"Eles mataram-me em vida". O inferno nas Testemunhas de Jeová
O nome de Deus é Jeová.
Cristo é o Filho de Deus e é inferior a Ele.
Cristo morreu numa estaca, não numa cruz.
Deus eliminará o atual sistema de coisas na batalha do Har-Magedon.
Apenas um pequeno rebanho de 144.000 vai para o céu e governará com Cristo.
Satanás é o governante invisível do mundo.
Génesis 9:3, Levítico 17:14 e Atos 15:28,29
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José Felgueiras foi o primeiro: no passado dia 12 de janeiro registou em nome próprio, no site do Parlamento, uma petição para “Banir o culto Testemunhas de Jeová” do país. Referindo-se à organização, presente em 240 países e com mais de 8 milhões de praticantes — em Portugal serão cerca de 50 mil, repartidos por 647 congregações — como uma “seita” e alegando a violação de inúmeros “direitos fundamentais da nossa Constituição”, pediu a sua proibição sumária.
“Conheço pessoas que são Testemunhas de Jeová e cheguei a ir a algumas reuniões, levado pela curiosidade. Decidi que tinha de fazer alguma coisa quando percebi que aquilo não é uma religião, mas uma seita, com regras muito bizarras, que as pessoas de fora não conhecem”, explicou José Felgueiras, 34 anos, desempregado, ao Observador, já depois de a petição ter sido indeferida, sem qualquer debate e apenas 12 dias depois, pela comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Para o organismo, presidido por Pedro Bacelar de Vasconcelos, a apresentação da organização das Testemunhas de Jeová como uma seita “não pode representar uma verdade absoluta” e a tentativa de proibir uma religião, mesmo que assente no argumento de que essa religião viola direitos constitucionais, é ela própria um atropelo à dita Constituição — que assegura a “liberdade de consciência, de religião e de culto”, pode ler-se no texto do indeferimento.
Entretanto, menos de um mês depois, uma outra petição, desta feita aberta a assinaturas, foi publicada na Internet a pedir, além da “extinção da associação das Testemunhas de Jeová”, o “cancelamento da sua inscrição no registo de pessoas coletivas religiosas”. “A liberdade religiosa não permite tudo: há regras quanto ao discurso de ódio, por exemplo. É neste ângulo que a petição está a entrar, a lei da liberdade religiosa diz que o Estado pode recusar uma inscrição no registo de pessoas religiosas, entre outras coisas, por violação dos limites constitucionais dessa liberdade religiosa”, explica Ricardo Pimentel, 46 anos, guia de turismo, introduzido na religião aos 4, batizado aos 16 e formalmente ex-Testemunha de Jeová desde os 44.
Filho de uma fervorosa Testemunha de Jeová, Ricardo cresceu entre a comunidade, chegou a ancião (“homem experiente com boa espiritualidade que toma a frente na congregação e pastoreia o rebanho”, explica o site oficial das Testemunhas de Jeová] e casou com uma praticante. O filho que tiveram decidiu ser batizado logo aos 11 anos — mas foi por causa dele que o casal abandonou a religião. Tudo porque, depois de informar a congregação de que, em vez de invocar neutralidade religiosa para pedir o estatuto de objeção de consciência, ia marcar presença nas celebrações do Dia da Defesa Nacional, o rapaz de 18 anos foi dissociado da religião. “Quem é dissociado deixa de fazer parte da família. As Testemunhas de Jeová têm um ecossistema em que vão isolando o crente do não crente, a ostracização — e a pessoa chega a uma determinada altura da vida em que todos os amigos e familiares são Testemunha de Jeová, o que significa que fica absolutamente sozinha. Há pessoas que se aguentam e outras que se vão muito abaixo. É um abuso e uma punição que dura para a vida toda. Que viola o direito de não pertencer a uma associação”, explica Ricardo Pimentel.
Foi sobretudo por causa da ostracização que o ex-ancião submeteu a petição, em que denuncia “situações de violação de normas constitucionais no âmbito dos direitos, liberdades e garantias praticadas pela entidade colectiva que representa a comunidade religiosa das Testemunhas de Jeová em Portugal”. E onde reclama ainda que as “vítimas resultantes dessas violações” sejam ouvidas pela Assembleia da República.
Foi o que o Observador fez: para além de consultarmos inúmeros livros, revistas, panfletos e filmes da organização — incluindo desenhos animados dirigidos a crianças — falámos com dezenas de pessoas. Quatro delas, ex-Testemunhas de Jeová, deram testemunhos extensos sobre as respetivas experiências no interior da congregação. E revelaram aquilo por que passaram quando decidiram sair.
Todos descreveram o processo de desvinculação como uma espécie de “morte social”, imposta por regras rígidas e incentivada por toda a congregação — familiares próximos incluídos –, que não raras vezes leva a casos de depressão e de tendências suicidas. Vários aludiram a um caso, divulgado no final de 2017 em sites e fóruns de antigos membros da congregação das Testemunhas de Jeová, portugueses e não só: o que muitos viram como o possível suicídio de R.G., uma jovem de 20 anos, da zona norte do país, menos de uma semana depois de enviar, por e-mail, a carta formal que a desligou da religião que professava desde criança.
“Sair da congregação é pior do que ser expulso, a pessoa é encarada como alguém que não foi fiel a Deus e sofre consequências, sofre uma morte social. Todos os amigos e familiares são incentivados a cortar relações com ela”, explicou um ex-membro da congregação.
“Há meses, ela disse aos pais que já não acreditava e eles puseram-na fora de casa. Durante esse tempo, vários anciãos tentaram fazê-la regressar. Como não conseguiram, pressionaram-na para escrever a carta de dissociação, para formalizar a saída. Ela enviou a carta num sábado e suicidou-se de segunda para terça-feira, só foi encontrada dois dias depois”, acusou o antigo ancião das Testemunhas de Jeová.
Contactada pelo Observador, fonte da Polícia Judiciária descartou a hipótese de suicídio — morte por redução da taxa de glicose no sangue foi o que concluiu o relatório da autópsia de R.G.. “Ela faleceu de hipoglicemia, tinha diabetes e por alguma razão que ninguém entende descuidou-se e tivemos esta infelicidade”, garantiu um amigo próximo. “Desistiu de ser Testemunha, sim, foi uma escolha dela. Esses rumores vêm de gente mentirosa”, rematou, aludindo tanto às publicações sobre o assunto nas redes sociais, como aos ataques aos pais e à congregação.
“Sofria de diabetes e teve um ataque de hipoglicemia. Não tinha ninguém para a socorrer e faleceu sozinha. Agora na minha mente fica a questão: será que ela própria não provocou este ataque? O facto de estar sozinha poderá ter feito com que se descuidasse com alimentação, etc… o desânimo e a solidão por vezes tiram-nos a vontade de tudo. Seja como for, a meu ver as Testemunhas de Jeová continuam a ser em parte responsáveis por isto. Não tivesse ela sido expulsa de casa por causa de uma lei ridícula, e hoje, possivelmente, estaria ainda entre nós”, escreveu entretanto num dos fóruns de ex-Testemunhas de Jeová um utilizador não identificado.
De acordo com vários ex-membros da religião, ouvidos pelo Observador, são três os objetivos deste incentivo à “ostracização”: manter a congregação limpa de maçãs podres; fazer com que o dissidente se arrependa e regresse para junto de Jeová; e dissuadir outras Testemunhas de lhe seguirem o exemplo.
Vários vídeos disponíveis no YouTube e exibidos nos congressos internacionais das Testemunhas de Jeová dão conta disso mesmo. A história de Sonja Erikson, uma jovem de nacionalidade não revelada, foi contada em 2016, ao longo de três capítulos e com tradução para vários idiomas. Resumindo: quando decidiu trocar a religião pelo namoro com um colega de trabalho, Sonja viu-se renegada pelos amigos e pela família, que a pôs fora de casa e deixou de lhe atender sequer o telefone. A relação não correu bem e Sonja ficou sozinha até ao final do terceiro vídeo, altura em que, 15 anos depois, regressou à congregação e ao estudo da Bíblia — e, segundo o filme, à “verdadeira felicidade”.
Pelos outros membros da comunidade, pelos anciãos e pelos órgãos oficiais de comunicação das Testemunhas de Jeová — como as revistas Despertai! ou A Sentinela — os pais são incentivados a cortar relações com os filhos que abandonam a religião. Sem contemplações.
O exemplo a seguir deve ser o de Arão, irmão de Moisés, que quando viu os filhos Nadabe e Abiú serem executados por Jeová, depois de lhe terem “oferecido fogo ilegítimo”, também não se deixou abalar. “Por meio de Moisés, Jeová ordenou a Arão e seus filhos fiéis: ‘Não deixeis as vossas cabeças ficar desgrenhadas e não devereis rasgar as vossas roupas [em sinal de luto] para que não morrais e para que que [Jeová] não fique indignado contra toda a assembleia’ (Levítico 10:1-6). A mensagem é clara. O nosso amor a Jeová tem de ser mais forte do que o nosso amor a familiares infiéis”, pode ler-se na edição de A Sentinela de 15 de julho de 2011, citada pelo site extj.net.
“A minha vida acabou no dia em que saí. Tinha 20 anos. De um momento para o outro, os meus amigos, com quem estava todos os fins de semana, deixaram de me falar, mudavam de passeio se me viam. O meu avô, que era como meu pai, cortou relações comigo. Casou-se e eu não soube, em 15 anos vi-o duas vezes, quando foi à maternidade visitar as minhas duas filhas. Fiquei absolutamente sozinha. Durante uma semana, estive deitada no sofá e só me levantei porque precisava de trabalhar. Fiz terapia. Ser posto fora do grupo é dos maiores traumas que podemos ter. Por isso é que compreendo que haja gente que se suicide”, desabafa Ana Cláudia Sousa, 35 anos, ex-Testemunha de Jeová desde os 20.
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O corte de relações com quem sai é só uma das muitas leis impostas aos praticantes da religião, que são incentivados a dedicar a vida à pregação e a salvar o máximo de pessoas que conseguirem no processo. “Na mente de uma Testemunha de Jeová a organização representa Deus na Terra, portanto tudo o que ela defende é o próprio Deus, o senhor Jeová, que diz. A organização é uma espécie de arca simbólica e só os que fazem parte dela é que vão ser salvos no Armagedão, que é a guerra que Deus vai travar contra toda a humanidade que está contra ele”, explica um ex-ancião ao Observador.
Outras regras: não festejar aniversários, nem datas como a Páscoa, o Natal ou o Carnaval; não aceitar transfusões de sangue; não fumar ou tomar drogas; não abusar das bebidas alcoólicas; não jogar; não pegar em armas; repudiar todos os partidos ou organizações políticas; e não ter sexo fora do casamento — sendo que nem dentro dele são permitidas práticas como masturbação, sexo oral ou sexo anal.
“Por qualquer uma destas coisas pode ser-se expulso ou pelo menos punido, numa comissão judicativa, que é uma espécie de tribunal eclesiástico onde se resolvem todas as questões da congregação, sem recurso a autoridades ou tribunais. As punições são geralmente perdas de privilégios, como comentar artigos nas reuniões ou poder ir à pregação [conversar “com as pessoas sobre a Bíblia em todos os lugares possíveis: nas ruas, no comércio, em parques ou por telefone”, segundo o site das Testemunhas de Jeová]”, explica o mesmo ancião.
Todas as proibições inerentes à religião vêm de uma mesma fonte: a Bíblia — Velho e Novo Testamento. Na revista especial Testemunhas de Jeová — Quem são? Em que crêem?, editada em 2000 pela Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, o quartel-general da organização, nos Estados Unidos, há uma lista de 42 crenças da religião e respetivas passagens bíblicas que as consubstanciam. “Introduzir sangue no corpo pela boca ou pelas veias viola as leis de Deus”, justificada por Génesis 9:3, Levítico 17:14 e Atos 15:28,29, é apenas uma delas.
Há muitas mais. As Testemunhas de Jeová, por exemplo, não podem votar nem candidatar-se a cargos políticos — são assumidamente neutras. “Seguimos o exemplo de Jesus, que se recusou a aceitar um cargo político. (João 6:15) Ele ensinou que seus discípulos não deveriam ‘fazer parte do mundo’ e deixou claro que não deviam envolver-se em assuntos políticos”, explica o site das Testemunhas de Jeová.
Apesar disso, garante a mesma fonte, as Testemunhas de Jeová respeitam os governos. O que já não acontece quando se fala noutro tipo de organizações, como a ONU. Para esta religião, a ONU é nada menos do que a encarnação atual da “fera de cor escarlate do capítulo 17 do Apocalipse”, uma organização política que reflete o sistema político internacional e desonra a Deus. “A ONU foi formada para ‘manter a paz e a segurança internacionais’. Esse pode até ser um objetivo nobre, mas, ao prometer isso, a ONU desonra a Deus. Porquê? Porque Deus diz que apenas o seu Reino trará verdadeira paz e segurança”, explica o site oficial. Que nada diz sobre o facto de as Testemunhas de Jeová terem estado ligadas à organização, constando da lista de organizações não-governamentais reconhecidas, pelo menos entre 1991 e 2001, altura em que o caso foi revelado e confirmado pelas Nações Unidas.
Também não são permitidas dúvidas sobre a doutrina — “Dizem que a dúvida é a margem para o Diabo entrar, somos ensinados a não questionar nada”, garante uma ex-Testemunha de Jeová. As pesquisas na Internet ou leituras de obras que não a Bíblia ou as revistas da congregação são fortemente desaconselhadas.
O mesmo acontece com as idas para a universidade ou com as grandes apostas profissionais. “Dizem-nos que não devemos investir num mundo que tem os dias contados, mas sim na verdadeira educação superior, que é a que vai levar-nos à vida eterna. A verdade é que sabem que a partir do momento em que conhecemos pessoas fora da congregação é muito mais provável que comecemos a questionar”, desabafa Daniel, 34 anos, ex-Testemunha de Jeová há um ano.
Quem é quem nas Testemunhas de Jeová
Corpo governante – Grupo pequeno de não mais de 10 pessoas que supervisionam o funcionamento da Congregação das Testemunhas de Jeová em todo o mundo. Isso inclui as decisões sobre tudo o que é publicado ou ensinado; e a administração dos donativos recebidos.
Superintendente – Ancião responsável por supervisionar o funcionamento de um grupo de congregações.
Ancião – Cada congregação tem um corpo de anciãos, homens experientes e de percurso imaculado, maioritariamente casados, que desempenham o papel de pastores.
Servo ministerial – Aspirante a ancião, com privilégios de leitura nas reuniões nos salões do reino. Pode auxiliar o pastoreio das restantes Testemunhas de Jeová.
Pioneiro – De acordo com o site oficial das Testemunhas de Jeová, é um “evangelizador a tempo inteiro”. Pode ser auxiliar, regular ou especial, consoante o tempo que dedique à pregação porta a porta. Os auxiliares têm de fazer entre 30 e 50 horas/mês; os regulares 70; e os especiais 13o.
Publicador – Base das Testemunhas de Jeová. É alguém, batizado ou não, que “passa a palavra” de Jeová, vive de acordo com os preceitos da congregação e assiste a pelo menos três reuniões por semana.
Depois, garantem ao Observador várias ex-Testemunhas de Jeová, também há regras ou verdades que o eram e já não são. Ou vice-versa. Como o fim do mundo, que já esteve marcado em várias ocasiões mas ainda não chegou, e que os documentos emitidos a partir de Nova Iorque para as congregações de todos os países, garantem agora que afinal nunca foi previsto. As Testemunhas de Jeová é que terão percebido mal, alega a cúpula da organização — incluindo aquelas que, em 1975, venderam tudo e deixaram os empregos, porque vinha aí o Armagedão. “É ridículo, está escrito em Sentinelas e até há discursos gravados, mas eles dizem que nunca fizeram previsões”, acusa Ana Cláudia Sousa.
“As Testemunhas de Jeová acreditavam que em 1975 passavam 6.000 anos da existência da criação humana [contados a partir do nascimento de Adão] e que entraria o novo milénio sob a regência de Cristo”, explica um ex-ancião. A data foi anunciada em congressos em todo o mundo a partir de 1966 e publicada no livro Vida Eterna — na Liberdade dos Filhos de Deus. Mais do que nunca, era preciso intensificar o trabalho da pregação, para salvar mais e mais pessoas do fim. “À medida que o ano de 1975 se aproximava, muitas Testemunhas de Jeová começaram a despedir-se dos seus empregos (e a desistir das suas pensões), de modo a poderem devotar mais tempo ao ministério de casa em casa. Muitos venderam os seus lares e negócios, levantaram as suas apólices de seguro de vida, rejeitaram a educação universitária para si e para os seus filhos, e até cancelaram tratamentos médicos não-urgentes na expectativa ‘do fim’. Todas estas acções foram elogiadas pela Sociedade Torre de Vigia e louvadas pela organização perante as Testemunhas como ‘bons exemplos’ do que as ‘fiéis’ Testemunhas de Jeová deveriam ser”, descreveu uma ex-Testemunha de Jeová num dos sites que denunciam as práticas da organização.
Até a própria fundação nos anos 1870 da religião, de inspiração cristã e que leva à letra os ensinamentos da Bíblia, passou a ser atribuída a outro que não Charles Taze Russell, durante décadas considerado o pioneiro do movimento Estudantes da Bíblia, iniciado perto de Pittsburgh, no estado norte-americano da Pensilvânia — o nome Testemunhas de Jeová surgiu apenas em 1931 e foi cunhado por Joseph Franklin Rutherford, segundo presidente da Torre de Vigia. Hoje, a organização considera que o seu fundador foi o próprio Jesus Cristo. “Embora tenha tomado a dianteira na obra educativa bíblica naquela época e tenha sido o primeiro editor de A Sentinela, Russell não foi o fundador de uma nova religião”, pode ler-se no site oficial das Testemunhas de Jeová.
Donativos voluntários e o prédio vendido ao genro de Trump
O facto de Charles Taze Russel ter sido acusado de ser demasiado dominador, simpatizante da maçonaria e adúltero ajuda a perceber o afastamento. “Russell foi acusado pela esposa de infidelidade com uma criada jovem que tinham em sua casa — e o mais estranho é que eles tinham feito um pacto de celibato no casamento. Ela pediu o divórcio e o tribunal deu-lhe razão. Também promoveu nas páginas da Sentinela a venda de um trigo milagroso, que supostamente se desenvolvia mais rapidamente e em maior quantidade, isso também lhe trouxe péssima repercussão na época”, explica um ex-ancião das Testemunhas de Jeová.
“Eles regem-se pela Lei da Liberdade Religiosa, mas as Testemunhas de Jeová não têm liberdade nenhuma, é o medo do fim do mundo, é o medo das queixinhas, é o medo da expulsão… A lei diz que ninguém pode sofrer consequências por deixar uma religião — mas eu sofri! A lei também diz que entramos voluntariamente e conhecemos as regras quando o fazemos — mas é impossível, ninguém sabe tudo quando lá entra”, acusa Ana Cláudia Sousa.
Foi porque acredita que essa informação deve ser tornada pública, para ajudar quem está dentro da organização e quer sair mas sobretudo para alertar quem ainda está apenas a ponderar entrar, que Ana Cláudia Sousa aceitou contar a sua experiência ao Observador. Como ela, outras três ex-Testemunhas de Jeová fizeram o mesmo.
Contactado pelo Observador, o Betel de Portugal escusou-se a responder a perguntas, remetendo quaisquer explicações para o site oficial das Testemunhas de Jeová. Num e-mail assinado por Pedro Candeias, ancião e porta-voz da organização no país, fez ainda questão de assinalar as dificuldades por que os membros da congregação passaram ao longo de décadas em Portugal: “As Testemunhas de Jeová estão presentes em Portugal desde o início do século passado e atravessaram severos períodos de restrição da sua liberdade religiosa durante o quase meio século de existência do Estado Novo, tendo mesmo sido proscritas oficialmente nesse período. Com o Estado de Direito democrático resultante do 25 de Abril de 1974 têm usufruído de liberdade de adoração, e desde junho de 2009 que lhes foi atribuído o estatuto de Comunidade Religiosa Radicada, pelo estrito cumprimento da Lei de Liberdade Religiosa vigente em Portugal”.
De acordo com José Vera Jardim, presidente da Comissão da Liberdade Religiosa (CLR), afecta ao Ministério da Justiça, serão cerca de “76 ou 77” as comunidades religiosas com esse estatuto no país. Quando as Testemunhas de Jeová pediram a radicação, a CRL, à data presidida por Mário Soares, foi chamada a emitir um parecer sobre o assunto. “Nesse documento diz-se que as Testemunhas de Jeová estão na casa das dezenas de milhar no país, acredito que os números à volta dos 50 ou 60 mil correspondam hoje à realidade. Desde que sejam comunidades religiosas inscritas em Portugal, e que tenham uma presença social organizada e antiga — de pelo menos 30 anos no país ou de 60 no estrangeiro –, os pedidos são aprovados, o que lhes traz algumas vantagens, nomeadamente fiscais”, explica Vera Jardim ao Observador.
“As religiões são apoiadas pelo Estado — não para fazerem lucro, claro — porque são organizações que o Estado tem como positivas para a vida em comunidade, como as IPSS, por exemplo”, explica o presidente do organismo quando questionado sobre os motivos por que estas comunidades estão isentas da cobrança de impostos e do pagamento de IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis).
À pergunta sobre se existem processos pendentes sobre a organização, Vera Jardim garante também: não há nos registos da CLR qualquer queixa contra a atuação das Testemunhas de Jeová em Portugal. “Na verdade, não recebemos muitas queixas. Num ano de mandato tivemos umas seis ou sete, não mais. Houve recentemente uma reclamação de uma pessoa que dizia que tinha sido incomodada na zona da Alameda, por pessoas que estavam a fazer propaganda religiosa de forma muito agressiva, mas não identificava a religião em causa. Poderiam ser Testemunhas de Jeová ou não. Demos-lhe razão: há formas de proselitismo que são intrusivas e inadmissíveis. A lei diz que as religiões podem difundir as suas ideias, mas desde que não importunem outras pessoas.”
O que não vai contra a lei, assegura Vera Jardim, são algumas das mais polémicas posições defendidas pelas Testemunhas de Jeová, nomeadamente o ostracismo imposto a quem sai, o desincentivo ao estudo ou a objeção de consciência relativamente às transfusões de sangue ou ao serviço militar. “Podem ser práticas desaconselháveis, aliás, são práticas socialmente reprováveis, mas não mais do que isso. São coisas erradas, não crime. Confesso que não conhecia esse ostracismo, mas admito que haja outras religiões assim; até há países onde mudar de religião é crime. Tal como também há muitas religiões que desaconselham os estudos, porque o que interessa não é este mundo mas o que acontece depois da morte. Podemos não concordar mas vários milhares de pessoas revêem-se no ideário das Testemunhas de Jeová.”
Porque, apesar dos benefícios fiscais, as comunidades religiosas não estão obrigadas a ter contas públicas e porque os seus líderes não têm também de apresentar as respetivas declarações de rendimentos ao Tribunal Constitucional, como acontece com os titulares de cargos políticos e/ou públicos e IPSS, é impossível determinar o valor do património das Testemunhas de Jeová em Portugal.
De acordo com a própria instituição, os anciãos ou membros da Comissão da Filial não serão remunerados — nem em Portugal nem no resto do mundo –, e todo o dinheiro que a organização tem, e que lhe tem permitido construir e gerir “dezenas de milhares de congregações” e “filiais e gráficas em todo o mundo”, virá somente de “donativos voluntários”.
Vera Jardim, que no início do mandato recebeu uma “visita de cortesia” de dois membros da cúpula das Testemunhas de Jeová em Portugal, acredita que seja mesmo assim: “Recordo-me de que um deles me disse que era advogado e o outro que era economista ou qualquer coisa assim”. Já Ricardo Pimentel, ex-ancião da zona do Estoril e em tempos próximo da cúpula das Testemunhas de Jeová no país, diz que não será bem assim. “Os membros da Comissão da Filial são servos de tempo integral e vivem na sede, que fica em Alcabideche, com as respetivas famílias — mas não podem ter filhos, não há crianças no Betel. Ao todo vivem lá 80 pessoas, que formam a chamada família de Betel. Vivem de uma mesada, inferior ao ordenado mínimo, que a organização lhes paga, e tudo o resto têm de forma gratuita lá dentro: alimentação, serviços médicos e até barbeiro“, explica ao Observador. “A sede coordena Portugal, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. É a partir dali que é feita a distribuição de literatura, que chega em camiões já traduzida para português; que se organizam os congressos; e que saem as cartas e documentos com instruções enviadas dos Estados Unidos pelo Corpo Governante.”
Países que proíbem ou proibiram as Testemunhas de Jeová
Em 2017 o Supremo Tribunal russo baniu as Testemunhas de Jeová, que classificou como “organização extremista”, ordenou a confiscação do património e o encerramento do Betel de São Petersburgo e dos 395 salões do reino espalhados pelo território. Não foi o primeiro país a fazê-lo:
- Alemanha: entre 1933 e 1945, como se recusavam a fazer a saudação nazi, as Testemunhas de Jeová foram perseguidas e pelo menos 10 mil terão sido enviadas para prisões e campos de concentração;
- Canadá: “organização ilegal” e de “caráter subversivo” foi como as Testemunhas de Jeová foram declaradas a 4 de julho de 1940 por ordem do ministro da Justiça. A proibição manteve-se até 1943;
- França: durante a II Guerra Mundial a organização foi banida; entre 1952 e 1974 a publicação da revista Torre de Vigia foi proibida, por causa da posição da religião quanto ao serviço militar;
- Singapura: desde 1972 que as Testemunhas de Jeová estão proibidas, por serem contra o serviço militar obrigatório e por se recusarem, entre outras coisas, a cantar o hino nacional. As publicações da organização também estão interditas;
- Ruanda: desde 2015 várias Testemunhas de Jeová foram detidas por se recusarem a participar em patrulhas civis armadas como estipulado pelo governo. Outras foram demitidas de cargos governamentais por não quererem fazer o juramento à bandeira.
No Betel, além de gráfica, escritórios, refeitório e salão do reino, existe um bloco residencial, com 40 habitações, com quarto, sala de estar, casa de banho e cozinha. Cinco deles são ocupados pelos membros da Comissão da Filial. De acordo com várias ex-Testemunhas de Jeová ouvidas pelo Observador, farão atualmente parte da cúpula da organização em Portugal seis pessoas. Além do coordenador, que é um missionário estrangeiro, há cinco portugueses. Pedro Candeias é o responsável pela comunicação e pelo departamento de ensino, que trata da organização dos congressos; Joaquim Faria é o chefe do departamento de serviços, por onde passam todas as designações de anciões, territórios e congregações, bem como as saídas da organização; e a Raúl Josefino caberá assegurar a assessoria jurídica. Joaquim Pedro Alves e Alcides Marques serão os outros dois membros da comissão, mas o Observador não conseguiu apurar que tipo de funções desempenham. “Conheço-os a todos. Não me importaria de os ter como amigos. O problema é que a religião os faz fazer coisas monstruosas”, desabafa Ricardo Pimentel.
Será do património reunido à custa de Testemunhas de Jeová beneméritas, bem como dos proventos relativos aos imóveis da Torre de Vigia, que sairá a verba necessária para pagar as indemnizações que têm sido exigidas nos últimos tempos à organização em tribunal. Em novembro de 2017, por exemplo, foi vendido por 282 milhões de euros o edifício mais emblemático da organização, em Brooklyn, a um consórcio encabeçado por Jared Kushner, genro de Donald Trump.
Sobretudo nos Estados Unidos e na Austrália, são inúmeros os casos de abusos sexuais de menores cometidos na organização — e ocultados no seu interior. Em 2012, a congregação de Freemont, na Califórnia, foi condenada a pagar 22 milhões de dólares a uma jovem, então com 26 anos, que terá sido vítima de abusos por parte de uma Testemunha de Jeová quando tinha apenas 9. Em 2015, na Austrália, uma comissão criada para investigar acusações semelhantes provou que, desde 1950, tinham sido 1006 os abusadores sexuais de crianças detectados no interior da comunidade — e que nenhum tinha sido denunciado às autoridades. Já em novembro de 2017, no Reino Unido, foram também tornados públicos vários testemunhos de abusos sexuais de menores cometidos e ocultados dentro da organização.
Questionado pelo Observador sobre as queixas a propósito da forma como as comissões judicativas substituem os tribunais e as instruções para que todos os assuntos envolvendo Testemunhas de Jeová sejam resolvidos dentro da própria comunidade, incluindo os que podem configurar crimes, o Betel de Portugal não quis responder.
Leia a seguir os testemunhos ao Observador de quatro antigas Testemunhas de Jeová, que explicam o inferno por que passam os que decidem deixar a congregação.
Anónima
36 anos, afastada há 5 anos, desassociada há 1 ano
“Antes de eu nascer, os meus pais foram pioneiros especiais; andavam pelas zonas rurais do norte do país a angariar novos membros, a quem davam estudo bíblico, e em casa de quem iam ficando. Não trabalhavam, recebiam uma mesada, mas que não chegava para nada, se não fossem essas pessoas a ajudá-los, tinham até passado fome.
Sempre o fizeram de coração, acreditavam que o faziam para salvar os outros. E não decidiram deixar de ser missionários, tiveram filhos — eu sou a mais nova de três irmãos — e assentaram. Que é como quem diz: ainda hoje a minha mãe é pioneira regular, faz 840 horas de pregação anual; trabalha a tempo parcial para ter disponibilidade para isso.
A minha infância não foi muito normal porque o meu pai morreu quando eu tinha menos de 10 anos. À parte disso, não podia celebrar aniversários nem ir a festas e o meu núcleo era apenas o da congregação. Mas quando fazemos parte do processo desde sempre, aquela é a nossa realidade. Só comecei a questionar o que estaria a perder em relação aos meus colegas quando tinha uns 16 anos e estava na escola secundária. Apesar de sermos fortemente aconselhados e controlados de forma a não termos contactos com pessoas de fora, tive os meus namoricos escondidos e fui um bocado rebelde, mas sempre naquele conflito interno: por um lado pensava que não estava a fazer nada de mal, por outro pensava que estava a pecar. No fim, acabei o 12.º ano, comecei a trabalhar e arrumei as dúvidas para debaixo do tapete.
O meu irmão mais velho foi para a universidade, mas eu não. Porque não quis e porque também não tínhamos possibilidades — na minha altura, metade dos jovens ia, hoje é que se desaconselham cada vez mais os estudos. Dizem-lhes que vão estar expostos a más companhias e que vão desperdiçar tempo que pode ser dedicado à religião, mas claro que é tudo por uma questão de controlo.
Fiz um percurso exemplar: fui pioneira regular e casei aos 25 anos, virgem, com um servo ministerial que já estava na calha para ser ancião e que conheci no casamento de uns amigos também da religião.
Depois, há oito anos, quando tive o meu primeiro filho, comecei a ter dúvidas: tive um problema no parto, cumpri e não levei sangue, mas fiquei sempre a pensar em como reagiria se fosse o meu filho a precisar.
Um ano mais tarde, quando andava na pregação, apanhei um morador mais chateado: “Por acaso conhece a história do fundador da sua religião?”. Respondi que sim, por orgulho, mas aquilo mexeu comigo, ficou-me na cabeça. Claro que, como somos ensinados a não questionar nada — “A dúvida é a margem para o Diabo entrar”, é o que dizem –, voltei a atirar tudo para debaixo do tapete. Uma semana depois pus-me a pesquisar. Comecei na questão da política e da ONU, depois veio o resto e a pedofilia. Quando soube do encobrimento dos casos de pedofilia, arranjei subitamente a força de que precisava para fechar a porta.
Foram uns meses difíceis, ficava fisicamente doente só de pensar em ir às reuniões ou à pregação, deixei de ir. Mas o meu marido não compreendia — as Testemunhas de Jeová não têm permissão para pôr em causa, para questionar, para tentar ver mais além do que nos é dito. Isso é considerado falta de fé. Passaram-se meses até que ele me permitisse sequer partilhar o que me perturbava. Depois fez ele próprio as suas pesquisas e um ano depois afastou-se também da religião.
Uma grande amiga minha foi abusada pelo pai, tinha problemas a nível de rendimento escolar e foi ao psicólogo da escola, que acabou por deslindar o caso. Ainda foi envolvida a polícia, mas como a mãe não testemunhou a favor dela — disse que estava a inventar –, o caso não deu em nada e os abusos continuaram até à adolescência, quando ela resolveu sair de casa e afastar-se da congregação. Durante anos não a vi — “É uma má influência, não podes falar com ela” –, até que na idade adulta voltou e casou com uma Testemunha de Jeová.
Foi nessa altura que me contou o que lhe tinha acontecido, sem nunca se revoltar com a forma como as coisas foram resolvidas, culpava apenas o agressor. Quando soube de todos os casos de pedofilia encobertos em todo o mundo pelas Testemunhas de Jeová fui falar com ela, disse-lhe que não tinha sido a única, que era uma questão a nível internacional, partilhei com ela as minhas dúvidas, disse-lhe tudo o que pensava.
Soube, já depois de eu e o meu marido termos sido chamados às comissões judicativas, para nos expulsarem, que tinha sido ela a denunciar-me aos anciãos. Fomos lá para tentar minimizar a situação: como ausentes, já tínhamos perdido toda a comunidade, as pessoas já atravessavam para o lado de lá da estrada quando nos viam, mas pelo menos a nossa família continuava a poder falar connosco. Disseram-me que ou voltava às reuniões e à pregação ou era oficialmente dissociada. Foi o que aconteceu, voltar lá, jamais!
Tenho a minha família toda lá dentro, os meus irmãos e a minha mãe cortaram, ela nem sequer me cumprimenta, há um ano que não temos contacto.
É doloroso começar do zero. Os amigos que cresceram connosco e que frequentavam a nossa casa afastaram-se, passámos a ser má influência, ficámos sem ninguém. Os colegas de trabalho, com quem antes não queríamos qualquer tipo de contacto, são hoje um grande apoio. Continuamos a ter uma vida social ativa e agora temos tempo para nós e para a família — o tempo que antes passávamos na pregação.
Os meus sogros foram os únicos que não se afastaram totalmente: já não podemos comer juntos, mas eles continuam a querer ver os netos. Há sete meses cruzei-me com a minha mãe em casa deles e ela tratou-me pior do que a um estranho, não me disse nada, foi como se eu fosse invisível. Sempre achei que se me visse nunca me trataria assim, como um cão, mas serviu para cortar o cordão umbilical que ainda me prendia a ela.
O fanatismo deixa as pessoas cegas e sem coração. Já estive do outro lado, já tratei pessoas assim. Sei que na cabeça deles acham que estão certos.”
Daniel
34 anos, desassociado há 1 ano
“Nasci gay: com 5 anos, pedi o meu vizinho de cima em namoro. E nasci Testemunha de Jeová: toda a minha família era Testemunha de Jeová à excepção dos meus dois avôs, que não eram mas respeitavam, e quando eu tinha 1 ano o meu pai tornou-se ancião. Para mim, ter duas reuniões durante a semana e outra ao fim de semana era natural, comecei a ir de porta em porta aos 6 anos, não tinha natais, não ia a festas de anos, só podia brincar com as outras crianças da congregação, não havia cá proximidades com os miúdos da escola. Acreditava mesmo, não fui Testemunha de Jeová porque os meus pais quiseram, eu acreditava na doutrina, em Deus, na organização, na interpretação da Bíblia…
Na escola primária, na secundária e depois na faculdade: fui sempre posto de parte. Porque era Testemunha de Jeová e porque era gay.
Para as Testemunhas de Jeová os gays existem porque sim, não é uma escolha, é uma imperfeição como qualquer outra que, como tal, deve ser combatida, como o alcoolismo, por exemplo. Ou seja, podes ser gay, desde que não pratiques.
Apesar de saber que era pecado, quando tinha 16 ou 17 anos tive um namorico com um rapaz da congregação, foi com ele que tive as minhas primeiras experiências sexuais… Não foi fácil, vivi num conflito interno muito grande durante muito tempo, numa dicotomia sim/não, tudo nas Testemunhas de Jeová é sim e não ao mesmo tempo.
Como não era aconselhado ir para a universidade — não é aconselhado pensar — fiz um curso técnico-profissional. Mas mais tarde, apesar de os meus pais me terem avisado logo que não iam pagar, fui para a faculdade. No curso, conheci um senhor bastante mais velho que me disse: “Não é porque acreditamos que alguma coisa se torna realidade”. Só fez efeito dez anos depois, porque só saí efetivamente aos 30, mas a dúvida ficou ali e foi crescendo desde então.
Fiz o curso a trabalhar num call center e a ir à pregação e às reuniões. Era servo ministerial — existem os publicadores, que são as Testemunhas de Jeová normais; os pioneiros, que podem ser regulares, especiais ou auxiliares, consoante as horas que dedicam à pregação; os servos ministeriais; e os anciãos, que podem ser normais, superintendentes de circuito, membros da comissão da filial do país, ou do corpo governante, que está em Nova Iorque.
Fazia parte de uma elite dentro da organização, o meu pai era o ancião superintendente, foi presidente de várias congregações, o meu tio também era superintendente, o meu primo era secretário, eu fazia discursos, a minha irmã mais velha casou com um ancião — chamavam-nos a família real. Era esperado que também eu saísse de casa para casar e com alguém de uma das chamadas famílias espirituais.
Quando tinha 22 ou 23 anos os meus pais encontraram uma conversa que eu tinha tido com um rapaz no Messenger e confrontaram-me. A minha mãe disse-me que preferia ver-me morto do que na desaprovação de Deus. O meu pai não chegou a pôr-me fora de casa, mas o primeiro impulso dele foi esse. Antes já me tinham obrigado a fazer análises às hormonas, porque as pessoas diziam que eu tinha ar de gay. Como se a homossexualidade tivesse alguma coisa ver com hormonas…
Saí de casa aos 26 anos, depois de acabar o curso e de arranjar trabalho. Vim para Lisboa, para o Príncipe Real. Houve um superintendente de circuito que disse na congregação, na zona de Sintra, que em Lisboa só viviam os velhos e os homossexuais. E a minha avó veio um dia dizer-me que lhe tinham dito que eu estava a morar no “sítio dos homens sexuais barbudos”.
Mudei de congregação: ninguém me conhecia, vivia longe, não havia possibilidade de me controlarem. E descobri o Lux, o Trump’s e o Bairro Alto. Ao sábado à noite ia ao Trump’s e no domingo à tarde estava na reunião das Testemunhas de Jeová. Ainda achava que aquilo era a verdade, mas decidi que eu era como era e que não ia conseguir mudar isso — coloquei tudo nas mãos de Deus, meti na cabeça que era ele quem haveria de julgar-me.
Entretanto, o meu irmão, oito anos mais novo, que nunca tinha acreditado naquilo e estava numa de fumar ganzas e arranjar umas namoradas, foi trabalhar para a Suíça. Soube pelos meus pais, que me ligaram a chorar, que tinha sido apanhado a fumar e que havia uma comissão judicativa para tratar da expulsão. Disse-lhes sempre que ele nunca deixaria de ser meu irmão e também decidi que ia deixar de ir às reuniões. O meu irmão, com 22 anos, ficou completamente sozinho num país estrangeiro, porque toda a gente da congregação decidiu afastar-se dele — incluindo a minha irmã e o meu cunhado, com quem ele vivia e que o puseram fora de casa.
Para mim começou com uma questão doutrinal, que caiu por terra com umas pesquisas simples na Internet — a seguir foi tudo atrás. Na altura ainda acreditava em Deus, hoje, se for alguma coisa, sou agnóstico. Quando me afastei tive uma libertação enorme, foi uma explosão: não tenho de agradar a ninguém, não tenho de me negar, posso ser feliz!
Durante meses, fui acompanhado por vários anciãos, que me telefonavam para saber por que motivo tinha deixado de aparecer. Mas como vinha de uma pequena elite tive um tratamento mais suave, não houve logo uma comissão judicativa para me desassociar, durante dois anos consegui ficar só afastado e manter contacto com os meus pais, a quem entretanto confirmei, ao telefone, que era gay.
Foi surreal. “Pensávamos que era só uma fase, pensávamos que tinhas vencido isso”, disse-me a minha mãe. Chorou, chorou e chorou. No fim disse que continuava a amar-me. Passado um dia telefonou-me o meu pai: “Que conversa foi essa que tiveste com a tua mãe?! Que história é essa de seres homossexual?!”
Um mês depois estive em casa deles e disse-lhes tudo: “Sou gay desde pequenino, vocês não viram porque não quiseram, acreditei sempre que isto era a verdade mas percebi — por causa da questão do sangue, da pedofilia e da ONU, que sempre nos disseram que era a besta da revelação mas que afinal tinha ligações à própria organização — que isto não é a verdade. É só uma seita religiosa como outra qualquer”. O meu pai contou tudo ao ancião da minha congregação, que por sua vez falou com o meu primo, que me mandou uma mensagem a dizer que queria falar comigo — ou seja, fui convocado para a comissão judicativa.
Não fui, respondi-lhe também por e-mail:
“Ser-se Testemunha de Jeová, ou católico ou de outra qualquer religião é um modo de vida e de pensar. Não sou Testemunha de Jeová há muito tempo! Ou se é, ou não se é! Não existe católico não praticante. Ou se é, ou não se é! Ou é verdade ou é mentira!
Nunca senti necessidade de te dizer isto ou aos anciãos, pois não reconheço nenhuma autoridade em outras pessoas na minha vida!
Falei com os meus pais pois foram eles que me alimentaram, criaram e educaram. Foi uma conversa familiar que eles decidiram partilhar contigo. Tu sentes-te na obrigação de me ajudar. Acredito, sei, que o fazes com as melhores das intenções e com o melhor que sabes! Mas não vai acontecer. Não vou ser julgado por pessoas sobre a minha vida.
Não fiz mal a ninguém e não prejudiquei ninguém. É a minha vida. Batizei-me com 13 anos de idade. Não vou, com 33 anos, responder por uma decisão que tomei tão novo! E mesmo que me tivesse batizado com 30! Sou livre de mudar a minha vida sem ser prejudicado! Aliás, está na carta dos direitos humanos a liberdade de entrar ou sair de qualquer religião de forma livre. A organização das Testemunhas de Jeová obriga a família a cortar qualquer contacto. Lamento.”
Soube mais tarde que tinham anunciado a minha saída numa reunião. Aconteceu fez um ano no dia 18 de novembro. Desde então só tive contacto com os meus pais uma vez, porque lhes reencaminhei um email das Finanças que recebi, falámos ao telefone. Com o resto da família é igual. E com os amigos, atualmente só falo com duas pessoas. O amor só está correto dentro dos mandamentos do senhor Jeová.
Já estive lá dentro, senti o que eles sentem. O medo deles é superior ao amor. Têm uma dissonância cognitiva qualquer, lutam contra a própria essência do ser humano, que é ser feliz. O medo do julgamento, do fim, da desaprovação divina, é maior do que o amor que têm pelos outros — e por si próprios. Tudo o que existe fora da organização é mau, é de Satanás. E há uma estrutura que oculta os abusos sexuais, ainda agora a Australian Royal Commission provou que foram abafados casos cometidos por 1006 membros da congregação. Uma vez perguntei ao meu pai se ele denunciaria se tivesse conhecimento de alguma situação; ele respondeu-me que não, que não ia meter-se na vida privada de ninguém.
A ideia que a sociedade portuguesa tem é que as Testemunhas de Jeová são aquelas pessoas inocentes que lhes batem à porta para falar do fim do mundo. Não é assim: há nas Testemunhas de Jeová uma maldade e uma repressão enormes, acham que o sistema deles é superior a qualquer sistema humano, são macabros e criminosos. Eu tive de escolher entre a minha felicidade e a minha família, porque dali não há forma de sair bem. Eles dizem que não impedem ninguém de sair e realmente não o fazem, mas ficam com a família, com os amigos e muitas vezes até com o emprego de quem vai.”
António Madaleno
44 anos, afastado há mais de 10 anos, dissociado há um mês
“Nunca fui rebelde. Nasci na religião e nunca pus nada em causa. Até certa altura… Comecei o estudo da Bíblia em pequeno, tive lições de moral, na adolescência passei a fazer o estudo bíblico com um ancião e progredi; fui servo ministerial, fiz um curso de treinamento ministerial, passei dois meses no Betel [sede das Testemunhas de Jeová em Portugal, em Alcabideche] e acabei por me tornar ancião depois de casar.
Casei com vinte e poucos anos, virgem — na organização não há sexo pré-marital, por isso é que muitos acabam por casar cedo, sempre com pessoas da congregação.
Não tinha aquilo a que chamam vida dupla, levava a religião a sério. Até que a minha esposa ficou grávida e o médico quis saber como seria se houvesse alguma hemorragia grave durante o parto. Fiquei alarmado, com medo de que acontecesse alguma desgraça, e comecei a investigar.
Durante muitos anos, a organização proibiu o uso total do sangue, tanto dos componentes principais como dos secundários, qualquer Testemunha de Jeová que aceitasse uma transfusão era desassociada. A partir de 2000, começou a vir dos Estados Unidos a informação de que ficava à consciência de cada um a decisão sobre se queriam ou não receber transfusões dos componentes secundários do sangue, que no fundo são todos menos o plasma, as plaquetas e os glóbulos brancos e vermelhos. Ora… se a organização usa textos bíblicos como base, como é que de repente passa a dividir o sangue entre aceitável ou não?
Comecei a pesquisar e descobri grandes incoerências, era uma trapalhada, não batia certo. Para além desta interpretação literal e extrapolada relativamente ao sangue, de que devíamos abster-nos em absoluto e que depois passámos a ter apenas de nos abster em certas circunstâncias; percebi que nos anos 30 e 40 era dito que as vacinas eram um pecado aos olhos de Deus. Mais: até aos anos 60 ou 70, os transplantes eram considerados canibalismo.
Quando começas a desconfiar de que há falhas e incoerências numa doutrina, vais inevitavelmente chegar a outras coisas. E depois, quanto mais sobes numa escala hierárquica, mais te apercebes de outras situações, que não passam nem pela cabeça de quem está na base.
Mensalmente, são enviadas dos Estados Unidos para as filiais dos países e daí para os anciãos das congregações uma série de cartas, com coisas banais como anúncios de discursos ou recomendações até coisas que envolvem crimes, como abusos sexuais de crianças. Muita dessa informação não chega às Testemunhas de Jeová, fica apenas nas mais altas instâncias. E as cartas antigas são sempre rasgadas — para não deixar provas para trás.
Quando acontece alguma coisa, é tudo abafado, porque as instruções são mesmo essas: todos os casos têm de ser comunicados ao Betel, que então decide o que se faz. Invariavelmente, o caso é tratado no interior da congregação, em comissões judicativas, porque qualquer outro tipo de justiça não é reconhecida. Quem usa este tipo de práticas são as seitas destrutivas, que fazem de tudo para proteger a própria imagem.
Na mente de uma Testemunha de Jeová só há duas religiões: a verdadeira e a falsa. E a verdadeira é a que cumpre todos os critérios que a própria organização define, é um jogo de manipulação enorme e quem não está na organização está contra ela. As Testemunhas de Jeová prestam veneração e culto à organização e fazem tudo, tudo, tudo o que ela diz. Por isso é que há pais que deixam morrer os filhos.
Quando percebi tudo isto, decidi que não podia continuar, em consciência, a desempenhar o papel que tinha. Se deixo de acreditar, não posso continuar a ir para uma tribuna dizer coisas em que não acredito. Abdiquei. Mas não disse nada disto a ninguém, caso contrário haveria uma comissão judicativa e eu seria expulso, por apostasia.
Quando saí era muito querido na congregação, não saí mal. E não sofri lá dentro, a minha consciência é que não me permitiu ficar. Durante seis ou sete anos tive algumas visitas de anciãos mas nunca lhes disse o que pensava sobre o assunto.
Quando saímos, eu e a minha esposa não sabíamos o que fazer, até então vivíamos para a religião. Criei um blogue e um site, associei-me ao fórum português das ex-Testemunhas de Jeová e desde então venho fazendo trabalho de ativismo, para destapar aquilo que a organização quer tapar, como os casos de abuso sexual e de violência doméstica.
Para as Testemunhas de Jeová é mais fácil perdoar um pedófilo do que uma pessoa que discorde da doutrina, ao pedófilo basta dizer que está arrependido.
É só mais uma incongruência: a organização faz as coisas pela calada, só mostra o que lhe interessa, mente abertamente. Como o caso da ONU: para as Testemunha de Jeová, a ONU é uma expressão falsificada do Reino de Deus — que segundo as profecias messiânicas pretende estabelecer a paz no mundo –, é um instrumento satânico para enganar as pessoas. Uma investigação do The Guardian revelou que, apesar disso, as Testemunhas de Jeová estiveram durante mais de dez anos secretamente associadas à organização.”
Ana Claúdia Sousa
35 anos, desassociada há 15 anos
“Cresci com os meus avós paternos, que eram Testemunhas de Jeová há muitos anos. Tenho uma história atípica: de segunda a sábado era Testemunha de Jeová e ao domingo, dia que passava com a minha mãe, tinha folga.
A minha mãe nunca foi Testemunha de Jeová e nunca achou grande piada àquilo, mas também nunca percebeu a dimensão do mal que provocava. Já eu não queria desiludir os meus avós, que eram como meus pais, fui viver com eles quando tinha 4 anos, mas ao mesmo tempo não achava grande piada, sobretudo à parte da pregação. Sempre fui muito introvertida, invadir o espaço dos outros vai contra tudo aquilo que sou. Ter de ir de porta em porta, falar com as pessoas… era como se me estivessem a arrancar o coração pela boca.
Aos 14 anos saltou-me a mola e ganhei coragem para dizer que não queria mais. Foi péssimo: a minha avó chorou muito, parecia que lhe tinha morrido alguém; o meu avô só abriu a boca uma vez e foi para me acusar de ter andado “a vida toda a enganar toda a gente”. Ainda hoje me lembro do momento, da cara dele, do tom em que falou…
Eles tinham reuniões às terças e quintas e depois todos os sábados à tarde. Às tantas passou a ser muito esquisito continuar lá em casa e não fazer a mesma vida que eles, portanto fui viver com a minha mãe e passei a poder fazer tudo aquilo que alguém normal pode fazer na adolescência — inclusivamente começar a fumar.
Como ainda não me tinha batizado, pude manter o contacto com os meus avós, tínhamos uma relação normal. Até que, quando eu tinha 18 anos, a minha avó adoeceu: cancro do pâncreas já metastizado, não havia rigorosamente nada a fazer.
Apesar de eu ser uma miúda, foi a mim que o médico deu a notícia — o meu pai nunca foi muito presente, sempre tivemos uma relação um bocado conturbada. Como ele não podia tomar conta dos meus avós, eles mudaram-se para casa da minha mãe, que passou a ser um entra e sai de Testemunhas de Jeová; eles não são assim tantos e quase toda a gente se conhece, sobretudo na mesma zona, portanto a minha avó tinha visitas a toda a hora.
Apesar de ter saído das Testemunhas de Jeová eu achava realmente que aquilo era a verdade e que quem não era Testemunha de Jeová ia morrer — aliás, ainda hoje sou incapaz de fazer planos a longo prazo por causa disso, a programação foi de tal forma que ainda hoje não me vejo em lado nenhum daqui a 10 meses, quanto mais daqui a 10 anos. Na altura, aquilo foi um abalo brutal no meu mundo e, com a pressão da minha avó e das outras pessoas que lá passavam a vida em casa, voltei.
Na altura namorava, portanto passei a namorar à maneira das Testemunhas de Jeová. Ele não era Testemunha de Jeová mas aceitou e acabou por tornar-se um também. A minha avó esteve em nossa casa durante sete meses: morreu em janeiro e eu casei em março, ainda antes de fazer os 19, e batizei-me no congresso de junho no Estádio do Restelo. E, neste processo todo, ninguém se lembrou de me perguntar se eu me sentia bem, a minha mãe sempre respeitou muito as minhas opções — por isso é que hoje respeito muito pouco as opções das minhas filhas. Mas atenção: isto não é uma desculpa, assumo as responsabilidades de todas as decisões que tomei.
Um ano depois de me batizar, acordei um dia e pensei: “O que é que eu fiz à merda da minha vida?! O que é que eu fui arranjar? Gosto muito deste moço, mas não para me casar com ele!”. Enganei-me, essa é a verdade: estava de luto, a minha avó gostava muito dele, ele fazia tudo por mim, foi por isso que casei. Quando percebi isto, decidi que não podia continuar aquela vida, estava profundamente infeliz.
O meu avô era ancião e eu era pioneira regular, que é o máximo que uma mulher pode ambicionar nas Testemunhas de Jeová, fazia parte do grupo dos VIP. Não tinha qualquer intenção de sair, só não queria continuar casada, portanto, como sempre gostei de fazer tudo segundo as regras, depois de falar com o meu marido fui falar com os anciãos — eram dois, um na casa dos 30 e outro na dos 50, pessoas que me conheciam e que eu própria escolhi.
Durante duas ou três horas estivemos fechados numa sala. Foi a bomba atómica: acusaram-me de ser adúltera, porque traição era a única razão para alguém se querer divorciar; disseram-me que se o meu marido se matasse com o desgosto da separação a culpa era minha. “Ficas com culpa de sangue.” Depois pressionaram-me para assumir o que tinha feito — que era nada, foi uma decisão baseada em sentimentos, não em ações.
No meio daquilo tudo, eu, que tinha deixado de fumar quando voltei e há dois anos que não tocava num cigarro, fiquei tão enervada que comprei um maço de tabaco. Fumei-o todo de uma vez — e claro, alguém me viu e denunciou-me no salão do reino.
Eu queria divorciar-me e ficar sem privilégios, eles queriam dissociar-me. E finalmente puderam fazê-lo. No domingo seguinte fui à reunião e perguntei a um dos anciãos: “Fico ou vou?”. Ele respondeu-me: “A decisão é tua mas a nossa também já está tomada”.
Nesse dia, a minha vida acabou. Tinha 20 anos e todos os meus amigos deixaram, de um dia para o outro, de me falar, mudavam de passeio se me viam. Eles matam-nos enquanto somos vivos, eles mataram-me em vida. Não gosto nem de me lembrar das sensações que tive nessa época. De repente, a minha melhor amiga, amiga daquelas de chorar no ombro e de telefonar à mais pequena novidade, passa por mim na rua e não me fala — isto não se apaga, não há como menorizar isto. Tenho todo o respeito pela consciência de cada um, mas aquilo não é consciência, aquilo é o que os mandam fazer — sob pena de também eles sofrerem as consequências.
O meu avô cortou relações comigo, casou-se e eu não soube, em 15 anos vi-o duas vezes, quando foi à maternidade visitar as minhas duas filhas: as exceções para contactar dissociados da família são “assuntos importantes da vida familiar”, e isso é deixado ao critério de cada um. Ainda assim, fui sempre telefonando, demorei anos a aceitar que o amor era condicional, não queria aceitar que o amor do meu avô por mim estava condicionado à religião que eu professasse. Hoje está em processo de demência, já não executa funções de ancião, vou-me fazendo presente, telefonando à mulher dele, mas ninguém me diz nada quando há emergências, por exemplo.
Por incrível que pareça, só oito anos depois de sair, aos 28, é que comecei a pesquisar e a ler coisas fora das Testemunhas de Jeová, apesar de já antes existirem algumas situações que me faziam confusão, como o facto de a hemodiálise ser permitida e as transfusões de sangue não, quando há um texto bíblico que diz que o sangue quando sai não pode ser reaproveitado. Mas era absolutamente proibido consultar a Internet e não existia informação como hoje. Portanto, como boa Testemunha de Jeová, abafei as dúvidas dentro de mim e segui em frente.
Até começar a ler, pairou sempre no meu espírito a ideia de que tinha abandonado a verdade e a salvação, e vivi com uma culpa enorme por ter falhado. Em momentos de grande fragilidade pensei voltar, queria recuperar as pessoas, a minha vida estava ali. Felizmente, nunca o fiz; nunca me fez sentido correr as pessoas que fazem uma asneira ao pontapé, mas para eles isso é amor. Amam tanto que não me falam, para ver se eu volto.
Hoje percebo que as Testemunhas de Jeová são uma organização que fundamentalmente visa o lucro, como qualquer seita. O que não percebo é a manipulação, que gozo pode dar a alguém manipular os outros. Eles acabam com a vida das pessoas, sem nenhum objetivo maior.
Acho que deve resumir-se tudo ao poder que os homens gostam de ter uns sobre os outros. Acho que é uma cadeia de poder em pirâmide, em que cada um se alimenta do poder que tem sobre os outros.
Mas também acredito que, individualmente e na maioria muito larga dos casos, as Testemunha de Jeová são pessoas de bem que não sabem onde estão metidas nem têm instrução para pôr em causa o que lhes é dito como verdade.”
Texto Tânia Pereirinha
Ilustrações Raquel Martins
Web design e desenvolvimento Alex Santos
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