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Duas ruas, dois candidatos
e uma eleição renhida.
“O nosso bairro
é um pequeno retrato
da América”

Interativo. Os subúrbios de Harrisburg, Pensilvânia, são das zonas mais divididas em todo o país nestas presidenciais. O Observador esteve no cruzamento entre duas ruas onde há de tudo, menos indecisos.

  

  

Truman e Bonnie vivem lado a lado e não podiam ter opiniões mais diferentes sobre o que se passa nesta eleição presidencial dos Estados Unidos da América. O primeiro, um veterano da II Guerra Mundial à beira de fazer 100 anos, lamenta o rumo do Partido Republicano e teme que a democracia esteja em risco se Donald Trump vencer; a segunda acha que é imperativo que tal aconteça, como mostram as bandeiras que tem ao longo de toda a fachada de sua casa, com a promessa “Ele vai voltar” e uma foto em larga escala do momento da tentativa de assassinato do candidato com a legenda “Lutem, lutem, lutem!!”

Estamos em Camp Hill (Pensilvânia), na rua Center Drive, que se cruza mais à frente com a Colgate Drive. É uma interseção que representa o empate técnico que as sondagens têm demonstrado ao longo dos últimos dias. Este pequeno bairro suburbano, de vivendas de tijolo espaçosas e relvados aparados, é um exemplo claro de como o combate político dos últimos dias se define porta a porta, casa a casa.

É um pequeno exemplo que ilustra uma tendência maior. Camp Hill pertence ao condado de Cumberland, uma das regiões na Pensilvânia onde, em 2020, o resultado foi mais renhido: 54,5% para Trump, 43,9% para Biden. O atual Presidente acabou por ganhar o estado da Pensilvânia pela margem mínima de 50%. Na Pensilvânia, nada está escrito em pedra no que toca a presidenciais. O mais pequeno detalhe pode ditar a vitória ou a perda dos 19 votos para o colégio eleitoral atribuídos por este estado e qualquer indeciso pode fazer a diferença.

Aqui, no entanto, não parecem existir muitos. Os moradores da Center Drive e da Colgate Drive que abriram a porta ao Observador, numa tarde de sábado, já têm o seu sentido de voto completamente definido. A amostra é clara: um empate, pelo menos técnico.

Clique no mapa para conhecer os vizinhos e as suas intenções de voto

Há eleitores como Bonnie, que estão com Trump até ao fim. Ao recordar a tentativa de assassinato do candidato em Butler, é taxativa ao dizer que foi “a mão de Deus” que evitou o pior. Há dois temas que mais a motivam a votar no republicano: a imigração e o aborto. Mas Bonnie considera-se uma moderada: “Não estou a dizer que as pessoas não deviam poder vir para este país. Mas há uns anos era preciso ser-se apadrinhado e vir trabalhar… Eu e o meu marido trabalhamos no duro”, explica. “Sou uma pessoa que pratica a caridade, ajudo os outros, mas essa é uma decisão minha. O governo não pode usar o dinheiro dos nossos impostos para distribuir por todos os outros.” Quanto ao aborto, mantém a mesma lógica: “Sou a favor, mas só até um certo ponto. Toda a gente tem direito a cometer um erro, mas tem de tomar essa decisão nas primeiras semanas, não pode ser no final do termo.” A nomeação de Trump de juízes conservadores para o Supremo Tribunal, que acabaram por reverter o Roe v. Wade (a proteção federal que legalizava o aborto a nível nacional), foi acertada para esta eleitora: “Ele devolveu o direito de decidir sobre isso aos estados.”

Na porta ao lado, Christian Truman não quer saber de nenhum dos temas em particular da campanha, porque considera que o voto em Trump representa um voto que põe em risco a república norte-americana. “Hoje, eu e o meu filho íamos a falar sobre isto no carro. Se Trump vencer, que tipo de governo teremos? Eu já sou velho, não tenho de me preocupar muito com isso, mas preocupo-me com a minha família e com o futuro.”

Truman considera que Kamala Harris é uma excelente candidata — “É uma das melhores promessas que já tivemos, tenho pena que muita gente não veja isso” —, mas está longe de ser um democrata acrítico. Nascido e criado no Kansas durante a década de 1920, quando chegou à faculdade assumia-se como republicano. Ao longo da vida, porém, foi mudando de opinião: “Franklin D. Roosevelt fez coisas incríveis, foi um grande Presidente que lidou com a Grande Depressão e com a II Guerra. Mas, na altura, eu não percebia isso”, nota.

Com 99 anos, Christian Truman conta já ter assistido a muitas fases da democracia. A possibidade de Trump voltar a ser eleito deixa-o preocupado.DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Hoje em dia, este antigo pastor presbiteriano está registado como eleitor democrata, mas considera que era importante que o outro partido estivesse mais próximo dos valores que defendia no passado e menos refém do movimento MAGA (Make America Great Again). “Somos um sistema de dois partidos”, nota. “Era importante que o Partido Republicano estivesse mais forte. Isto preocupa-me.”

Ao longo da Center Drive e, fazendo a curva mais à frente, da Colgate Drive, há opiniões semelhantes dos dois lados. Bob Dohman, que está a aproveitar a tarde de sábado para cortar a relva, assume claramente que vai votar em Donald Trump por uma razão: a economia. “Ele sabe lidar muito melhor com isso”, afirma. “Quando era Presidente, a inflação desceu, o combustível custava 2 dólares por galão [medida equivalente a cerca de quatro litros]. Vejam agora…” E ainda acrescenta mais uma razão: “Com ele não houve nenhuma guerra. Agora vejam no que estes nos meteram.”

Na ponta oposta do cruzamento, o casal Mielo concorda. Mas há um tema que os faz escolher Trump acima de tudo: a questão do aborto. “Somos cristãos e Trump vai honrar a nossa fé. Vai manter-se a favor da vida”, acredita Kathy, de 58 anos, que vai traduzindo as perguntas para o marido Darren, dois anos mais velho, que tem deficiência auditiva. Ambos demonstram reservas quanto à fiabilidade dos resultados eleitorais este ano, “como aconteceu em 2020”. “Não estou preocupada, mas não posso dizer que não me tenha passado pela cabeça”, confessa a mulher. “Deus no comando”, diz, garantirá que “tudo se vai resolver.”

Kathy e Darren Mielo votam em Trump porque acreditam que é o candidato que vai defender melhor os valores cristãos em que acreditamDIOGO VENTURA/OBSERVADOR

O facto de ter vizinhos com visões políticas diametralmente opostas não a incomoda de todo. “Dou-me tão bem com a minha vizinha do lado, que tem 95 anos, e é democrata!” O importante, sublinha Kathy, é o princípio fundador norte-americano da “liberdade”, que “nem todos compreendem totalmente”. Garante que aqui todos se dão bem: “O nosso bairro é um pequeno e bonito retrato da América.”

O democrata Jonathan Coldren, que vive mais ao fundo da rua, concorda. “Não falamos muito de política”, diz. É a estratégia que mantém a concórdia, explica este pai de cinco filhos que, à semelhança do vizinho Bob, está extremamente preocupado com a situação económica do país. “Espero que os impostos baixem, que os preços baixem… Tenho cinco filhos, mesmo com o meu salário e o da minha mulher é muito difícil ir ao supermercado”, confessa, à porta de casa. Lá dentro, alguns dos seus filhos estão sentados no sofá, a ver desenhos animados. Uma das mais novas acaba por aproveitar a tarde soalheira de outono e vem brincar para a rua.

Isso não significa, contudo, que Jonathan vá votar em Trump. Muito pelo contrário: “Biden foi bom a seguir ao mandato de Trump. É claro que a Covid complicou tudo e, por ter havido tanta negligência da administração Trump, ele teve de resolver muita dessa trapalhada”, diz este democrata assumido. “Biden foi um bom Presidente, mas há muita coisa que podia ter feito melhor.” E agora vale a pena votar Harris? “Ela vai ser muito diferente”, acredita.

Alguns dos moradores da Colgate e da Center não querem dar a cara e isso é transversal a apoiantes dos dois candidatos. Uma eleitora assumidamente democrata diz-se “envergonhada” pelo ataque ao Capitólio e mantém a esperança de que Harris governe para a classe média. Preocupada também com a questão do aborto, diz ter medo de uma vitória de Trump: “Ele é perigoso”, justifica. Num outro sentido, um jovem casal rejeita uma entrevista pelo facto de não prestarem “atenção à política” — o que parece ser contrariado pelo cartaz que têm no relvado, onde se lê “Trump-Vance 2024”.

Bonnie, a moradora que vive na casa onde o relvado e a fachada estão cobertos de bandeiras e cartazes pró-Trump, explica que existe algum voto envergonhado no candidato: “O meu marido vai a uma loja e leva um boné do Trump. E há sempre alguém que murmura “Boa!” Mas não querem dizê-lo em voz alta.” Para esta eleitora, é sinal de que, no dia 5, “pode haver uma surpresa” face ao que dizem as sondagens.

Bonnie não quis ser fotografada, mas aceitou que o Observador registasse os vários cartazes pró-Trump no exterior da sua casa. Num deles lê-se “fight, fight, fight!!!”. Traduzindo: “lutem, lutem, lutem!!!”DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Já o vizinho do lado, Truman, tem outra história a contar sobre um boné pró-Trump: “Um dos meus amigos com quem jogo golfe uma vez apareceu com um chapéu desses e eu disse-lhe logo: ‘Não falemos de política’”, conta, rindo-se. “Não oiço bem, mas às vezes oiço coisas que não quero.”

À beira de fazer 100 anos, o morador da Center Drive é um dos poucos que já votaram antecipadamente. E foi um voto convicto em Harris. Mas Truman Christian, que esteve a combater na Batalha das Ardenas, quer deixar claro que é “um veterano” que “ama o país”. “Sobrevivi à guerra quando achei que nunca iria sobreviver”, conta. Quando regressou, trazia um apreço redobrado pelo sistema político da América. “Sei as fraquezas da democracia, mas acredito na Constituição e na representação do povo. E gostava de assistir à sobrevivência disso.”

A intersecção da Center Drive com a Colgate Drive representa o empate técnico que as sondagens têm demonstrado ao longo dos últimos dias.DIOGO VENTURA/OBSERVADOR
 

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