Padre foi denunciado duas vezes, mas só à terceira a Igreja agiu. Agora, desapareceu
De 21 a 24 de fevereiro, o Papa Francisco reúne no Vaticano bispos de todo o mundo para debater os abusos sexuais na Igreja Católica. Como tem agido a Igreja em Portugal? Durante três meses, uma equipa de jornalistas do Observador investigou os últimos casos denunciados, num trabalho com dados, documentos e depoimentos inéditos.
Perante as perguntas da PJ, João contou que o padre ainda lhe respondeu que de nada valia pedir socorro porque a igreja já estava fechada e ninguém o iria ouvir. Lembra-se que, quando se voltou para a frente, ainda viu o padre a vestir apressadamente as calças. E que ele lhe pediu que não contasse a ninguém.
A denúncia chegou numa carta anónima às mãos do bispo do Funchal em 2018: um padre da diocese tinha abusado sexualmente de um rapaz de 12 anos. Os relatos de abusos por parte daquele sacerdote não eram novos. Mais de dez anos antes, o padre Anastácio Alves tinha sido alvo de dois processos-crime, que acabaram arquivados. Durante o primeiro, a Igreja mudou-o de paróquia na Madeira. Depois do segundo, mandou-o para a Suíça. Só agora, quando surgiu a terceira denúncia, é que a Igreja o suspendeu de funções para o investigar. No entanto, nada disse à polícia, porque quis respeitar a vontade da família da vítima.
O caso mais recente, descoberto em 2018, está ainda envolto em mistério. Sabe-se que terá sido cometido no último ano, durante umas férias, na Madeira, do padre que, à data, se encontrava ao serviço de uma comunidade em Paris, já depois de ter estado na Suíça. E que o padre conhecia bem a família da vítima. Quando teve conhecimento do caso, o bispo D. António Carrilho suspendeu logo o padre, para o poder investigar. Só que não o comunicou às autoridades.
Contactada pelo Observador, fonte oficial da Procuradoria-Geral da República confirmou que, além dos inquéritos abertos contra Anastácio Alves em 2005 e de 2007, nos quais o padre chegou a ser constituído arguido, há um terceiro “aberto durante o segundo semestre de 2018”. “É dirigido pelo Ministério Público do DIAP [Departamento de Investigação e Ação Penal] do Funchal, encontra-se em investigação e não tem arguidos constituídos”, lê-se na resposta por escrito.
A diocese recusou dizer ao Observador a data em que recebeu a queixa anónima, mas fonte da Igreja garante que não comunicou as suspeitas à polícia a pedido da própria família da vítima, — que só queria que o padre fosse afastado do serviço com as crianças e que os deixassem em paz. A mesma fonte disse, no entanto, que o caso acabou por chegar às autoridades via Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, que terá sido alertada pela escola onde a criança andava, ao detetar mudanças no seu comportamento.
Depois de o bispo ter abordado pessoalmente o padre Anastácio Alves para abandonar as suas funções em Paris, ele não demoraria muito a cumprir a sua ordem. A 23 de junho de 2018, Anastácio publicou na página de internet da paróquia portuguesa de Paris, em Gentilly, uma carta de despedida. A mensagem não revelava de forma alguma os motivos que teriam levado ao abandono da paróquia, apenas anunciava a chegada de um novo pároco — Leandro Garcês — a partir de setembro e agradecia a colaboração dos membros da comunidade. O Observador tentou, sem sucesso, falar com Leandro Garcês.
A diocese do Funchal explicou, por escrito, ao Observador, que esta medida cautelar de afastamento do padre de funções fez parte de um processo de averiguação prévia mandado instaurar pelo próprio bispo, logo após analisar a carta anónima que acusava Anastácio Alves de abusos sexuais.
“Tomando conhecimento de uma suspeita recente, verificada aqui na Madeira e que nada teve a ver diretamente com a atividade pastoral, considerou-se necessário, de acordo com as normas da Igreja, proceder a uma averiguação prévia, que permita facultar as devidas informações à Congregação da Doutrina da Fé. Estes procedimentos têm trâmites de investigação que podem implicar medidas pastorais e cautelares, sendo certo que, antes de qualquer conclusão, não se podem aplicar penas eclesiásticas. Por sua vez, haverá sempre, da parte da Igreja, a devida colaboração com eventuais procedimentos judiciais”, diz a diocese.
Depois da mensagem de despedida, o padre Anastácio Alves desapareceu. Fonte próxima da diocese contou ao Observador que o carro do sacerdote continua em França, no local onde estava estacionado habitualmente. Em Santa Cruz, o concelho da ilha da Madeira onde ainda vive a família do padre, há quem o tenha visto em agosto ou setembro de 2018 pela última vez.
O cónego Agostinho Carvalho, atual pároco de Santa Cruz, foi um deles. Ao Observador, confirmou que celebrou missas várias vezes com Anastácio Alves, quando ele ali ia visitar a família, e lembrou que “gostava muito da forma dele de falar”. Quando ia a Santa Cruz, contou, o sacerdote ficava a dormir em casa de familiares — residem ali uma irmã e uma tia.
O Observador consultou os outros dois processos abertos em 2005 e 2007 e agora enterrados no arquivo do Ministério Público do Funchal, Madeira, para perceber como é que a Igreja lidou com as denúncias apresentadas por dois rapazes que conviviam de perto com Anastácio. Durante o primeiro caso, depois de uma testemunha ligada à Igreja ter sido ouvida no processo, o padre foi mudado de paróquia, como auxiliar de um sacerdote. Já no segundo, foi transferido para a Suíça. O então bispo, D. Teodoro, segundo fonte da diocese, preferiu esperar pelo resultado do tribunal comum, em vez de abrir uma investigação às denúncias dos menores. Ambos os processos acabaram arquivados e o padre, que chegou a ser constituído arguido, não foi sequer formalmente acusado. Mantém, por isso e naturalmente, a presunção de inocência — tal como no caso mais recente, que continua a ser investigado.
O primeiro processo. João queixou-se do padre e depois retirou a queixa
O primeiro dos processos foi aberto em 2005 e arquivado em 2007. Foi por esta altura que António recebeu em casa o despacho de arquivamento do tribunal do Funchal, na Madeira. Abriu o envelope e leu, incrédulo, as palavras assinadas pela procuradora do Ministério Público: as suspeitas de abuso sexual levantadas pelo seu filho contra um padre não tinham passado de “uma história inventada e imaginada pelo menor”.
Natural da Madeira, mas a viver em Espanha, António acedera ao pedido do filho, tinha ele 10 anos, para ir estudar para o seminário perto da casa dos avós, no Funchal. Um divórcio, uma nova companheira e uma vida de trabalho árduo ajudaram-no a decidir. Quatro anos depois dessa decisão, chegava o telefonema. Do outro lado da linha, João chorava e contava as razões da sua tristeza: tinha sido abusado sexualmente pelo padre da paróquia onde era costume ajudar na missa. António apanhou logo um avião e foi ter com ele. Levou-o ao hospital e apresentou queixa na polícia. Acabaria por voltar a Espanha, deixar a investigação do caso nas mãos das autoridades e o filho a cargo da Igreja. Era essa a vontade de João.
Quando foi notificado do fim do processo, António não se conteve. De Espanha, enviou uma carta ao Ministério Público, informando que o processo não podia terminar assim. “Penso que o meu filho foi obrigado a dizer que tudo era mentira para que o padre Anastácio fosse libertado”, escrevia. “Tenho prevista uma viagem à Madeira e vou apresentar-me nessas dependências com o meu filho para aclarar a verdade”, prosseguia na carta assinada a 29 de julho de 2007.
A carta que escreveu, inconformado com o arquivamento do processo, continuava: “Nas minhas conversas com o padre Fiel, do seminário, comentou-me que, no momento, já sabia do ocorrido ao menor, mas não me quiseram dizê-lo, pelo que deduzo que o assunto não está clarificado”.
Onze anos depois, o processo continua exatamente no mesmo ponto. Nada mais foi feito depois da carta de António e, como recusou falar com o Observador sobre o caso, não é possível saber se, de facto, foi de novo à Polícia Judiciária, como disse que faria. Mais que isso, ninguém parece querer tocar no assunto.
PJ mandou PSP receber a queixa e só ouviu o menor no dia seguinte
Na capa de cartolina do processo que o Observador consultou, no campo destinado ao arguido, onde normalmente consta o nome da pessoa a investigar, lê-se apenas “Anastácio”. Nenhuma referência ao facto de ser padre, muito menos ao seu nome completo. No campo referente ao denunciante estão os nomes da alegada vítima e do seu pai (que o Observador não divulga, para proteger as suas identidades). Refere-se que se investigam “actos homossexuais com adolescentes” que terão acontecido a 1 de janeiro de 2005, mas cujo inquérito só foi aberto a 29 de junho desse ano. O caso acabaria arquivado a 4 de julho de 2007, sem acusação.
A agente Marcial estava ao serviço do posto policial do Hospital do Funchal quando, naquele dia 12 de junho de 2005, foi informada de que um menor de 14 anos tinha dado entrada no serviço de Urgências, alegando ter sido vítima do padre da paróquia da Nazaré. O rapaz vivia no Seminário e só agora se dirigia ao hospital porque o pai tinha viajado até à ilha. A agente da PSP telefonou de imediato ao piquete da PJ, responsável pela investigação de crimes sexuais, mas recebeu ordem para tomar conta da queixa e enviá-la, depois, à Polícia Judiciária.
No auto de denúncia que se encontra no processo, assinado nesse dia pela agente Marcial, o crime é contado pela voz do próprio pai. António revela que o filho, depois de ajudar o padre numa missa, foi abusado sexualmente por ele. O crime teria acontecido em janeiro, mas o menor tê-lo-ia guardado para si, até que acabou por contar-lhe o que se passara. “Quando se encontrava na sacristia da Igreja da Nazaré a arrumar uma roupa, o acusado apareceu por detrás do menor, agarrando-o pela cintura, dizendo que ficasse quieto e que não gritasse, tendo de seguida lhe baixado as calças, fazendo-lhe a penetração no ânus, ignorando o tempo que esteve a fazer a penetração, tendo de seguida dito para o menor não dizer a ninguém”, escreveu a PSP.
A queixa foi feita depois de a equipa médica que atendeu João ter dito que nada podia fazer, que o máximo de tempo para averiguar se houve violação seriam 48 horas. Uma fonte da Polícia Judiciária esclareceu, no entanto, ao Observador, que é sempre possível fazer perícias médicas porque poderá dar-se o caso de existirem lesões que não ficaram completamente saradas. Este não foi, porém, o entendimento da equipa médica que assistiu o rapaz.
Depois de ouvir António, a agente da PSP voltou a contactar a PJ. O inspetor de serviço acabaria por sugerir que as vítimas se deslocassem à PJ no dia seguinte para prestar declarações. E a queixa foi enviada como “urgente” para aquela força policial.
No dia seguinte, João foi ouvido logo pelas 10h00. Sentou-se perante o inspetor da PJ e começou a despejar o que alegadamente guardara ao longo dos últimos meses. Começou por falar da sua vida pessoal. Contou que viveu com o pai em Espanha até 2004, mas que decidiu ir para o seminário porque queria ser padre. Aos fins de semana, era acólito na paróquia da Nazaré e ajudava o sacerdote na missa. Revelou que, em janeiro de 2005, sem saber precisar a que dia, tinha terminado a missa e estava a arrumar a sua túnica quando o padre surgiu por trás: “Agarrou-o pela cintura, despiu-lhe as calças e penetrou-o”.
Perante as perguntas da PJ, João contou que o padre ainda lhe respondeu que de nada valia pedir socorro porque a igreja já estava fechada e ninguém o iria ouvir. Lembra-se que, quando se voltou para a frente, ainda viu o padre a vestir apressadamente as calças. E que ele lhe pediu que não contasse a ninguém.
Sentiu medo, confessou. Medo de contar o que vivera e ter como consequência a saída do seminário, o que o faria sentir-se “frustrado e triste”. Ainda assim, acabaria, na altura, por confidenciar o caso a um colega de quarto — hoje padre no Funchal. À polícia, admitiu que poderia ter sido esse colega a contar ao padre João Carlos, à data formador no seminário, uma vez que este, pouco depois, confrontou-o com essas afirmações. Confirmava, assim, que o relato já tinha chegado a responsáveis da instituição.
Nas suas declarações, reiterou que só foi vítima do padre uma única vez. Depois disso, não voltou a auxiliá-lo na igreja. Numa segunda ida à polícia, acabaria por acrescentar mais um pormenor: sentiu dores durante os dois dias que se seguiram à violação.
António, o pai, foi ouvido na tarde desse dia. E somou mais um pormenor à sua história de vida: divorciou-se quando o filho tinha dois ou três anos. A ex-mulher ainda o levou para a Madeira, mas, por dificuldades financeiras, acabaria por entregar-lhe João. Depois do divórcio, ficou mesmo estabelecido que ele, o pai, manteria a guarda da criança. Durante anos, não mais teve contacto com a ex-mulher. Contactado pelo Observador, o pai da vítima não se mostrou disponível para recordar o caso.
As perícias que só chegaram dois anos depois
Duas semanas após o interrogatório da alegada vítima, a então procuradora Sónia Pinela pediu à delegação regional da Ordem dos Médicos, com nota de “Muito Urgente”, que indicasse um especialista para efetuar uma perícia ao menor no “mais curto espaço de tempo”. Os investigadores queriam perceber se a vítima tinha “capacidade para falar sobre o que aconteceu”, se o seu discurso podia eventualmente ter sido “induzido por terceira pessoa” e se precisava de acompanhamento médico. Mas a resposta foi negativa.
É que, segundo a então presidente do Conselho Regional Sul da Ordem dos Médicos, desde março que aquele organismo tinha decidido apresentar uma lista de especialistas disponíveis para fazer os exames pedidos pelos tribunais, mas tinham de ser eles a aceitar fazê-lo. Isto porque “o Serviço Regional de Saúde se mostrou incapaz de dar resposta aos tribunais. E havia médicos que questionavam se podiam ser excluídos dessas nomeações feitas pelo conselho”, lê-se na resposta da responsável ao Ministério Público. “Não cabe à Ordem dos Médicos designar médicos como peritos”, concluiu.
O tribunal notificou, então, o Gabinete de Medicina Legal para, “com urgência”, marcar o exame psiquiátrico ao menor. Foi setembro de 2005, três meses após a queixa, mas essa consulta só viria a acontecer oito meses depois, a 4 de maio de 2006 — já João tinha regressado à polícia para dizer que, afinal, tudo não tinha passado de uma mentira.
Apesar dos seus 14 anos, João chegou ao Hospital Cruz Carvalho, para a tal consulta, sozinho. A psiquiatra que assinou o relatório, Gabriela Saldanha, referiu que ele não pareceu sequer preocupado com isso. No documento, que só chegou ao tribunal a 3 de julho de 2007 (dois anos depois da queixa), conclui que a alegada vítima não mostrava incómodo ou ansiedade, negava o que dizia ter acontecido e até dizia estar zangado consigo próprio por não ter previsto as consequências da queixa. A perícia não detectou qualquer doença mental ativa no adolescente, nem sinais ou sintomas de trauma, segundo pode ler-se no relatório que quase encerra o processo.
A psiquiatra acrescentou que, pela avaliação que fez, o menor apresentava capacidade para testemunhar, que o seu relato era coerente, mas que não seria possível perceber se foi influenciado por alguém para que dissesse o que disse. Em conclusão, a perita diz que o adolescente não aparentava estar afetado e não parecia precisar de acompanhamento especializado.
Vítima volta atrás. Diz que afinal foi tudo uma mentira
A versão que João contou à psiquiatra era semelhante à que tinha ido contar também à PJ, duas semanas depois da primeira queixa, apresentada com o pai. Desta vez já não vinha com ele, mas com Alexandrina Meneses, uma pessoa ligada à Comunidade dos Padres Carmelitas que explicou que o menor queria voltar a falar à polícia. Na comunidade, é conhecida por “Dona Nina”, uma mulher que sempre prestou apoio a mulheres que se prostituíam na rua e que acompanhava a família de João.
Tudo aconteceu a 23 de junho de 2005. João disse estar arrependido e alegou ter inventado toda a história para chamar a atenção do pai. Explicou também que o padre Anastácio fora o seu alvo porque era com ele que mantinha algumas discussões, geralmente por causa da disciplina que ele impunha na igreja. Também garantiu que não foi coagido a desmentir o que dissera, mas que, se não o fizesse, ficaria com um grande peso na consciência.
Pouco depois deste desmentido, chegou ao processo uma carta de António, pai de João. Em Espanha, e sem saber que o filho mudara a versão da história, perguntava ao Ministério Público como estava a correr a investigação e se havia novidades. O inspetor Carlos Furtado ainda voltou a chamar João para ver qual a versão dos factos que queria manter, mas o rapaz reiterou que nunca tinha sido molestado e continuou a negar tudo. Aparentemente, nunca disse ao pai que o tinha feito.
Ao Observador, treze anos depois, Nina negou a informação de ter acompanhado João à polícia. Mesmo sendo essa a informação que se encontra escrita no processo e assinada por um inspetor da PJ. “De qualquer forma, somos todos pecadores e temos que nos perdoar uns aos outros”, disse, em forma de remate de conversa. Uma versão que não convenceu uma tia de João, contactada pelo Observador. “Eu acredito que ele foi abusado, até porque andava sempre com o padre de um lado para o outro. E que lhe ofereceram alguma coisa para ele não se queixar”, acusou.
O volte face nas declarações de João não travou, ainda assim, a investigação. A 6 de outubro, a PJ ouviu o agora padre Ronald Vieira, à data estudante de teologia e residente no seminário onde estava João. Era a primeira pessoa com alguma ligação à Igreja a ser ouvida no processo. Terá sido a ele que a vítima contou o que se passara com o padre Anastácio. Ronald recordou que foi precisamente em janeiro de 2005 que o amigo lhe confessou, visivelmente constrangido, mas sem revelar sofrimento emocional, que, depois da eucaristia em que era acólito, tinha sido abusado pelo padre, não revelando pormenores. Afirmou, até, que o desabafo o deixou repugnado, por isso não lhe fez mais perguntas. Reforçou que nunca tinha ouvido rumores sobre o padre, que não o conhecia pessoalmente e que o amigo não lhe parecia afetado emocionalmente. Ao Observador, apesar de várias tentativas, recusou recordar ou falar do caso.
O caso não deu origem a qualquer investigação interna da Igreja, mas, na mesma altura e inesperadamente, o bispo do Funchal (à época D. Teodoro de Faria) decidiu afastar o padre Anastácio da paróquia da Nazaré e colocá-lo como auxiliar em quatro outras paróquias da cidade.
A assinatura de Anastácio Alves surge a 15 de outubro pela última vez nos registos paroquiais num assento de batismo, apurou o Observador junto de fonte da Igreja. Na semana seguinte, já o pároco da Nazaré era o padre João Francisco Dias.
A mudança apanhou os paroquianos da Nazaré de surpresa — uma paróquia próxima do centro da cidade do Funchal, onde Anastácio estava desde outubro de 1999, e onde teriam ocorrido os alegados abusos. Ali, todos gostavam dele. “Trabalhava muito pela paróquia”, disse ao Observador uma zeladora daquela igreja paroquial, lembrando que o restauro do edifício da igreja se deveu a Anastácio Alves.
Ninguém compreendeu por que razão foi retirado da paróquia. Muitos paroquianos chegaram a organizar-se e a reunir-se com o bispo D. Teodoro de Faria pedindo a continuidade do padre, mas sem sucesso. Conscientes de que algum problema teria motivado a saída do sacerdote, os paroquianos chegaram a especular que, na origem da transferência, estivesse um desentendimento com um habitante da paróquia que residia perto da igreja e que se queixava com frequência dos barulhos do sino.
Ainda hoje há quem pense que foi por causa disso.
Bispo foi informado do processo-crime e nada fez
O padre João Carlos Gomes era formador no seminário na altura em que João fez a revelação. Quando foi prestar declarações à PJ, a 17 de janeiro de 2006, informou o então bispo do Funchal, D. Teodoro Faria, de que tinha sido chamado pelas autoridades. “O bispo estava ao corrente de tudo”, garantiu ao Observador o sacerdote, hoje pároco do Livramento, no Funchal.
À polícia, o padre lembrou que, à época, João revelava um comportamento de grande instabilidade emocional, sinalizando frequentemente carências afetivas e uma profunda necessidade de atenção. Seria uma consequência de viver afastado dos seus pais. Foi por isso que um dia — que acredita ter sido em abril de 2005, quatro meses após os alegados abusos — lhe perguntou diretamente o que se passava. João terá respondido sem rodeios: teria sido assediado várias vezes pelo padre — disse-o, porém, sem esboçar qualquer perturbação, contou o padre.
O sacerdote reconheceu que não acreditou nele, mas, mesmo assim, falou disso com outros padres. Todos chegaram à conclusão de que não passaria de uma fantasia. Só mais tarde o pai do menor apareceu no seminário e informou que iria avançar com a queixa formal.
Ao Observador, o padre João Carlos Gomes manteve o que tinha dito. Recentemente, diz, encontrou a vítima. Sabe que está bem profissionalmente e que pretende constituir família.
No que diz respeito ao primeiro processo-crime aberto, a pessoa que poderia esclarecer definitivamente se houve ou não investigação interna seria o bispo emérito do Funchal, D. Teodoro Faria, que liderou a diocese madeirense entre 1982 e 2007. Porém, atualmente com 88 anos e residente na cidade do Funchal, o bispo esteve sempre incontactável, apesar das várias insistências do Observador por telefone, correio eletrónico e até pessoalmente, na morada da sua residência.
Uma fonte próxima da diocese disse ao Observador que D. Teodoro Faria terá preferido esperar, em 2005 e em 2007, pelo desenrolar dos processos nos tribunais civis, antes de levar a cabo qualquer processo eclesiástico. Aliás, este mesmo bispo viria a dizer, em declarações à Agência Lusa em 2010, que desconhecia qualquer caso de pedofilia na Madeira.
O segundo caso, recorde-se, foi arquivado já em 2008, com D. António Carrilho à frente da diocese — o mesmo bispo que, dez anos depois, decidiu de forma diferente. E, mesmo sem uma queixa na polícia ou qualquer inquérito a decorrer, abriu uma investigação interna e afastou o padre de funções, depois de ter recebido uma carta anónima a denunciar um novo crime.
Não se sabe, assim, que tipo de investigação interna foi feita ao padre Anastácio Alves (ou se alguma) quando este foi duas vezes constituído arguido por suspeitas de abusos sexuais, até porque, ao contrário de outras dioceses portuguesas, a diocese do Funchal recusou divulgar ao Observador os números de averiguações prévias e de processos canónicos instaurados no seu Tribunal Eclesiástico por abusos sexuais, respondendo com um simples “nada a comentar”.
Duas denúncias,
duas mudanças de paróquia
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Anastácio Alves é nomeado pároco da Nazaré, Funchal, pelo bispo D. Teodoro Faria.
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João vai ao Hospital do Funchal acompanhado pelo pai. Queixa-se de ter sido abusado pelo padre Anastácio em janeiro. Queixa é formalizada na polícia.
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Polícia ouve um seminarista. É o primeiro testemunho ligado à Igreja.
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Anastácio ainda celebra um batismo na paróquia, mas dias depois é transferido para o cargo de vigário de quatro paróquias do Funchal, para onde foi auxiliar outro padre.
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Ouvido pela PJ, o padre Anastácio nega todas as acusações e garante que a sua transferência para novas paróquias fez parte das “mudanças normais da diocese”.
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Chega à PJ uma nova denúncia contra o padre Anastácio através da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens do Funchal.
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Processo de João arquivado por falta de provas.
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O padre Anastácio é ouvido no segundo processo, e volta a negar acusação.
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O segundo processo é arquivado por falta de provas e de “coerência” no discurso da vítima.
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Anastácio é enviado para a Suíça em trabalho pastoral pelo bispo D. António Carrilho, que assumiu o comando da diocese em 2007. Quatro anos depois é transferido para França.
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Anastácio escreve uma carta a despedir-se da paróquia francesa. Não revela os verdadeiros motivos: foi afastado de funções por D. António Carrilho na sequência de uma carta anónima que denunciava novos abusos.
Padre suspeito só foi ouvido no processo oito meses depois
Em fevereiro de 2006, as autoridades deram por esgotadas as diligências possíveis no caso. E concluíram que só faltava mesmo ouvir o denunciado. O padre Anastácio foi constituído arguido no dia 24. Num breve interrogatório, informou que foi pároco da Nazaré entre 1999 e 2005 e revelou indignação perante as acusações. Mais: disse que sempre trabalhou com muitas crianças e adolescentes, que nada fez e que nem percebia por que razão era alvo de uma acusação daquelas.
O processo terminaria assim, com dez testemunhas ouvidas, incluindo vítima e arguido, e já nas mãos de outra magistrada. Não existem nas folhas consultadas quaisquer provas recolhidas na igreja onde os abusos possam ter ocorrido, no seminário onde vivia o miúdo ou na residência ou no carro do suspeito.
A 4 de julho de 2007 foi assinado o despacho de arquivamento.
Refere a procuradora Maria Gameiro que, depois de ouvidas várias testemunhas que afirmaram desconhecer os alegados abusos, de o arguido negar e de o denunciante ter acabado por dizer que tinha inventado tudo, não restava outra hipótese se não a do arquivamento. “O facto de o menor se ter deslocado à PJ acompanhado de um adulto para desmentir os factos poderia levantar suspeitas sobre se estaria, ou não, a ser induzido ou pressionado por alguém para o fazer”, lê-se. No entanto, os testemunhos recolhidos e o comportamento do menor levaram o Ministério Público a considerar não ter elementos de prova suficientes para sustentar uma acusação.
Menos de um ano e o padre volta a ser investigado num novo processo
Ainda antes de arquivarem o caso de João, as autoridades voltaram a receber uma queixa contra Anastácio. Desta vez, a informação partiu da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens do Funchal, à qual tinha chegado uma carta assinada por uma psicóloga que seguia a alegada vítima. Nesta altura, já D. Teodoro de Faria tinha sido substituído na liderança da diocese por D. António Carrilho, que decidiu transferir o padre Anastácio para a Suíça antes de este completar três anos nas paróquias.
Neste segundo processo, os crimes teriam ocorrido em 2006, sendo a alegada vítima um rapaz 10 anos. A denúncia da psicóloga que o acompanhava no hospital, depois de começar a aparecer com frequência no serviço de urgências com queixas de ansiedade, dava conta de haver suspeitas de abusos de outras crianças além dele.
A criança “não tem frequentado este ano lectivo porque, segundo esta denúncia, o referido padre, apesar de estar afastado da paróquia desta freguesia, continua a rondar e a perseguir o Gonçalo [nome fictício] e outras crianças da zona, que andam ansiosos e com medo, podendo-os colocar novamente em situação de perigo”, reproduziu a então presidente da Comissão, Patrícia Carvalho.
Doze anos depois, ao Observador, Patrícia Carvalho afirma não ter qualquer memória deste caso. E diz que, na sua área de atuação, não se recorda de qualquer registo de menores que tenham sido acompanhados e que tenham apontado o dedo a um padre.
A responsável pelo menor (a criança tinha sido retirada aos pais e entregue à guarda de uma tutora) foi chamada à PJ no dia 17 de janeiro de 2007. Declarou que, quando começaram a aparecer os pêlos púbicos a Gonçalo, ele exibia-os com frequência e, um dia, os teria mostrado ao padre Anastácio — embora não soubesse se por iniciativa própria ou a pedido do sacerdote. Referiu que chegou a ir algumas vezes a casa do padre com o afilhado e que, numa dessas vezes, Gonçalo lhe contou que o padre lhe teria lambido uma orelha e tocado no corpo, deixando-o constrangido. No entanto, ressalvou: Gonçalo gosta de contar as suas histórias e, por vezes, exagera.
Ainda assim, a também catequista recordou um episódio na sacristia em que ela estava presente, no qual Gonçalo, depois de tocar casualmente no saiote do padre, fez um comentário de cariz sexual dirigido ao sacerdote. No depoimento, não se percebe qual foi a reação do padre e da própria a esse comentário, estranho por vir de uma criança perante aqueles dois adultos. A tutora acabaria por reforçar que o menor era uma criança que se fazia de vítima para, assim, chamar a atenção.
Nesse dia, a Judiciária ainda manteve uma conversa informal com Gonçalo. O diálogo com o inspetor Faria viria a revelar-se inconsistente. Gonçalo não conseguiu precisar o número de vezes em que sentiu da parte do padre um comportamento estranho. Mas lembrava-se de que numa delas se sentiu desconfortável porque ele lhe lambeu a orelha. Relatou também uma situação em que ele lhe teria tocado na zona genital por cima das calças. O inspetor ainda insistiu com Gonçalo e tentou que reconstituísse os casos, mas não conseguiu.
No final, lê-se, a PJ fez algumas considerações sobre o seu testemunho. E concluiu que, apesar de incoerente nas suas afirmações, mesmo que a descrição não correspondesse inteiramente à verdade, parecia aos inspetores que algo de estranho se tinha passado entre o menor e o padre, ao ponto de o rapaz se sentir molestado sexualmente. E, por isso, considerou a necessidade de vigilâncias ao sacerdote.
Não houve comunicação entre os dois processos
A PJ procurou o padre Anastácio durante quatro dias. Só no último localizou a igreja onde celebrava a missa. Não houve qualquer comunicação com o outro processo, que ainda estava aberto. Numa informação que consta do processo consultado pelo Observador, os inspetores sustentavam que era conveniente continuar a vigiar o suspeito, sobretudo nos momentos em que estivesse a interagir com crianças ou adolescentes.
No processo constam apenas imagens do carro do padre à porta dessa igreja, naquele dia 19 de janeiro. Depois, parece que nada foi feito. Quatro meses passaram até a procuradora-adjunta vir pedir à polícia informações sobre o estado da investigação. Nos dias seguintes, foi junto ao caso o processo de regulação do poder paternal que correu no Tribunal de Família e Menores — e no qual o Ministério Público ainda mandou extrair uma certidão para se investigar as suspeitas de abuso sexual por parte do padre.
O padre, por seu turno, só seria ouvido um ano após a queixa, na tarde de 28 de janeiro. Confirmou ter estado seis anos ao serviço da paróquia da Nazaré, mas recusou, mais uma vez, que o seu afastamento estivesse relacionado com as suspeitas que tinham sido levantadas contra ele. Foram apenas mudanças normais da diocese, garantiu.
Anastácio disse conhecer a alegada vítima, apesar de não saber a sua idade, e admitiu que ele e a sua tutora pudessem ter estado em sua casa, onde vivia com uma tia. Garantiu, porém, que nunca tinha abusado sexualmente de Gonçalo nem de qualquer outro menor. Mais: assegurou que não tinham qualquer especial atracção ou tendência para práticas sexuais com menores, como se pode ler no processo consultado pelo Observador.
Só depois desta inquirição a PJ resumiu, em resposta ao Ministério Público, as diligências que fez. Disse que o resultado das vigilâncias e as informações recolhidas junto de paroquianos — cujos relatos não constam no processo — ilibavam completamente o suspeito ou, pelo menos, não permitiam imputar-lhe responsabilidades quanto a eventuais ilícitos de abuso sexual de criança.
Perante isto, e duas semanas depois, a procuradora do Ministério Público Norberta Teixeira arquivou o caso. Fundamentos: “Não foi apresentada qualquer testemunha dos factos”. “Não se vislumbra a realização de quaisquer outras diligências complementares de prova de efeito útil do crime de abuso sexual de crianças”, concluiu.
Quase no final desse ano, o padre acabaria por ser transferido para a Suíça, onde esteve alguns anos até ser mudado para França, onde se manteve até 2018 como assistente espiritual de uma comunidade de emigrantes portugueses em Paris.
Igreja só tomou posição ao terceiro caso
A 1 de setembro de 2018, mais de uma década depois do arquivamento do segundo caso, o padre Anastácio Alves, discretamente retirado em França, voltou ao centro da atenção mediática na ilha da Madeira quando o Diário de Notícias da Madeira noticiou que o bispo do Funchal, D. António Carrilho, o tinha suspendido das funções por suspeitas de abuso sexual sobre um menor — o tal rapaz de 12 anos que terá sido abusado durante uma viagem de férias do padre à Madeira e cuja história constava da carta anónima que chegou à diocese do Funchal. O próprio jornal, que acompanha de perto a realidade eclesial da ilha, descreveu a ação do bispo como uma “importante viragem na forma como a Igreja Católica madeirense aborda este tipo de situações”.
A nova suspeita de abuso sexual contra o padre Anastácio, que continua a ser investigada, e a sua suspensão das funções de assistente numa comunidade de emigrantes portugueses vieram desenterrar os dois processos de 2005 e 2007 em que já tinha sido investigado. O nome do sacerdote foi referido em vários jornais e a diocese do Funchal não gostou das referências.
“Depois de uma entidade idónea (como o Ministério Público ou os Tribunais) arquivar queixas ou suspeitas, conhecendo-se do rigor com que a investigação é conduzida, o reavivar esses processos arquivados (ou seja criminalmente inexistentes), para além de revelar desrespeito às funções e ao trabalho das instâncias competentes, é publicitar uma continuada suspeição, que envolve pessoas já ilibadas, violando o princípio e o valor da presunção de inocência, exigida pela dignidade da pessoa humana”, disse ao Observador fonte oficial da diocese do Funchal, numa resposta escrita a um conjunto de perguntas — a maioria das quais ficaram, até à publicação deste artigo, sem resposta.
A verdade é que aquele padre, por duas vezes denunciado e por duas vezes ilibado, voltou a ser alvo de uma acusação e só à terceira é que a diocese tomou medidas concretas, suspendendo-o das suas funções como sacerdote. Entre os dois primeiros e o terceiro casos há uma diferença de uma década, tempo que na Igreja significou uma tomada de posição mais forte na questão do dever de denúncia dos abusos sexuais por elementos do clero.
Em 2005, data da primeira denúncia contra Anastácio, já estava em vigor desde 1983 o Código de Direito Canónico (CDC) que obrigava o bispo a investigar o que se passava. O documento central do funcionamento das instituições da Igreja Católica (no cânone 1717) é claro: “Quando o Ordinário [ndr: bispo da diocese ou superior da congregação religiosa, dependendo do caso] tiver notícia, ao menos verosímil, de um delito, inquira cautelosamente, por si mesmo ou por meio de pessoa idónea, sobre os factos e circunstâncias e acerca da imputabilidade, a não ser que tal inquisição pareça de todo supérflua”.
Se nesta investigação prévia existirem indícios para instaurar um processo canónico, a documentação relativa ao caso deve ser enviada para o Tribunal Diocesano e o CDC prevê a aplicação de medidas cautelares, se for preciso: “Para evitar escândalos, defender a liberdade das testemunhas e garantir o curso da justiça, o Ordinário, ouvido o promotor da justiça e citado o próprio acusado, em qualquer fase do processo, pode afastar o acusado do ministério sagrado ou de qualquer ofício ou cargo eclesiástico, e impor-lhe ou proibir-lhe a residência em determinado lugar ou território, ou proibir-lhe a participação pública na santíssima Eucaristia”.
Apesar de não haver indicação de ter sido aberto qualquer processo canónico ao comportamento do padre Anastácio em 2005 ou em 2007, a Igreja tomou decisões sobre ele na mesma altura. Na verdade, durante a primeira investigação, em outubro de 2005, menos de duas semanas depois de a PJ ter inquirido a primeira testemunha ligada à Igreja Católica — um seminarista colega de João —, o padre Anastácio foi mudado de paróquia.
Segundo a edição de 2006 do Anuário da Igreja Católica em Portugal, Anastácio foi transferido da Nazaré para as paróquias de Álamos, Graça, Santo Amaro e Visitação, onde foi ocupar o cargo de vigário paroquial. Basicamente, juntamente com um outro sacerdote, Anastácio passou a prestar apoio ao padre Manuel de Freitas Luís, na altura já com 71 anos, mas não era o responsável pelas paróquias — como tinha sido na Nazaré durante seis anos. Questionada pelo Observador sobre o que esteve na origem desta transferência, a diocese do Funchal não comentou a decisão do bispo anterior.
Várias fontes eclesiásticas ouvidas pelo Observador comentam que, antes dos grandes escândalos motivados pelas notícias em países como os EUA ou a Irlanda, a prática comum da Igreja Católica era precisamente a de mudar de sítio os padres eventualmente denunciados por abusos sexuais.
Anastácio também não ficaria muito tempo como colaborador naquelas quatro paróquias. Menos de três anos, na verdade. Um período invulgarmente curto para o serviço pastoral. Em 28 de setembro de 2008, o bispo D. António Carrilho, que entretanto já tinha assumido a liderança da diocese, publicou no decreto de nomeações que o Padre José Anastácio Gouveia Alves iria, “a seu pedido, trabalhar com os emigrantes, na Missão Católica Portuguesa, em Lausana (Suíça), e frequentar a Faculdade de Teologia da Universidade Católica de Friburgo, para actualização e aprofundamento dos estudos. É, por isso, dispensado de todos os cargos que, nesta data, lhe incumbiam na Diocese”.
Mesmo estando a par dos casos de 2005 e de 2007, o afastamento do padre Anastácio foi uma surpresa total para o clero madeirense. Vários padres da diocese do Funchal confirmaram ao Observador não ter recebido nenhuma comunicação oficial por parte do bispo sobre a situação atual do sacerdote e disseram ter sabido de tudo pela comunicação social.
Já o cónego José Fiel de Sousa, na altura formador do seminário onde estudava João e atual vigário geral da diocese, remeteu-se ao silêncio. O Observador encontrou-o à saída de uma missa na Igreja do Colégio, no centro da cidade do Funchal, de que é reitor. Questionado sobre o que poderia querer dizer o conteúdo da carta do pai de João, que alegava que ele próprio, José Fiel de Sousa, sabia do caso de abuso sexual, fechou o sorriso inicial. E recusou falar, remetendo todos os esclarecimentos para o gabinete de comunicação da diocese do Funchal. Gabinete esse que recusou responder às 17 perguntas endereçadas pelo Observador, sob a justificação de serem “demasiado pessoalizadas”, enviando apenas uma posição oficial em três pontos. Vítimas e seus familiares recusaram, também, desenterrar as memórias do caso.
O padre Anastácio está em parte incerta, depois de o bispo ter decidido afastá-lo das funções que mantinha em Paris. Ainda não foi ouvido neste último inquérito, que está em segredo de justiça, mas, segundo fonte da Igreja, a PJ já ouviu a vítima e os seus familiares.
* Todos os nomes das vítimas e dos familiares são fictícios para proteger as suas identidades-
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Texto João Francisco Gomes e Sónia Simões
Edição Sara Antunes de Oliveira e Miguel Pinheiro
Ilustrações Mariana Cáceres
Mapas Raquel Martins
Fotografia e vídeo Gregório Cunha
Web design e desenvolvimento Alex Santos
Coordenação multimédia Catarina Santos
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