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Como evoluiu o grande incêndio da Madeira.
E como foram chegando os meios

Em poucos dias arderam mais de quatro mil hectares. Mas, afinal, como e onde começaram as chamas e por onde foram passando? Os meios e os momentos-chave.

O incêndio que deflagrou na Serra de Água, na ilha da Madeira, ganhou muito terreno em poucos dias, trazendo à memória dos madeirenses outros anos de grandes fogos. As chamas percorreram dezenas de quilómetros de trilhos de difícil acesso para os bombeiros, obrigando a usar o único helicóptero de combate de fogos na região sempre que os ventos o permitiram. Foi uma semana de ventos fortes ventos fortes que, combinados com as temperaturas elevadas, não param de atiçar as chamas. Dias depois de ter começado na Ribeira Brava, o incêndio já estava em Câmara de Lobos e, aos bombeiros da Madeira, acabaram por se juntar elementos da Força Especial de Bombeiros e uma equipa dos Açores.

Nos primeiros sete dias de chamas — até às 12h de terça-feira, dia 20 — arderam 4.392 hectares, segundo os números apresentados pelo presidente do Serviço Regional de Proteção Civil (SRPC), António Nunes, com base em dados do Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais (Copernicus).

As causas do incêndio, que a Polícia Judiciária está a investigar, ainda não são conhecidas. Ainda assim, o presidente do Governo Regional apontou várias vezes para a hipótese de mão humana. “Esta situação de fogo posto, infelizmente, não se consegue controlar, é impossível. O fogo surgiu na zona alta da Serra de Água, uma zona completamente inacessível. Compete às autoridades averiguar”, sublinhou Miguel Albuquerque, que interrompeu as férias, no sábado, já as chamas lavravam há quatro dias, para acompanhar a situação no terreno.

A área ardida aumentou todos os dias, mas, ao contrário dos fogos de há oito anos na Madeira, em que foram consumidos 5.500 hectares de floresta, não há registo de vítimas mortais ou de danos em infraestruturas essenciais. Apenas seis pessoas (dois civis e quatro operacionais) receberam cuidados de saúde, entre elas uma bombeira açoriana que foi atendida no hospital do Funchal por exaustão. Mas, afinal, como e onde começaram as chamas e por onde foram passando?

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Quarta-feira (14 de agosto)

O incêndio deflagra e é mobilizado um meio aéreo

A Proteção Civil recebe um alerta de incêndio às 9h48, no concelho da Ribeira Brava. Pelas 14h45 o fogo progride “numa encosta de difícil acesso”, na freguesia da Serra de Água, agravado pelo vento forte. É mobilizado um helicóptero para auxílio dos seis operacionais que combatem as chamas.

Quinta-feira (15 de agosto)

Fogo continua a lavrar na Ribeira Brava e o meio aéreo é desmobilizado momentaneamente

Durante a noite o incêndio alastra para as zonas do Espigão e da Trompica, nas zonas altas de Ribeira Brava. Apesar de durante o dia manter duas frentes ativas, nenhuma habitação esteve em risco, segundo garantiu a Proteção Civil.

As autoridades reforçam os meios terrestres porque o helicóptero teve de abortar, momentaneamente, a missão, devido à força do vento, que inviabilizou as descargas de água. No pico do incêndio, estiveram no local 21 operacionais, apoiados por sete veículos, dois Polícias Florestais e dois Sapadores Florestais.

Sexta-feira (16 de agosto)

Fogo segue em direção ao Curral das Freiras e Albuquerque recusa apoio do continente

O incêndio continua a lavrar numa área “inacessível” aos meios terrestres na Ribeira Brava, mas a Proteção Civil esclarece que não há perigo imediato. No local está um veículo de combate a incêndios e três operacionais.

Durante o dia as chamas avançam para o Jardim da Serra e o Curral das Freiras, localizadas no município de Câmara de Lobos. À noite há duas frentes ativas, uma delas em direção a uma zona habitacional e são reforçados os meios (26 operacionais, oito veículos).

O governo da República oferece apoio para combate ao fogo, mas o presidente regional diz que de momento não é necessário, segundo disse à Lusa uma fonte do gabinete de Miguel Albuquerque, que negou as notícias.

Sábado (17 de agosto)

Albuquerque interrompe férias e aponta para fogo posto

Com três frentes ativas (Jardim da Serra, Curral das Freiras e Encumeada), o incêndio é combatido por mais de 100 operacionais de todas as corporações de bombeiros da ilha, apoiados por 37 veículos. Miguel Albuquerque interrompe as férias para acompanhar a situação e aponta o cenário de fogo posto. O vento forte impede o helicóptero de operar com a frequência desejada.

Durante a noite — entre sábado e domingo –, relata o Jornal da Madeira, foram retiradas cerca de 100 pessoas na freguesia da Serra de Água. Da Fajã das Galinhas, na freguesia de Câmara de Lobos, foram retiradas outras 60 pessoas. A maioria foi acolhida em casa de familiares e amigos, algumas foram alojadas em instalações municipais e outras, devido a problemas de saúde, foram levadas para unidades de saúde.

Domingo (18 de agosto)

Chegam reforços do continente, Albuquerque quer mais meios aéreos para região

Pouco depois da uma da manhã, 76 elementos da Força Especial de Bombeiros chegam ao aeroporto Cristiano Ronaldo vindos de Lisboa para ajudar a combater o incêndio. Há três frentes ativas: Curral das Freiras, Fajã das Galinhas e Serra de Água.

No terreno chegam a estar 120 elementos de todos os corpos de bombeiros, 43 veículos e o helicóptero. A situação “piora" na Serra de Água, com o fogo a chegar perto de habitações e obrigar à retirada de mais moradores. Miguel Albuquerque garante que não há vítimas e que nenhuma habitação ou infraestrutura essencial foi destruída. Dezenas de partidas e chegadas são canceladas no aeroporto da Madeira, devido ao vento forte – que também dificulta o combate às chamas.

Segunda-feira (19 de agosto)

Bombeiros dos Açores chegam à Madeira e o fogo é extinto na Serra de Água

De madrugada chegam à Madeira os 15 bombeiros prometidos pelos Açores. O comandante operacional regional da Proteção Civil da Madeira assegura que os fogos foram “reforçados com os meios necessários face aos locais a que é possível aceder.

Chegaram a estar três frentes ativas: Serra de Água, frente que acabou por ser extinta, e Encumeada e Paúl da Serra, estas últimas a causar maior preocupação numa altura em que o incêndio seguia para o município Ponta do Sol. Cerca de 200 bombeiros estiveram a combater as chamas e cerca de 160 pessoas foram obrigadas a pernoitar fora de casa.

Terça-feira (20 de agosto)

Um dia de novos reacendimentos

Pela manhã há cinco frentes ativas em áreas de difícil acesso, em três concelhos, mas as chamas lavram com fraca intensidade. Há um reacendimento na Serra de Água (Ribeira Brava). No último balanço da Proteção Civil, às 20h, o fogo afetava os concelhos de Câmara de Lobos e Ponta do Sol, com o foco “mais preocupante” no Curral das Freiras.

Quarta-feira (21 de agosto)

É ativado o Mecanismo Europeu de Proteção Civil

Durante a madrugada as chamas progridem de Curral das Freiras (Câmara de Lobos) para o Pico Ruivo, no concelho de Santana. Logo pela manhã o fogo no Curral das Freiras (Câmara de Lobos) foi declarado extinto, assim como as duas frentes que ardiam no concelho de Ribeira Brava.

O presidente do governo regional anuncia que chegaram mais 60 elementos da nossa força de intervenção e que foi ativado o Mecanismo Europeu de Proteção Civil.

Desde que os primeiros bombeiros foram mobilizados, pouco depois da 9h50 de dia 14, para um incêndio numa zona rural que progredia para uma encosta de difícil acesso, a Madeira esteve em alerta máximo. A Proteção Civil confirmou que em muitos locais a única solução foi deixar arder até que as chamas chegassem a zonas onde o combate já era possível ou para defender casas. “Por muito que custe e por muito que possa doer, principalmente aos madeirenses, isso é uma das possibilidades”, reconheceu esta terça-feira o presidente do Serviço Regional de Proteção Civil, António Nunes.

O cansaço foi crescendo entre a população, que com receio de ver as chamas chegar perto das casas foi fazendo a limpeza de terrenos junto às habitações. “Só ontem à noite consegui descansar um pouco, mas mesmo assim estive de vigilância. De duas em duas horas ia à rua verificar se havia algum ponto de incêndio ativo”, relatou à RTP uma moradora de Serra de Água, numa altura em que muitos criticavam a falta de meios no terreno. Ainda assim, as autoridades asseguraram que vários pontos da ilha foram “reforçados com os meios necessários e com o que os comandantes pediram”.

Desde 2018 que a região tem, em permanência, um meio aéreo operacional cujos custos são assumidos pelo Governo da Madeira. Além do combate a incêndios, o helicóptero também tem sido utilizado em operações de resgate.

“Aquilo que a região já investiu para ter o helicóptero a funcionar desde 2019 atinge já quase 13 milhões de euros”, alertou o secretário regional de Saúde e Protecção Civil, Pedro Ramos. Desde que o incêndio deflagrou e até à última segunda-feira, foram contabilizadas quase 30 horas de voo e mais de 160 descargas de água, revelou o mesmo responsável – que insistiu na ideia de que a região precisa de mais meios em permanência, que fossem “da responsabilidade do Estado português”. Uma opinião idêntica à do presidente da Assembleia Legislativa da Madeira, José Manuel Rodrigues, que no domingo defendeu que o Estado deve assegurar à região mais dois helicópteros.

Devido aos incêndios foram encerrados catorze percursos pedestres classificados e quatro áreas de lazer. Ainda assim, e apesar dos alertas de perigo, houve quem arriscasse aventurar-se pelos trilhos, segundo denunciou o presidente do Instituto de Florestas e Conservação da Natureza (IFCN) da Madeira, revelando que três pessoas foram sujeitas a uma coima por frequentar o percurso que liga o Pico do Areeiro ao Pico Ruivo — um dos mais frequentados na ilha.

Hospitalizações

  • 16 de agosto

    No decorrer da intervenção, um bombeiro sofreu um sofrimento ligeiro e foi transportado para uma unidade hospitalar, acrescenta a proteção civil
  • 18 de agosto

    Duas pessoas foram hospitalizadas devido a inalação de fumo no domingo, segundo avançou o Jornal da Madeira
  • 19 de agosto

    Uma bombeira açoriana precisou de assistência e foi transferida para o hospital do Funchal por exaustão
  • 20 de agosto

    Três bombeiros com "sintomas relacionados com mal-estar e indisposição”, tendo dois deles sido depois encaminhados pela equipa de saúde do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) para o Hospital Dr. Nélio Mendonça

Entre momentos de maior acalmia e muitos reacendimentos, foi ativado o plano de emergência da região e dos três concelhos mais afetados — Ribeira Brava, Câmara de Lobos e Ponta do Sol. Pelo meio foram-se multiplicando críticas à atuação do governo regional, com os partidos da oposição a denunciar um “elevado grau de negligência” e a “ausência de decisões atempadas”. O PS Madeira exigiu mesmo a criação de uma comissão de inquérito para “apurar responsabilidades políticas” nos incêndios, enquanto o presidente regional criticou os “abutres políticos” que se aproveitam das situações “para tirar dividendos” e descreveu como insuficientes os apoios dados pelo Estado às regiões autónomas.

Incêndios na Madeira trazem à memória os fogos de 2016

Incêndios 2016

Em 2016, consumiram a região, também durante o mês de agosto. Na altura, as notícias davam conta de um balanço de três mortos e 147 feridos, incluindo dois com gravidade. Centenas de pessoas ficaram desalojadas.

Em cinco dias, o fogo consumiu 5.500 hectares, como noticiou na altura a RTP. A Calheta foi a região mais atingida, tendo ardido 3.200 hectares, o que corresponde a quase um terço da área de todo o concelho.

Incêndios 2024

O incêndio deste ano já queimou 4.392 hectares até às 12h de terça-feira, segundo a Proteção Civil. Se para já o valor fica abaixo do de 2016, ainda poderá vir a superá-lo caso as chamas continuem a avançar.

As autoridades regionais da Madeira garantem que não há registo de vítimas e que nenhuma infraestrutura essencial foi destruída. Várias localidades tiveram de ser evacuadas e centenas de pessoas passaram a noite em abrigos improvisados.

Tudo começou com uma chama ateada numa zona de floresta nas traseiras de uma casa na freguesia de São Roque, no Funchal, pelas mãos de Paulo Gonçalves, na altura um jovem de 24 anos. Uma chama que rapidamente ganhou força e se propagou graças à combinação de temperaturas altas, tempo seco e vento forte que se vivia na Madeira em pleno mês de agosto de 2016.

“Naquele dia não estava em mim. Tinha bebido. Bebi um pedaço e tomei pastilhas, calmantes”, justificaria no primeiro interrogatório o homem responsável por dar início ao incêndio que destruiu uma vasta área florestal e provocou a morte de três pessoas, incluindo uma idosa acamada que se encontrava numa das casas afetadas pelo incêndio.

O incêndio deste ano ainda está a ser investigado, sendo que a informação de que se tratou de fogo posto foi transmitida por Miguel Albuquerque, sem que se saiba se as autoridades têm essa como principal linha de investigação.

Mas a memória dos dias de fumo e chamas que envolveram várias regiões da Madeira nesse verão ainda está bem presente. Centenas de pessoas viram-se obrigadas a deixar as suas casas, sem saber quando poderiam regressar. Muitos turistas foram também retirados de vários hotéis da ilha — um de cinco estrelas chegou mesmo a arder –, vendo defraudadas as expectativas de umas férias tranquilas. Dois hospitais foram evacuados e muitos doentes acabaram a dormir no chão de escolas, enquanto as autoridades improvisam abrigos em estádios de futebol e pavilhões para os desalojados. Uma realidade muito diferente da dos últimos dias.

Quando as chamas foram finalmente apagadas, a 13 de agosto de 2016, as contas foram feitas: três mortos, 147 feridos, cerca de 5.500 hectares de área ardida, três centenas de casas danificadas, um prejuízo de 157 milhões de euros, segundo as estimativas divulgadas na altura pelo governo regional da Madeira.

Hectares ardidos nos últimos anos

(Dados do INE e do Serviço de Gestão de Emergências do programa Copernicus)

As estimativas da Proteção Civil que apontam para uma área ardida de 4.392 hectares até terça-feira têm por base dados do Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais (Copernicus). Ao consultar o programa europeu esta quarta-feira é possível perceber que o número cresce a cada dia.

No sistema, aliás, surgem esta quarta-feira, no oitavo dia de incêndio, dois tipos de estimativas: através das imagens de satélite do SENTINEL2, que apontam para uma área ardida de 5103 hectares; e do sensor VIIRS, através do qual se estima uma área ardida de 8973 hectares.

Questionado sobre a diferença entre as duas estimativas, Domingos Xavier Viegas, do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais da Universidade de Coimbra, diz ao Observador que estão em causa formas distintas de calcular a área ardida. “Por vezes as estimativas que são feitas a partir de imagens de satélite consideram que tudo o que está dentro de uma linha que aparece como sendo uma área ativa está queimado e isso às vezes sobrevaloriza o valor da área”, refere.

O presidente do Serviço Regional de Proteção Civil (SRPC) da Madeira já tinha apontado para a mesma hipótese. “Talvez a confusão derive de uma avaliação feita pelos limites externos da área ardida”, apontou, explicando que no interior dessa área, “existem muitas bolhas de vegetação que não arderam”.

Domingos Xavier Viegas considera que para já não é tempo de discutir a dimensão da área ardida. “Creio que é cedo para estar a falar na área que se perdeu, ainda assim é um valor já bastante elevado para a Ilha da Madeira”, sublinha.

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