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Ele até pode ter um problema (ou vários), mas no fim continua a ser Jon Stewart

Este artigo tem mais de 2 anos

"The Problem With Jon Stewart" chegou à Apple TV+. É a série de quem tem carta branca para fazer o que lhe apetece. E neste caso, o que lhe apetece é mais descascar o mundo e menos fazer rir.

Jon Stewart é um marco geracional e é um daqueles casos que gera imitações de formato e tiques há mais de 20 anos
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Jon Stewart é um marco geracional e é um daqueles casos que gera imitações de formato e tiques há mais de 20 anos

Jon Stewart é um marco geracional e é um daqueles casos que gera imitações de formato e tiques há mais de 20 anos

É só justo para com o leitor que eu comece este texto com uma ressalva. Não sei se está familiarizado com o conceito, no seio de um casal, da “Lista”. A Lista é um breve apanhado de pessoas (geralmente figuras públicas inatingíveis) com as quais cada cônjuge está tacitamente autorizado a mandar a monogamia pastar. Calma, é apenas aquilo que se chama tecnicamente “um suponhamos”. Mas o Jon Stewart está na minha Lista há anos — há mais do que o homem com o qual efetivamente casei. Se eu não soar objetiva na análise da estreia de “The Problem With Jon Stewart”, que se estreia esta quinta, 30 de setembro, na Apple TV+, é porque efetivamente não o sou.

Jon Stewart é um marco geracional e é um daqueles casos que gera imitações de formato e tiques há mais de 20 anos. Se eu recebesse um euro de cada vez que numa reunião com um canal de televisão alguém me diz “é assim um programa tipo o Daily Show”, tinha o IMI pago. No que diz respeito à maneira como hoje em dia se faz humor de atualidade, do John Oliver ao Ricardo Araújo Pereira, Jon Stewart é o pai de todos, apesar de nem sequer ser o apresentador original do noticiário satírico (essa honra cabe ao desaparecido em combate Craig Kilborn). Jon não inventou o modelo em pastiche de imitar um telejornal, mas popularizou-o e definiu as regras não escritas do que o faz resultar.

Stewart abandonou o “Daily Show” já em 2015 (e deixou-o muito bem entregue a Trevor Noah), escassos meses antes de Trump se assumir como o candidato republicano às presidenciais de 2016. O seu olhar acutilante e ácido falhou-nos, assim, durante todo o polémico mandato. O comediante estava mais preocupado em dar de comer a póneis (abriu um santuário para animais), deixando assim espaço para Steven Colbert ou Oliver crescerem na reação à administração Trump. Também esteve fora de campo enquanto uma pandemia abria cisões e desigualdades. Estaria reformado de vez, fazendo stand up quando lhe apetecia ou aparecendo esporadicamente nos programas dos seus amigos/protegidos. Mas, chegados à reta final de 2021, eis que ressurge como uma das maiores apostas da gigante Apple – uma empresa de media muito maior do que a Comedy Central, que lhe serviu de casa anteriormente.

[o trailer de “The Problem With Jon Stewart”:]

A primeira grande diferença, sem ter de gastar mais do que escassos segundos a olhar para o ecrã, é que se acabou o fato e gravata e o estúdio que replica uma CNN de marca branca. O modelo estético, por certo gasto, é substituído por uma mesa de madeira — com vibe de sala de jantar de influencer beta –, e por um T-shirt e um casaco de ir à rua, que mais parece que está ali à espera do autocarro para Xabregas. Parámos de fingir que é um telejornal, mas os factos nunca tiveram tanta importância. Aqui, repetidamente, a análise tem primazia sobre as piadas. Nisso, talvez o sucedâneo mais parecido com este “The Problem With Jon Stewart” talvez até seja o muito nacional “Programa Cautelar” de Filomena Cautela na RTP.

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“The Problem With Jon Stewart” é descontraído e é ácido, mas talvez não seja bem um programa de humor — e a gestão de expectativas de quem vê ganha em estar ajustada a esse enorme detalhe. Começamos com imagens da reunião do apresentador com produtores, jornalistas e guionistas – não é um sketch a tentar ter imensa graça logo no arranque, são nacos reais da preparação dos programas que continuarão a pontuar os episódios. Segue-se um genérico no qual desfilam várias hipóteses de nomes para o programa (como “The Moneygrab With Jon Stewart”, numa boca ao facto de que pode estar aqui só para receber um chorudo cheque de Tim Cook).

O tema do primeiro programa é: os veteranos. Especificamente os graves problemas de saúde que têm, em consequência das queimadas de armas e restos mortais feitas nos seus campos de batalha. Na verdade, e ainda que o próprio Stewart não se aperceba, é um programa sobre as falhas de um país quando não existe um (mesmo que imperfeito) Sistema Nacional de Saúde, mas isso seria tema para outro texto.  O tema é duro, os relatos na primeira pessoa na mesa-redonda com doentes e viúvas são dilacerantes, as graças são poucas porque o tom geral é de que a questão é delicada. A entrega de piadas (expressão da gíria para o modo como um comediante faz as entoações de texto) continua lá, a agilidade mental de Stewart para o improviso na interação com convidados também, mas o clima é algo tenso e por vezes o público em estúdio nem ri. Em 44 minutos de programa é mais o chamado food for thought do que o riso – mesmo os sketches sobre o tema, um sobre como fazer uma queimada militar em casa e outro com o realizador de documentários Ken Burns – são curtos e parecem tímidos.

Jon Stewart não inventou o modelo em pastiche de imitar um telejornal, mas popularizou-o e definiu as regras não escritas do que o faz resultar

A verdade é que este é um tema que fala mais ao Stewart Ativista do que ao Stewart Comediante. Basta relembrar as suas declarações emocionadas ao Congresso quando o tema foram os seguros de saúde dos first responders do 11 de setembro, tema pelo qual se bate há quase duas décadas. Com a noção de que foi um arranque talvez inesperado para quem tem é saudades de o ver na cadeira do “Daily Show”, o apresentador acaba o episódio com piadas sobre a Apple TV+ (“vão é ver pedaços disto no You Tube, vocês sacam o Ted Lasso e nem saber como é que se faz a subscrição”) e desabafando com a sua equipa de que vai ser gozado pelos colegas (“vou chegar aos clubes de comédia e vão dizer ‘ai, chegou a Madre Teresa’”).

Do ponto de vista de quem está emocionalmente mais de fora destes temas (e com uma perspetiva não norte-americana), talvez os veteranos não tenham sido a melhor aposta para um primeiro episódio. O segundo tomo, desta vez sobre a noção de Liberdade (à boleia das medidas de combate à Covid-19, mas extrapolando para as realidades de países que vão do Egito à Venezuela), deu azo a um programa muito mais divertido, sem deixar de ter algum peso didático e provocador.

Não sei se “The Problem With Jon Stewart” tem, de facto, um problema. Parece-me só uma série de quem tem carta branca para fazer o que lhe apetece. E o que lhe apetece é recuperar o tempo perdido a descascar o mundo, mais do que fazer rir. O primeiro episódio, tal como está, talvez só convença os fãs inequívocos de Stewart. E não sei quantos somos a tê-lo na Lista.

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