Desamparo, descoordenação, cansaço. O choque frontal — e muito público — entre António Costa e Pedro Nuno Santos a propósito dos novos planos para o aeroporto de Lisboa, revogados em menos de 24 horas, veio acrescentar uma camada ao que já se comenta há dias, com preocupação, dentro do próprio PS: o Executivo dá sinais de uma fadiga e desorientação atípicas para um começo de legislatura, quanto mais de uma maioria absoluta, e António Costa parece mais dedicado aos assuntos europeus do que a coordenar o próprio Governo. Ironicamente, a polémica com Pedro Nuno acontece precisamente em dia de Conselho de Ministros… com Costa fora, em Madrid, na cimeira da NATO.

Na semana passada, quando António Costa chegou ao primeiro debate de política geral desta legislatura alguns socialistas estranharam o tom crispado. Outros nem por isso, porque já assumem o cansaço do primeiro-ministro que, apesar de ter estreado a maioria absoluta há três meses apenas, está em funções há quase sete anos. E sem mudanças de fundo em quem o acompanha do Governo. As ausências do primeiro-ministro, numa intensa agenda externa, as polémicas que surgiram e a falta de coordenação política no Executivo — que atinge agora um novo pico, com uma decisão sobre o novo aeroporto de Lisboa que parece ter sido tomada sem o acordo do próprio primeiro-ministro — deixaram os socialistas em estado de desamparo.

Não era sentimento que se esperasse no PS nesta altura. O novo Governo só tomou posse no final de março e agora tem uma maioria absoluta, que se esperava retirar pressão dos ombros de António Costa. “Nunca esteve tão pouco condicionado como agora. Nem pelo Presidente da República, nem pelos partidos. Esperava-se que fizesse coisas e de repente está tudo parado. Mesmo na saúde não se vê resposta por aí além”, comenta um socialista com o Observador.

Esta foi uma das áreas que rebentou, com a falta de recursos em várias serviços de urgência do país que obrigaram a encerramentos e a um plano de contingência para o verão. “O problema não é a Marta Temido mas o não termos conseguido ainda rever carreiras, reformar a gestão. As pessoas estão preocupadas com conseguir tomar medidas com celeridade para evitar mais situações difíceis durante o verão”, acrescenta um outro dirigente do partido.

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Outro ainda adianta que Costa apareceu “acossado” sobretudo por causa deste mesmo tema e com uma ministra ao seu lado que “tem sido de tal forma triturada, que se deteriorou”.  A avaliação negativa da capacidade reformista de Temido está longe de ser um exclusivo do deputado do PS Sérgio Sousa Pinto — que tanto irritou Costa. No entanto, nem todos se focam apenas em Temido. ” A responsabilidade não é só dela”, comenta um socialista que aponta também o dedo a Costa: “Não há um caso Marta Temido, há é uma letargia que toda a gente nota, um incómodo global, um cansaço do Governo. Quando há esse incómodo, as pessoas parecem perder o encanto”, adverte.

A impaciência com a revelação de uma veia reformista por parte do Governo é sentida por mais socialistas: “O PS vai ou não conseguir agora, com maioria absoluta, fazer as reformas que importam? Há uma maioria ao fim de seis anos e está tudo cansado. Há capacidade reformista?”

Curiosamente, uma dessas grandes decisões que se espera não desde o arranque dos Governos de Costa, mas há várias décadas, é a construção do novo aeroporto — mas, desta vez, quando finalmente pareceu haver decisão, ela apanhou o primeiro-ministro de surpresa e está a levar a oposição, da esquerda à direita, a falar em “caos” e até “pântano político”, com alguns partidos a pedirem já a demissão do ministro das Infraestruturas e Habitação.

Costa focado na Europa. Verão vai ajudar?

“Se formos a banhos viremos melhores?“, atira ainda outro deputado preocupado com esta incapacidade do Governo do seu partido em aproveitar o estado de graça da maioria. “É muito esquisito, parece fim de ciclo”, acrescenta. Outro socialista lembra, no entanto, que “Costa não está há três meses, são seis anos”, numa tentativa de justificar o desgaste que se presencia. “É verdade que não se fazem reformas em três meses ou seis anos, mas também não as vejo no horizonte“, adianta o mesmo deputado que deposita alguma esperança no pós-verão.

Também são notadas as ausências do primeiro-ministro neste arranque do seu terceiro Governo e quando tanto se falou na sua vontade de abraçar um cargo europeu, no ciclo que será lançado pelas Europeias de 2024. Mesmo nesta última semana, em que até quarta-feira esteve em Portugal, o primeiro-ministro esteve essencialmente voltado para esse mesmo plano externo, com a conferência dos Oceanos co-organizada com o Quénia que se realiza em Lisboa. E nesta quarta seguiu para Madrid para a Cimeira da NATO, onde estava quando a polémica com Pedro Nuno rebentou.

“O problema disto é que o primeiro-ministro anda muito atarefado a tratar de assuntos europeus e não há quem mande no Governo. Não há coordenação política”, atira um dos socialistas já citado que aponta a necessidade de Costa “se focar aqui rapidamente ou ter alguém que conheça o terreno a coordenar.” Com um diretor de comunicação que entrou em funções no início do mês de junho e vindo de outro meio, o ex-jornalista e empresário João Cepeda, Costa tenta resolver um problema que criou com a composição do seu novo Governo.

Até aqui, no Conselho de Ministros tinha tido sempre sentado o responsável pela coordenação política — que no seu primeiro Governo esteve nas mãos da secretária de Estado Adjunta do primeiro-ministro Mariana Vieira da Silva e no segundo a cargo de Tiago Antunes, que lhe sucedeu no cargo. Neste novo Governo, essa incumbência não seguiu para a ministra Adjunta Ana Catarina Mendes e a vertente de coordenação esteve destapada até à entrada de Cepeda — que ainda está a conhecer os cantos à casa.

Pelo meio meteram-se algumas crises, como a das urgências na Saúde, mas também o caso dos refugiados de Setúbal, ou as consequências da guerra para os aumentos dos preços e a pressão das greves e o Governo menos capaz de reagir como um todo, reagindo à desgarrada e com Costa pouco presente. Longe vai já o discurso apoteótico da noite da vitória eleitoral — e só passaram cinco meses.