece ter ficado esquecido no meio deste processo foram as vítimas.
Quando o Observador perguntou ao bispo de Vila Real, D. Amândio Tomás, quantos processos de averiguações por abusos sexuais é que a diocese tinha aberto e que seguimento lhes tinha sido dado, o bispo disse não poder responder e justificou: “Os casos concretos desta natureza que possam ter existido na Diocese de Vila Real têm a ver com pessoas concretas e, pensando nomeadamente nas vítimas, ao dar-lhe respostas corro o risco de expor, involuntariamente, a vida delas a uma exposição pública que não desejo ser eu a causar”.
O Observador falou, porém, com Maria, mãe de uma das vítimas, que garantiu nunca ter sido abordada por ninguém da Igreja Católica — nem de Bragança-Miranda, nem de Vila Real. Ninguém na estrutura da Igreja lhe ofereceu apoio ou ajuda, nem nunca lhe foram perguntar se estava tudo bem. E quando o Observador lhe pergunta se está, Maria encolhe os ombros.
* Os nomes das vítimas e dos familiares são fictícios para proteger as suas identidades-
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Texto João Francisco Gomes e Sónia Simões
Edição Sara Antunes de Oliveira e Miguel Pinheiro
Ilustrações Mariana Cáceres
Mapas Raquel Martins
Fotografia João Porfírio
Vídeo Nuno Neves
Reconstituição de documentos Tiago Couto
Web design e desenvolvimento Alex Santos
Coordenação multimédia Catarina Santos
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