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TikTok pró-Kremlin. Como trends fabricadas e influencers pagos transformaram a app num órgão de propaganda de Putin

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No dia 7 de março todos os conteúdos publicados no TikTok por utilizadores estrangeiros deixaram de ser visíveis nas contas dos utilizadores russos. A empresa chinesa que gere a rede social justificou a medida com a entrada em vigor da lei das “fake news” na Rússia, que prevê penas de prisão até 15 anos para quem partilhe “informação falsa” sobre a guerra na Ucrânia

ГОСУДАРСТВЕННАЯ ДУМА

ФЕДЕРАЛЬНОГО СОБРАНИЯ РОССИЙСКОЙ ФЕДЕРАЦИИ

Вводится ответственность за распространение фейков о действиях ВС РФ

Штрафы могут достигать полутора миллионов рублей. В случае если фейки повлекли тяжкие последствия, может грозить лишение свободы до пятнадцати лет. Также вводится ответственность за публичные призывы к введению санкций в отношении России

Duma
do Estado

Conselho Federal da Federação Russa

Entra em vigor a responsabilidade criminal sobre as "fake news" e desacreditação das forças armadas da Federação Russa

A multa pode chegar a um milhão de rublos. Caso as "fake news" tragam consequências graves, a pessoa poderá ser punida com pena de prisão até 15 anos. Entra em vigor, igualmente, a norma da responsabilidade criminal pelos apelos públicos em aplicar sanções contra a Rússia

Clique para traduzir

Segundo uma investigação do Tracking Exposed, antes de a limitação ser anunciada, o rácio de vídeos a favor e contra a guerra na Ucrânia no TikTok russo era equilibrado. Depois deixou de ser: 93,5% do conteúdo relacionado com a guerra é a favor da intervenção russa e só 6,5% é contra o conflito

Estes vídeos pró-Kremlin que têm sido publicados no TikTok são todos muito semelhantes, tanto na forma como no conteúdo

Krystyna Magonova, fotógrafa e instagramer ucraniana, foi uma das primeiras pessoas a reparar. A partir de Dnipro, de onde é natural, publicou um vídeo em que sobrepôs vários destes TikToks, em que influencers justificam a invasão da Ucrânia com o pretenso genocídio da população russa no Donbass por parte das tropas de Kiev.
A montagem já foi vista quase 700 mil vezes

“Misturei dois e até três vídeos ao mesmo tempo, para as pessoas, mesmo as que não entendem russo, perceberem que aquelas pessoas estão a usar palavras semelhantes”, explicou ao Observador. “O principal objetivo do vídeo era mostrar que tudo aquilo estava escrito — era propaganda paga e não as opiniões reais das pessoas”

Entretanto, Krystyna abandonou o país e encontrou refúgio em Lisboa. Veio sozinha. Em Dnipro deixou a família e o marido

Uma investigação da revista americana Vice descobriu uma “campanha coordenada” que usou anúncios na rede social Telegram para contratar influencers russos que publicassem no TikTok vídeos de propaganda a favor da guerra

Estes anúncios surgiram num canal do Telegram que já existia desde 2021 e que tinha mais de 500 membros. No feed eram visíveis anúncios antigos, em busca de influencers para campanhas publicitárias de empresas de apostas e de assistência financeira a estudantes, de apoio à vacinação contra a Covid-19, ou relativas à presença do país nos Jogos Olímpicos de inverno. Quando a revista Vice começou a fazer perguntas, o canal foi apagado

Em relação aos vídeos sobre a guerra, apesar de darem instruções aos influencers sobre o texto que deviam dizer, as músicas, legendas e hashtags que era suposto utilizarem e os dias e horas a que os vídeos teriam de ser partilhados, os anúncios não continham informação explícita sobre pagamentos — mas exigiam um número mínimo de visualizações. Influencers russos disseram à Vice que, por post, terão sido pagos entre 2 mil e 20 mil rublos — ou seja, entre 29 e 290 euros

#россия

#Rússia

#своихнебросают

#NãoDeixamosOsNossos

#лднр

#RepúblicaPopularDoDonbass

#донбасс

#Donbass

#МыВместе

#EstamosJuntos

#ВремяПомогать

#TempoDeAjudar

#RLM

#RussianLivesMatter

Quando o TikTok russo foi isolado do resto do mundo, a empresa chinesa que gere a rede social também anunciou que na Rússia passava a ser impossível partilhar live streams e publicar novos conteúdos. Através do Telegram, foram dadas instruções aos influencers contratados para contornarem as barreiras criadas pela aplicação

A 12 de abril, o TikTok revelou em comunicado novos dados sobre o que fez entre 24 e 31 de março para “proteger a comunidade” de utilizadores da “desinformação” sobre o conflito na Ucrânia

Apesar desse combate contra a desinformação, um artigo publicado pelo site de tecnologia TechCrunch a 13 de abril garantia que as contas de meios como a agência de informação russa Ria Novosti ou jornalistas como Margarita Simonya, a controversa diretora do canal RT, continuavam ativas e com conteúdos atualizados diariamente. Quatro dias mais tarde, os perfis já apareciam em branco

O que se mantém online são centenas de vídeos pró-russos, como os que uma investigação da Media Matters identificou entre 4 e 8 de março, fazendo uma pesquisa pela hashtag #RLM, “Russian Lives Matter”. E outros, como os de Natasha from Russia, influencer de São Petersburgo que tem mais de 323 mil seguidores e quase 7 milhões de likes no TikTok, e que continua a publicar diariamente

Foram três as trends pró-russas identificadas pela Media Matters ao longo de cinco dias em quase 200 contas. Uma delas é de uma influencer de beleza com três milhões de seguidores. Outra é de um comediante com 1,8 milhões de fãs. Nenhum deles tinha publicado conteúdos políticos antes. O facto de, para além de serem idênticos, terem legendas literalmente iguais fez com que os investigadores concluíssem que os vídeos resultaram de “algum tipo de organização”

Trend 1 - “Russian Lives Matter”

De joelhos, ao som da canção popular russa Katyusha, os influencers mostram à câmara um cartaz: "Russofobia, Donbass, discurso de ódio, cancelamento, Lugansk, sanções, guerra de informação, nacionalismo". Levantam-se num momento mais intenso da música e exibem a parte de trás do cartaz, onde pode ler-se “Russian Lives Matter”

Trend 2 - A Dança do Z

A coreografia é uma das favoritas do TikTok e a música, da dupla americana de hip hop Rae Sremmurd, também — mas os passos são alterados para incorporar, por duas vezes, um Z feito com as mãos, o sinal de apoio à intervenção russa na Ucrânia. A Media Matters identificou 108 vídeos desta tendência

Trend 3 - Verdadeira Mulher

O Z feito com as mãos volta a ser usado como arma de propaganda nesta trend, muda apenas a narrativa e o público-alvo. Só mulheres gravaram o vídeo, que insinua a diferença essencial entre as influencers normais — e os gestos que fazem com as mãos quando tiram selfies — e as “verdadeiras mulheres” russas — que põem os dedos em Z para a fotografia

Muitos utilizadores do TikTok perceberam o que estava a acontecer. Para além de terem criticado os influencers e de terem inundado as caixas de comentários a perguntar quanto é que o Kremlin lhes tinha pago, alguns fizeram vídeos a ridicularizar as trends

Com a ajuda de Natalia, que entretanto criou uma conta de TikTok no seu smartphone inglês para combater a propaganda e passar para o exterior o que se está a passar na Rússia, o Observador identificou outras 5 trends de vídeos pró-Putin

“No início, eles escolheram grandes criadores, pessoas com muitos seguidores e contas muito populares, mas os comentários a esses vídeos eram de pessoas a denunciá-los: 'O Kremlin pagou-te?', 'Quanto é que recebeste do governo?'. Acho que perceberam rapidamente que não estava a funcionar, que era demasiado óbvio, e tentaram formas mais veladas”

“Eles estão a escolher pessoas que vivem em cidades pequenas da Rússia, onde 50 dólares é muito, e dão-lhes a oportunidade de fazerem um TikTok a criticar a Ucrânia ou a apoiar a operação militar especial e eles fazem-no. Há um motivo para escolherem estas pessoas: parecem genuínas, tudo parece muito real. Se vires uma mãe com dois filhos pequenos que vive numa aldeia a publicar um TikTok a dizer que os ucranianos estão a matar todos os falantes de russo parece mais genuíno do que se tiveres uma blogger de beleza a dizer exatamente o mesmo”

Trend 4 - Passaportes

Em 2020, quando Alexei Navalny foi detido, tornou-se viral na Rússia um filtro de TikTok que permitia apoiar o principal opositor do Kremlin ou Vladimir Putin. Esse efeito está de regresso, com imagens não só do Presidente russo mas também de outros atores da guerra, como Ramzan Kadyrov, o Líder da República da Chechénia. Para além do filtro, para mostrar que apoiam a guerra, os influencers mostram o passaporte da Federação Russa

Trend 5 - Rússia e Donbass

Foi uma das trends “encomendadas” via Telegram. As instruções: filmar um vídeo em efeito espelho a dançar a música “Брат за брата”, “Irmão por Irmão”, do rapper russo-georgiano L’One. De um lado do ecrã deveriam escrever “Rússia”, do outro “Donbass”. Para além de baterem no peito, tinham de simular uma parte da música

Trend 6 - Rússia salva a Ucrânia

Desde 2014 que a Ucrânia, personificada por um rapaz vítima de bullying, é maltratada. Em 2022, a Rússia decide salvá-la. Todos os TikToks que replicam o argumento usam a mesma música: “Индиго”, da letã Dana Sokolova com o russo Skrudzhi

Trend 7 - A América é o Vilão

Depois de os grandes influencers terem sido acusados de fazer propaganda paga pró-Kremlin, começaram a surgir cada vez mais conteúdos feitos por “pessoas reais”. As diferenças são visíveis numa das trends mais recentes, em que se tenta fazer crer, à mesa da cozinha, que Rússia e Ucrânia são amigas e os americanos são os vilões

Trend 8 - Chorar a ver o filme Солнцепёк, “Luz do Sol”

“Солнцепёк”, “Luz do Sol” em português, é um filme de propaganda russo sobre 2014 no Donbass. Uma das trends mais recentes de apoio à Rússia consiste simplesmente em ver o filme em frente à câmara. E em chorar durante o processo

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Só no primeiro trimestre de 2022, o TikTok foi descarregado 3,5 mil milhões de vezes, tornando-se a aplicação com mais downloads em todo o mundo. Em Portugal, no início deste ano, havia 2,83 milhões de utilizadores de TikTok com mais de 18 anos. 59,3% eram do sexo feminino e 40,7% do masculino

Apesar de a Rússia não poder ver nada do que é publicado no estrangeiro, em sentido inverso a regra não é válida. O que significa que, se tem TikTok em Portugal, provavelmente já viu, ou pode ver em breve, um destes vídeos de propaganda pró-Kremlin

Reportagem
Tânia Pereirinha


Web Design
Miguel Feraso Cabral


Grafismo, edição de vídeo e animações
Ana Moreira


Traduções
Larisa Tovmasyan

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