A grande dúvida era se o fenómeno resistiria — fora da internet, primeiro, e fora do país, depois. Logo nos dias seguintes à revelação das canções que concorreriam este ano ao Festival da Canção da RTP, percebeu-se de imediato que a popularidade de Conan Osíris entre os jovens era especial. “Telemóveis”, um tema inusitado ali a meio caminho entre o fado, a música cigana e a eletrónica “chunga”, versava sobre “estragar o telelé” e sobre “partir o telemóvel/a tentar ligar para o céu”. Era pouco convencional, uma espécie de OVNI na música portuguesa moderna, para o bem ou para o mal. Talvez por isso, em Portugal rapidamente conquistou os emojis dos corações digitais e ascendeu ao topo das tendências do Youtube. Provocou paixões assolapadas, motivou ódios, mas começou uma caminhada rumo a Telavive. Esta terça-feira, a caminhada terminou abruptamente.

A expectativa vinha a ser alimentada há muito. Quase um ano antes de ser anunciado como um dos concorrentes ao Festival da Canção português, já a apresentadora da RTP — também da final do Festival da Canção e da anterior edição da Eurovisão, em Lisboa —, Filomena Cautela, sugeria, numa conversa descontraída na rádio Mega Hits, que Portugal só voltaria a ganhar a Eurovisão com Conan Osíris. Os restantes apresentadores concordaram e apoiaram a ideia em uníssono. Foi há 15 meses.

O episódio pode parecer pouco relevante, mas é sintomático da popularidade que o compositor, produtor musical e cantor português vinha ganhando bem antes do último trimestre, a ponto de ser falado como consensual numa das rádios juvenis mais mainstream do país. Dos nichos alternativos, Conan foi-se gradualmente aproximando do centro da indústria musical portuguesa. Das pequenas salas de concertos, chegou com estrondo aos media, fazendo capas de suplementos de jornais de referência, primeiro, e sendo entrevistado por Rita Ferro Rodrigues no Youtube e por Cristina Ferreira na sua nova casa na SIC, mais tarde.

No centro de tudo parecia estar uma certeza: Portugal já se tinha rendido a Conan Osíris (o que não era inteiramente verdade, bastando atentar na polarização das redes sociais). A Eurovisão, apologista do respeito pela diferença — desde logo de género e de preferência sexual —, abraçaria por certo a sua invulgar música. Era só uma questão de tempo.

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As expectativas não se confirmaram e os sinais sombrios começaram a aparecer nas últimas semanas. Outrora um dos dez favoritos à vitória no concurso, de acordo com as previsões das casas de apostas, Conan Osíris afundou-se nas “sondagens” nos últimos dias, saindo mesmo do top dez de favoritos da sua semifinal. Confirmando-se, a ausência deixá-lo-ia fora da eliminatória de sábado. E assim aconteceu.

Conan, o rapaz do futuro?

Conan Osíris é uma personagem mediática apelativa até pelas suas respostas e reações inesperadas — ainda esta terça-feira deixou desconcertada quase toda a gente em Tel Aviv quando falou numa marca de óculos, responsável por um acessório invulgar que (como habitualmente) o diferenciava esteticamente.

Porventura tentando evitar que fosse devorado pelo entretenimento televisivo (ou eurovisivo), seguramente sabendo que no ano anterior as vencedoras do Festival da Canção (Isaura e Cláudia Pascoal) acabaram em último lugar na final da Eurovisão, o músico entrou em semi-reclusão antes de ir para Israel, expondo-se tão pouco quanto possível. Em entrevista ao Observador, disse algo curioso para o justificar: “Agora vou desligar um bocadinho a ficha, já falei demasiado”.

“Agora vou desligar um bocadinho a ficha, já falei demasiado”. Uma entrevista em tom sério a Conan Osiris

Por mais que a delegação portuguesa na Eurovisão e Conan Osíris em particular nunca tenham colocado a fasquia alta nos resultados — foram sempre cautelosos no discurso—, as expectativas eram indiscutivelmente altas. Num vídeo recentemente publicado no Youtube, um dos elementos que integram o site especializado na Eurovisão, Wiwiblogs — muito respeitado por fãs e concorrentes —, fazia revelações curiosas a partir de Israel. Dizia, desde logo, que Osíris tinha aparecido chateado numa conferência de imprensa, queixando-se de que as suas exigências para luz e som não tinham sido atendidas pela produção. O mais curioso foi o que disse a seguir: que a delegação portuguesa na Eurovisão era sempre simpatiquíssima, que raramente se chateava, mas que estava “fula” (ou pissed, em inglês). Depois veio uma frase forte: “E sei que vieram para ganhar”.

Demorará algum tempo até que seja possível aferir os efeitos numa carreira de um resultado mediaticamente visto como um falhanço, no Festival da Canção da RTP (primeiro) ou no Festival da Eurovisão (de seguida). Pelo menos com este novo modelo da RTP, que trouxe a atenção à Eurovisão de volta e começou abençoado com uma vitória de Salvador Sobral. Terá afinal por acaso que o grupo D.A.M.A., dado como grande favorito à vitória este ano, tenha decidido escolher um intérprete para cantar a sua canção, não se expondo ao julgamento de júri e público, nacional e internacional?

Nos próximos dias, semanas e meses, Conan Osiris será confrontado com o facto de não ter passado à final do Festival Eurovisão da Canção. Repetidamente. Será até provavelmente lembrado por isso. O autor de “Telemóveis” parece estar já consciente, contudo, que o desconforto deverá ser passageiro. Ao Observador, em março, dizia: “A repercussão das coisas hoje em dia está muito na internet e todas as coisas da internet têm a sua efemeridade. Na internet hoje acontece uma coisa e parece que é a última a acontecer antes do apocalipse, mas passada uma semana já ninguém se lembra. As coisas têm a sua polarização mas é uma questão de prazo”.

Júlio Resende, pianista próximo do único português que já venceu a Eurovisão, músico que comparou Conan a Salvador Sobral e lhe chamou “artista forte” com “estilo muito singular”, teve palavras curiosas para comentar o impacto da vitória neste concurso no cantor de “Amar pelos Dois”. Disse no último inverno, em entrevista ao Observador, que Salvador Sobral ainda tem que construir “uma carreira distinta” nos “próximos anos todos, em que vai fazer centenas de discos”, e que é aí que se tem de “cimentar” porque “estes fenómenos de celebridade têm efeito rápido e desaparecem também rapidamente”.

Sobre Conan Osíris, Júlio Resende não disse algo de muito diferente: “O grande desafio não passa pelo consenso público ou pela Eurovisão, o grande desafio será o mesmo de todos os artistas: a dificuldade de fazer sempre algo original e diferente a cada gesto”. É o sucesso ou insucesso nessa tarefa, antevê o pianista que até tocou com Salvador Sobral e Caetano na última final da Eurovisão, que ditará se Conan Osíris será o “rapaz do futuro” que a RTP previu colocando o epíteto num documentário sobre ele. E se para Conan Osíris a Eurovisão acabou esta terça-feira, o futuro começa já.