Já está disponível nas plataformas digitais o disco Ngana Zambi. Trata-se do primeiro álbum criado de raiz — “do primeiro beat à última palavra” — pelo coletivo de rap Wet Bed Gang, no qual o grupo conta com um convidado especial: o histórico Bonga.

O álbum Ngana Zambi começou a ser pensado em 2018, um ano depois do EP de estreia Filhos do Rossi — uma homenagem a um dos fundadores do ‘movimento’ Wet Bed Gang, João Rossi — e foi o primeiro trabalho que Gson, Zara G, Kroa e Zizzy Jr. fizeram “todo de raiz”.

“É tudo original, tudo 100% nosso, desde o primeiro ‘beat’ à última frase”, disse Zizzy Jr. (Pedro Osório), em entrevista à agência Lusa. Até então, os trabalhos incluíam algumas músicas com “instrumentais da Internet”.

Os quatro cresceram juntos em Vialonga, concelho de Vila Franca de Xira, onde ainda vivem e têm um estúdio, e onde passam bastante tempo “sempre a trabalhar, a fazer coisas novas”.

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Os temas de Ngana Zambi foram criados em conjunto, a partir de ‘beats’ de vários produtores, como Charlie Beats, Holy ou Lazuli. “[Em 2018], tínhamos as músicas, o produto que importa temos quase sempre, mas depois tivemos de compilar as coisas, de modo a que fizessem sentido”, contou Zizzy Jr. à Lusa.

O álbum, com 14 temas, que tinha edição prevista para 2020, acabou por ir sofrendo algumas alterações, de 2018 até hoje: “Muita coisa que ia entrar saiu antes, como ‘single”, caso dos temas “Inveja” ou “Perseus”.

Através da música que fazem, os Wet Bed Gang gostam de transmitir “a verdade”, algo que “hoje em dia é muito fácil de se esconder, pela maneira como dá para manipular factos”, dizem.

“Claro que não é só isso, mas uma das coisas de que mais me orgulho é a maneira como nós não mentimos em nada, somos o mais verdadeiros e honestos possível com as pessoas, dizemos as coisas como são e quem gosta gosta, quem não gosta…”, referiu Zizzy Jr..

Em Ngana Zambi, os Wet Bed Gang rimam “muito sobre a atualidade”, tocando “em assuntos que não são confortáveis de se ouvir”. Já em termos sonoros, este álbum “é Wet”: “Quem é fã de Wet sabe que não temos um estilo de música, uma prateleira, fazemos o que nos sai da alma, e o álbum tem um bocadinho de tudo”.

“Tem a parte da revolta, tem a parte do amor, da consciência, de refletir sobre outro tipo de assuntos. O que eu amo neste álbum é que tem um bocado de tudo mesmo, dá para todas as famílias ouvirem, do mais velho ao mais novo”, disse o ‘rapper’.

O título do trabalho é uma expressão do ‘kimbundu’, uma das línguas de Angola, que é explicada logo na introdução pelo “grande Bonga”.

Zizzy Jr. considera que o cantor angolano “explica da melhor maneira possível, da maneira mais genuína” o conceito de Ngana Zambi, e “gostava mesmo que as pessoas fossem ouvir o álbum para perceberem”, mas acedeu a explicar à Lusa o significado da expressão.

“Ngana Zambi é alguém superior e é como o Bonga diz no álbum: não é necessariamente Deus ou algo ligado à religião, tem que ver com o mundo em si também, porque podemos ser protegidos pela nossa mãe, pelo nosso pai, é um protetor, um anjo da guarda”, descreveu.

A participação de Bonga não se limita ao início do álbum, a voz do cantor angolano vai surgindo entre os temas, como uma espécie de narrador.

Conseguir ter o ‘kota’ (expressão usada carinhosamente em Angola em referência às pessoas mais velhas) Bonga no primeiro álbum do grupo é “um grande orgulho” para os Wet Bed Gang.

“Convidámos o ‘kota’ Bonga para ir ao nosso estúdio, esteve lá connosco ‘super simpático’, ‘super acessível’, explicou-nos tudo, ajudou-nos, complementou muito bem o álbum”, contou Zizzy Jr., partilhando que o que sentiu “é algo difícil de explicar, porque vem muito para trás” dele.

Apesar de serem “miúdos a começar no caminho da música”, os Wet Bed Gang têm consciência que muito aconteceu antes deles “que merece muito respeito, muitas palmas, muitas vénias”. “O ‘kota’ Bonga é um grande exemplo disso, por tudo o que ele fez”.

Desde que surgiram, os Wet Bed Gang têm somado milhões de visualizações nos vídeos que partilham no canal de Youtube do grupo, que tem 480 mil subscritores.

“Devia ir” conta com mais de 40 milhões de visualizações, “Aleluia” e “Bairro”, cerca de 18 milhões cada uma, “iNrresponsável” mais de sete milhões e vários outros temas ultrapassam a barreira de um milhão, números fora do habitual para grupos portugueses.

O sucesso do grupo, “que as pessoas pensam que é mais repentino”, começou em 2016.

“Nessa altura o Zara e o Gson lançaram o ‘Não tens visto’, a nossa primeira música que bateu um milhão. Na altura bater o primeiro milhão já foi uma coisa do outro mundo, então foi uma escada, porque o ‘Não tens visto’ não bateu 40 milhões como a ‘Devia ir’. Foi uma evolução, como em tudo”, recordou Zizzy Jr.

O ‘rapper’ consegue perceber que haja quem pense que o sucesso do grupo foi repentino e se questione “‘de onde é que apareceram estes miúdos?'”, mas salienta que “houve muito trabalho para trás, muitos anos, muitas horas, que as pessoas não sabem”.

Desde que começaram, sempre foram independentes de editoras e distribuidoras e é assim que querem continuar a ser. “Cantamos o que queremos, quando queremos, lançamos o que queremos, quando queremos e o que é gerado pela nossa música é dividido entre os quatro de forma igual”, referiu.

Ao viverem da música dão continuação ao sonho e legado de João Rossi, que morreu em 2014 e faria hoje 35 anos. Ngana Zambi, uma edição de autor, é mais uma homenagem dos quatro ao ‘irmão’ mais velho que os incitou a começarem.

“O mais bonito disso tudo é que a capa do álbum é uma foto da filha do Rossi. É muito não só o facto de o Rossi ser um anjo da guarda para ela, mas o facto de ele a ter deixado cá, faz com que ela também seja um anjo da guarda para nós”, partilhou Zizzy Jr..

Quanto a planos para apresentarem Ngana Zambi ao vivo, não existem. “Provavelmente ainda não vamos tocar [ao vivo] este ano [por causa da pandemia da covid-19], estamos com essa coisa na cabeça já”, disse Zizzy Jr..

A última vez que os quatro subiram juntos a um palco foi em dezembro de 2019, em Angola. “Em Portugal, desde setembro de 2019 que ninguém nos vê [num palco], e este álbum era muito para isso, para lançarmos e irmos para a estrada, estar com as pessoas. Seja o que Deus quiser, mas já estamos com a mentalidade de que é mais um ano que não vamos tocar”, disse.

Apesar das dificuldades inerentes à Covid-19, Ngana Zambi sai na mesma: “Ouçam, curtam, desfrutem e depois um dia, se isto passar, cantamos”.