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A anatomia da reconciliação
32 minutos, dois amigos e uma secretária de madeira no Caribe

Costa e Marcelo, de guayabera branca, tornaram a cimeira iberoamericana numa cimeira da paz entre ambos. A reconciliação aconteceu numa conferência de imprensa conjunta na República Dominicana, onde, próximos um do outro, explicaram porque têm a mais cúmplice relação entre São Bento e Belém. Nas palavras escolhidas, no tom de voz e nos sorrisos que foram trocando, mostraram que a mini-crise institucional foi, mais uma vez, um arrufo de circunstância. Mas os recados estão lá.

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Cimeira amigável

A Cimeira Iberoamericana é um local privilegiado para primeiro-ministro e Presidente da República estreitarem relações, já que ficam sentados durante dois dias ao lado um do outro e têm de conjugar esforços em nome do interesse nacional. Noutros tempos, mesmo com relações tensas entre palácios, houve registos, por exemplo, de Sócrates e Cavaco darem as mãos (na ocasião, por sugestão de Lula da Silva). Desta vez, o encontro na República Dominicana serviu para baixar a tensão entre Marcelo e Costa, que regressaram ao convívio dos tempos de professor-aluno. Foi a terceira cimeira presencial em que participaram depois de Colômbia (2016) e Guatemala (2018).

Camisas Guayabera

As camisas guayabera brancas são uma peça de vestuário típica da América Central, em particular no caribe e tornaram-se numa imagem de marca das Cimeiras Ibero-Americanas. São frescas e transmitem informalidade aos trabalhos, já que os chefes de Estado e de Governo abandonam os pesados e formais fatos. É uma oportunidade para ver, por exemplo, sua majestade o rei de Espanha de camisa branca. Já cinco portugueses as vestiram em várias edições do evento: José Sócrates, Cavaco Silva, Passos Coelho, António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa. Os dois últimos, já nesta cimeira, voltaram a aderir à moda da informalidade.

A bandeira

A representação portuguesa na cimeira é repartida por duas figuras: chefe de Estado e chefe de Governo. Este caso só acontece com dois países: Portugal e Espanha. Marcelo fez questão de dizer que só Portugal e Espanha (onde há um rei — logo não vai a votos) mantiveram os seus chefes de Estado e de Governo relativamente à última cimeira presencial. Ambos registaram a “harmonia” e as posições “absolutamente coincidentes” em matéria de política externa. Esta é, aliás, uma tradição portuguesa: estejam bem ou mal, duas das mais altas figuras do Estado entendem-se em nome do interesse nacional.

O papel

O Presidente da República foi rodopiando um pequeno papel durante a conferência de imprensa, quase como um tique. Mais tarde confessou que era ali que tinha anotado o nome de todos os países com quem tinham realizado uma bilateral, destacando aqueles que vão fazer visitas oficiais a Portugal. Apesar de prevenido, acabou por não recorrer à cábula e até fez um manifesto anti-papel: confessou que nas reuniões com o primeiro-ministro, ao contrário do que fizeram os seus antecessores, não há papéis nem qualquer registo.

A caneta

António Costa teve quase sempre a caneta na mão e, enquanto Marcelo Rebelo de Sousa justificava as críticas que tinha feito ao Governo, o primeiro-ministro foi brincando com a caneta. Quando o Presidente disse que não havia papéis nas reuniões entre ambos, António Costa brincou, juntou momentaneamente todo o material, e disse: “É melhor guardar isto”. Foi com esta caneta que escreveu os tópicos daquilo que disse na conferência de imprensa.

Os que resistiram à pandemia

Marcelo Rebelo de Sousa: “Já não havia uma cimeira há cinco anos. Há mais de 5 anos mudaram quase todos os Chefe de Estado. [Só] não mudou o chefe de Estado espanhol, [que é] monarca, não mudou o português [e] não mudaram o primeiro-ministro português e o primeiro-ministro espanhol em relação há cinco anos. “

Marcelo Rebelo de Sousa, como manda o protocolo, foi o primeiro a falar, e fez um primeiro resumo dos vários encontros que tinham tido durante a cimeira com países membros da Cimeira Ibero-Americana. O Presidente da República falaria quatro minutos sobre todas as bilaterais, mas, pelo meio, faria um auto-elogio (a ele e a Costa): além de Filipe VI e Pedro Sánchez, só os dois portugueses se mantiveram cinco anos depois da última cimeira presencial. Marcelo quis destacar que, apesar da pandemia, tanto ele como o primeiro-ministro foram reeleitos, um feito que só a Espanha repetiu, mas com a facilidade de ter um “monarca” na chefia de Estado.

Costa falaria mais cinco minutos e, no fim, dessa segunda intervenção procurou a anuência de Marcelo e a confirmação que não se tinha esquecido nada: “Em síntese, senhor Presidente…”. Ao que o chefe de Estado retorquiu: “Praticamente tudo”. A versão portuguesa de Dupont e Dupond. Começariam, então, as perguntas dos jornalistas, que permitiriam a ambos assumirem uma reconciliação, mas também revelarem a anatomia e a dinâmica da relação que mantêm há décadas.

Harmonia: os ases da política externa

Marcelo Rebelo de Sousa: O que eu posso dizer quanto às relações em todas as cimeiras é que são sempre as melhores possíveis. Portanto, o único país que tem realmente duas intervenções políticas que se completam, harmonicamente, é Portugal. Os outros têm presidentes presidencialistas. Impressiona muito os presidentes presidencialistas — não impressiona a Espanha porque está habituada a essa realidade — o facto de Portugal aparecer com uma posição que é conjunta, até ao pormenor, entre o Presidente e o primeiro-ministro.”

Marcelo e Costa foram ambos questionados sobre se as relações entre ambos estavam piores do que cinco anos antes. Após a pergunta da RTP, o semblante de ambos mudou para um misto de poker face e ar divertido. O Presidente, enquanto dobrava o papel, tomou a dianteira da resposta para dizer que ambos foram uma espécie de ases da diplomacia e que a harmonia e o rigor com que se complementavam impressionava os outros países.

António Costa ia assentindo com a cabeça e corroborou a tese de que a relação entre ambos num contexto externo só podia ser ainda melhor do que dentro de portas.

António Costa: Portugal tem uma política externa e fala sempre no exterior a uma só voz. Quando é a voz do Presidente, do primeiro-ministro e do ministério dos Negócios Estrangeiros, qualquer outra voz, dizemos sempre o mesmo.  (…) Quanto ao mais, se mesmo quando não temos pontos de vistas coincidentes na política interna a relação pessoal é boa, quando em matéria de política externa, onde as posições são absolutamente coincidentes, a relação só podia ser melhor ainda.”

O primeiro-ministro faz questão de separar as divergências políticas daquilo que é a relação pessoal que tem com Marcelo Rebelo de Sousa há anos. Uma coisa são os políticos, outra são os homens.

Mas os jornalistas não desarmaram e voltaram a questionar se a tensão entre ambos afetou as relações. António Costa olhou para Marcelo e ambos riram-se de forma contida, enquanto o jornalista terminava a pergunta. Desta vez, seria Costa o primeiro a falar.

Sou teu amigo, sim: uma amizade em progressão

António Costa: Só posso falar por mim e há uma coisa que, não me querendo substituir a um professor de Direito Constitucional, era importante todos percebermos: nós temos um sistema político onde o Presidente da República é eleito diretamente pelos cidadãos, representa o conjunto dos cidadãos portugueses, e, portanto, tem uma função política própria. O Governo resulta daquilo que são os resultados para a AR, responde politicamente perante a AR, e segue o seu programa de Governo. Nem sempre a maioria que elege o Presidente e a maioria que elege a maioria da AR, coincidem. Às vezes são absolutamente divergentes, outras vezes são parcialmente coincidentes, outras vezes são a mesma. Portanto, não temos de ter sempre a mesma posição sobre os mesmos assuntos.”

António Costa continuou a meter água na fervura, relativizando a mini-crise que tinha tido com Marcelo Rebelo de Sousa. Mais do que isso: explicava que a base de apoio de ambos era diferente e que, por isso, têm necessariamente posições diferentes para não frustrarem os respetivos eleitorados. Mas deixava um recado: o Governo responde politicamente perante o Parlamento, não perante o Presidente.

António Costa: O passado já revelou que, mesmo presidentes da mesma área política, tiveram posições divergências políticas sobre casos concretos. O que aliás é absolutamente normal, e tem a ver com as funções próprias de cada um. Portanto, não há nenhuma anormalidade quando pensamos coisas distintas sobre uma determinada matéria.”

Na política portuguesa há a velha história, quase mito, de que os eleitores não gostam de “colocar os ovos todos no mesmo cesto”, preferindo ter um dos grandes partidos em São Bento e o outro em Belém. Ainda assim, houve momentos em que PS ou PSD tiveram militantes como primeiro-ministro e Presidente, com alguns relatos de que Jorge Sampaio e António Guterres (ambos do PS) ou Cavaco Silva e Passos Coelho (ambos do PSD) chegaram a discordar sobre medidas em concreto, apesar de serem do mesmo partido. Coincidência que Marcelo e Costa não têm, logo, regista o primeiro-ministro, é mais normal terem divergências.

Marcelo acenou que sim com a cabeça enquanto António Costa falava e o primeiro-ministro deu mais um passo na relação entre ambos. Não só é boa, como se aproxima da amizade.

António Costa:Em segundo lugar, em circunstância alguma, qualquer divergência afetou minimamente as nossas relações pessoais. Eu tenho pelo atual Presidente da República, uma relação muito anterior a eu ser primeiro-ministro e o senhor Presidente ser Presidente da República. Fui aluno do senhor Presidente, do então professor Marcelo Rebelo de Sousa, de quem tenho muito gosto. Ao longo da vida tivemos vários momentos de convívio, tivemos momentos de confronto político, quando o atual Presidente da República era líder da oposição e eu ministro dos Assuntos Parlamentares de um Governo, ao qual o então partido da oposição se opunha e nunca afetaram as relações pessoais. O que aliás é normal e saudável que assim aconteça na vida política portuguesa.”

Costa tenta mais uma vez explicar que o combate político com Marcelo tem sido quase uma constante na sua vida. Voltou a lembrar que se conhecem de há muitos anos, quando um era professor e o outro aluno ou até quando atual Presidente era líder do PSD e Costa ministro dos Assuntos Parlamentares do Governo de António Guterres. Mas isso, garante, nunca afetou a relação pessoal. Fez questão ainda de dizer que tiveram “vários momentos de convívio”.

António Costa: Aliás, nós não temos nem um regime presidencialista em que quem governa é o Presidente da República, nem temos um regime parlamentar em que o Presidente da República não tem uma intervenção política, temos um sistema sofisticado, mas que tem funcionado bem ao longo dos anos, e creio que sem imodéstia, creio que quase nestes 50 anos de democracia não deverá ter havido algum momento onde as relações entre Governo e Presidente da República em que as relações tenham sido tão fluídas, tão escorreitas, tão normais e eu diria, até, com progressiva amizade.”

O primeiro-ministro prosseguiu, neste caso, com um aviso de que o Presidente não tem funções executivas (de forma a conter uma tentativa de interferência nas políticas do Governo), mas logo complementou com um novo elogio/autoelogio à relação que ambos mantêm. António Costa acrescentou que a ligação entre São Bento e Belém é inédita, já que os antecessores nunca se deram tão bem. À medida que o diz, Costa vai-se entusiasmando e termina esse bloco de resposta a dizer que até se está a tornar cada vez mais amigo de Marcelo. Uma “progressiva amizade”.

Marcelo Rebelo de Sousa foi logo depois confrontado com as declarações que fez sobre o “amigo progressivo” numa entrevista que concedeu no sétimo aniversário de mandato à RTP e ao Público.

O cansaço enérgico: a análise do Presidente-comentador

Marcelo Rebelo de Sousa:O senhor primeiro-ministro tem uma energia que está à prova, como veem [e olha para Costa] nenhum sinal de estar cansado. Estava a enumerar as razões pelas quais foi um ano complicado. E que levou, de alguma maneira, tivessem tão preocupados com outras preocupações que as respostas à política interna tiveram de esperar um bocadinho. Mas foram aparecendo (…) Nesse sentido, eu disse que não é a mesma coisa que ser eleita uma maioria, fresca, no sentido de acabada de eleger. Não vai enfrentar os problemas, sem ter enfrentado antes problemas com o custo, o cansaço, no sentido do desgaste que isso tem.”

Marcelo Rebelo de Sousa esforçava-se então para, ao lado do primeiro-ministro, tentar desdizer o que tinha dito. Mantinha que esta já não era uma maioria fresca, até pelos problemas que enfrentou, como a pandemia e a guerra. Explicava, no entanto, que quem está cansado não é o primeiro-ministro, mas o Governo. A sugestão é de que há elementos do Governo que deviam ter sido substituídos, mas não Costa, que está cheio de “energia”. Na tomada de posse, Marcelo fez, aliás, questão de dizer que o Governo só fica em funções enquanto Costa se mantiver primeiro-ministro.

Marcelo Rebelo de Sousa: Mas tem no Governo e tem no Presidente [bate no peito]. O Presidente também à sua maneira, não sendo executivo, não se desgasta da mesma maneira (…) Depois na pandemia é evidente, se era preciso renovar 10 vezes, 12 vezes o Estado de emergência e ter um esforço conjunto, imaginam a conjugação de esforços. É um facto para perceber que nos tempos que se seguiram à formação do Governo, ela própria que se estendeu três meses por razões de recurso, que tornou mais difíceis estar a enfrentar determinadas matérias e definir determinadas situações (…) E eu limitei-me a fazer essa análise das circunstâncias.

Durante a primeira campanha para a Belém, comentava-se na comitiva que era uma espécie de candidato Gabriela, numa alusão à música de Gal Costa sobre a personagem da conhecida novela brasileira: “Eu nasci assim eu cresci assim e sou mesmo assim/Vou ser sempre assim…” Era inata a capacidade de lidar com pessoas e a vertigem para comentador tudo e mais alguma coisa. Marcelo deixou entretanto de ser comentador televisivo, mas não resiste a continuar a ser comentador político à frente das câmaras. É quem sempre foi. Agora até é ele próprio a justificar-se com a condição de Presidente-comentador: era só uma “análise”. Aqui, Costa ia mexendo na caneta.

Uma relação diferente: sem papéis nem qualquer registo

Marcelo Rebelo de Sousa: Não tenho a noção exata de quem é a vida de quem tem de enfrentar estas circunstâncias. O senhor primeiro-ministro chegou ontem com o presidente do governo espanhol já tinha começado o jantar. E ficámos ao lado um do outros. Querem imaginar que boa parte do tempo em que estivemos a tratar de problemas externos com os nossos vizinhos, [mas] estivemos [também] a passar em revista o que de importante havia da política portuguesa interna no intervalo das últimas 48/72 horas. Quer dizer, durante o jantar... As pessoas não têm a noção de que, de facto, os factos andam tão depressa, que, na maneira como tem sido conduzido este relacionamento.”

A pergunta era se continuava a considerar que a maioria está cansada, mas o Presidente logo desviou o assunto. Não lhe interessava. Era dia, como o próprio duas semanas antes batizava, de colocar a “mão por baixo” do Governo. Marcelo Rebelo de Sousa confessou que ele e o primeiro-ministro, entre conversas com homólogos, tiveram de tirar um tempo para se informarem da atualidade política dos dois dias anteriores, já que estiveram mergulhados em viagens de avião e em contactos bilaterais da cimeira. O trabalho de grupo foi realizado com êxito.

Marcelo Rebelo de Sousa: “Há duas características do relacionamento que são um bocadinho diferentes com o que aconteceu com os meus antecessores e com os antecessores do senhor primeiro-ministro: um é que não há papéis nas reuniões de trabalho nem nas audiências com o senhor primeiro-ministro.

António Costa: [enquanto fecha a pasta]: “Vou já fechar isto.”

Marcelo: [Enquanto aponta para o próprio papel]: “Este aqui foi por vossa causa e eu também foi para não me esquecer do nome dos países. Não há nem convocatória, nem ata, nem registo magnético, nem eletrónico.”

O Presidente diz que uma das duas características que distingue as reuniões que tem com António Costa é não ficar nada registado, quando Cavaco Silva, por exemplo, registava tudo. O que Marcelo quer dizer é que nunca há provas do que um e outro discutem, pelo que será sempre a palavra de um contra o outro a contar a história de cada reunião de ambos. Enquanto descrevia este secretismo das reuniões, António Costa tinha uma pasta com uma folha rabiscada e, na brincadeira, disse que ia já guardar tudo para não contrariar a tese do Presidente. Que logo retorquiu que também ele tinha, desta vez, um papel com o nome dos países com os quais Portugal tem de preparar visitas de Estado. Mas era uma exceção que faz a regra. E continuavam cúmplices.

Marcelo Rebelo de Sousa: A segunda questão é: acha que os factos esperam por segunda-feira? Não esperam! Questões como uma força nacional destacada, um problema financeiro importante, uma questão de natureza económica, tem de ser tratado no dia, na hora. É assim, a realidade de hoje não tem nada a ver. Foi governante, eu fui governante há mais tempo, o senhor primeiro-ministro, no início dos anos 80 era possível guardar, e eu guardei, num cofre, a fixação de um teto salarial e o diploma esperou não sei quanto tempo até ser divulgado. Isto hoje era impossível. É um problema de fuga de informação. É que a aceleração do tempo era tal, que não fazia sentido. Portanto, ter responsabilidades políticas hoje implica um ritmo completamente diferente e uma diversidade de problemas que não havia. Mas há hoje.

A segunda grande diferença que Marcelo aponta à relação que tem com Costa relativamente ao que acontecia com os respetivos antecessores, é que falam praticamente todos os dias. O que acontece por chamada telefónica. E aí, sim, há registos. O Presidente fez questão de lembrar que, quando era governante do Executivo de Pinto Balsemão, no início dos anos 80, conseguia guardar informação. Com o ritmo atual, isso torna-se impossível, o que obriga ambos a manterem permanente contacto. As histórias de fugas de informação — contadas em livro — que se conhecem de Marcelo no Governo de Francisco Pinto Balsemão são um pouco diferentes.

A tensão da habitação e o ‘murro’ na mesa

A habitação era o motivo da discórdia antes da cimeira, em particular o facto de Marcelo Rebelo de Sousa ser contra o arrendamento coercivo. Os jornalistas questionaram então o Presidente sobre se iria vetar essa matéria.

Marcelo Rebelo de Sousa:Mas há alguma novidade? Eu quando saí tinha promulgado todas as leis. A última das quais a Agenda do Trabalho Digno. A última das quais, aproveito para explicar que uma razão que também pesou na promulgação, logo que possível, foi o facto de verdadeiramente haver um consenso envolvendo quem votou a favor e quem se absteve. Portanto, foi um setor parlamentar muito restrito que votou contra a Agenda do Trabalho Digno.

O Presidente começa por desconversar e dizer que não tinha diplomas para promulgar quando saiu de Belém. Questionado sobre o arrendamento coercivo, acabou por deixar um aviso a António Costa: para que aprove leis, como a Agenda do Trabalho Digno, é preciso um maior consenso. Ou seja: se só o PS estiver isolado a votar a favor, é mais difícil haver promulgação. É também um recado para o primeiro-ministro: se quer que o pacote “Mais Habitação” seja aprovado, tem de tentar um consenso mais alargado.

Entretanto, Marcelo começa a ficar impaciente e, após olhar para o relógio, vira-se para alguém na assistência e diz: “Deve estar a acabar”. Referia-se à sessão da cimeira que ainda decorria e temia não chegarem a tempo para a votação. Acontece que era a vez do primeiro-ministro falar sobre habitação. Algo de que António Costa não abdicou.

António Costa: Já tive oportunidade de dizer na Assembleia da República esta semana: o conjunto de medidas que estão em debate público, que termina no início da próxima semana. O Conselho de Ministros voltará a discutir o conjunto das opiniões que têm sido dadas, os contributos que chegaram, as propostas de aditamento que surgiram no próximo dia 30 e só nessa altura é que apresentaremos então o diploma para uma proposta de lei que seguirá para a Assembleia da República ou uma matéria de lei que possa ser tratada por via do Decreto-Lei que, nesse caso, será enviado para o senhor Presidente da República, nas competências próprias do Presidente da República.”

Costa volta a deixar claro que o momento de intervenção do Presidente é quando lhe chegar um Decreto-lei do Governo ou uma proposta de lei da Assembleia da República. Só aí é que o chefe de Estado deve intervir. E não na fase atual, em que ainda não há propostas finais. Fica dada a indireta.

Marcelo prossegue impaciente com o avançar das horas e interrompe: “Está o último orador a falar e temos de votar.” Costa resiste continua a responder sobre habitação. Está embalado e imune à pressão do Presidente.

António Costa: Quando vamos a debate público, assumimos o pressuposto de que, do debate, podem surgir alterações. Alterações no sentido de retirar coisas, acrescentar coisas, ou explicar melhor coisas que estão e regulamentar melhor coisas que estão. É o debate público. Neste caso há largas de dezenas de contribuições — designadamente do Presidente da República, mas também outras, pareceres escritos da ANMP, vários municípios, várias contribuições, nós vamos ponderar naturalmente tudo para assegurar tudo o que é fundamental: maior apoio às famílias, objetivo fundamental; e mais habitações acessíveis para os portugueses e há vários caminhos para o fazer.”

O primeiro-ministro continua a dizer que a procissão ainda vai no adro. Que, até apresentar as medidas finais, vai ponderar as “largas de dezenas de contribuições”, incluindo aquelas que fez Marcelo Rebelo de Sousa. Mesmo que, minutos antes, tenha lembrado o poder constitucional do Presidente — de intervir após o diploma estar finalizado — admite que vai considerar para as medidas finais o que diz o chefe de Estado. Até porque o veto político ou o envio de algumas normas para o Tribunal Constitucional está em cima da mesa.

António Costa ainda falava e Marcelo, desesperado pelas horas, teve de agir. O Presidente da República bateu mesmo na mesa e com a palma da mão levantou-se e terminou a conferência de imprensa: “Ora bem, não leva a mal, mas é que está a decorrer a votação…” António Costa assentiu e levantou-se também, lamentando não responder a todos os jornalistas: “Tenho de seguir o senhor Presidente. Boa estadia…”

Estava terminada a história de uma segunda lua-de-mel entre órgãos de soberania.

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