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Reconstituição. “Quando ele disse 'lutem, lutem, lutem', as pessoas ficaram loucas”.
Gino, o mini-Trump, estava lá no dia do atentado

Renae e o filho estavam atrás de Trump quando o ex-Presidente foi atingido em Butler. Leslie Osche tinha ajudado a garantir a segurança do evento. O Observador esteve no local e fez a reconstituição do ataque ao ex-Presidente.

  

“Ao início não percebi bem o que estava a acontecer. Ouvi ‘tum tum tum’ e depois pessoas a gritar ‘No chão! No chão!’ Foi assustador.”

Renae Billow não é uma novata em comícios de Donald Trump. Desde a campanha para as presidenciais de 2020, foi a mais de 12. Na maioria deles, levou consigo o seu filho mais velho, Gino Benford, de 11 anos. Este estudante do 6.º ano e jogador de hóquei leva essas idas a comícios a sério: vai como uma espécie de “mini-Trump”, um disfarce que inclui fato azul escuro, gravata vermelha, peruca loira e boné MAGA. Gino até imita com precisão as frases e os gestos do antigo Presidente, ora levantando os dois polegares em sinal de aprovação, ora dizendo “deixem os músculos Trump passar” para pedir licença a quem está à sua frente.

Renae Billow e o filho Gino estavam mesmo atrás do antigo Presidente no dia em que tentaram matar Donald Trump.DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Naquele sábado, 13 de julho, estava muito calor — “um pesadelo”, diz Gino, suspirando dramaticamente. Renae, o filho e duas amigas da família saíram da sua cidade de Johnstown, a cerca de duas horas de carro do local do comício, em Butler, para tentarem conseguir os melhores lugares possíveis. Foi o fato de Gino, garante esta moradora do estado da Pensilvânia, que lhes garantiu os melhores lugares, na bancada central, mesmo atrás do candidato — porque um membro da campanha viu a criança, achou graça e colocou-os ali. Foi um dia inteiro ao sol, mas, para esta família, valia a pena o esforço para voltar a ver Trump em pessoa.

Até que, pouco depois de o candidato subir ao palco, Renae e Gino ouvem o tal “tum tum tum” e escondem-se debaixo das bancadas. “Quando olhei, vi os agentes do Serviço Secreto em cima dele. Como os microfones ainda estavam ligados, conseguíamos ouvi-los a dizer ‘Estamos consigo’ e ele a responder ‘Deixem-me ir buscar os meus sapatos’. Antes de ouvir isso, achei que o pior tinha acontecido.” Enquanto a agitação decorria em Butler, o mais novo dos três filhos de Renae, Lucas, assistia pela televisão, em casa da avó, ao que estava a acontecer. Ligou à mãe, que lhe assegurou, ainda agachada debaixo de uma bancada, que tudo estava bem.

Veja neste mapa a reconstituição do ataque.
Clique em cada ponto para ver a perspetiva dos vários protagonistas

Trajetória da bala

Trump

Atirador

Snipers

O ataque visto da bancada

Gino e a mãe

Snipers filmados pelo público

Leslie Osche

 

 

Mais de três meses depois, a memória já não parece tão intensa. Na casa dos pais de Renae, em Johnstown, mãe e filhos já conseguem rir e falar de outros assuntos para além do que aconteceu naquele dia, quando um jovem de 20 anos tentou matar a tiro o ex-Presidente (e novamente candidato) republicano — algo que não acontecia desde que John Hinckley Jr. tentou matar Ronald Reagan, em 1981.

Enquanto Gino, ainda vestido em “modo Trump”, tenta contar as memórias desse dia, o irmão Lucas tenta chamar a atenção. Usando um taco de basebol como se fosse uma bengala, desce as escadas da entrada da casa gritando “Olhem para mim, sou o Biden, estou tão velho!”, enquanto simula que cai dos degraus. O irmão do meio, Jase, também tenta destacar-se, repetindo a rotina que já fez no passado de fingir que é um dos agentes do Serviço Secreto que protegeram Trump. O resto da família, que inclui a avó Patty, ri-se. É o momento de alívio cómico possível no meio da tensão.

Mas Renae e Gino regressam a ele para contar o que aconteceu depois de terem ouvido os tiros. “Trump levantou-se e disse ‘Lutem, lutem, lutem’”, conta Gino. “Até aí estava um silêncio de morte e lembro-me de que, quando ele o disse, as pessoas ficaram loucas.”

A mãe completa o retrato do momento: “Aí apercebi-me de que ele estava bem e que tudo ia correr bem. Nalgumas bancadas as pessoas começaram a rezar o Pai Nosso. A certa altura apercebi-me de alguma agitação na bancada direita, onde soube depois que o Corey Comperatore (a vítima mortal do ataque) tinha sido atingido e morto.”

Nesse momento faz-se um silêncio total nesta casa de Johnstown, onde as decorações de Trump estão por todo o lado — desde uma réplica em tamanho real do antigo Presidente, às fotografias da família em comícios, passando pelos cartazes e autocolantes pró-Trump. “Porque é que alguém faria isto?”, questiona-se Gino, em voz alta. A mãe, Renae, acrescenta de imediato: “A qualquer candidato, de qualquer partido?”

Gino e o irmão brincam na sala de casa junto a uma réplica em tamanho real do antigo Presidente Donald Trump.DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

As falhas de segurança em Butler e a incredulidade de uma comunidade

Naquela tarde de julho, Leslie Osche estava apenas umas bancadas acima de Renae e Gino. Residente de Butler toda a vida, é desde 2016 comissária de segurança do condado, eleita pelo Partido Republicano. A sua principal preocupação no início do evento era a de que todos os que se pudessem sentir mal com o calor tivessem assistência médica imediata. A possibilidade de alguém tentar matar o candidato parecia remota.

“Estamos nos terrenos do Butler Farm Show, um evento agrícola anual que costuma estar cheio de gente e que é um momento feliz”, explica a comissária ao Observador, enquanto percorre o campo aberto, com dimensões superiores à de um campo de futebol, enquanto recorda o que aconteceu naquele dia. “Pareceu-nos apropriado que o comício fosse aqui, numa comunidade onde há tantos agricultores e operários, que são a verdadeira classe média americana.”

Leslie Osche é comissária de segurança do condado onde tentaram atingir Donald Trump e não queria acreditar no que estava a acontecer. “Somos uma comunidade tão pacífica!” DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Mas enquanto a multidão aguardava pela chegada de Donald Trump, Thomas Matthew Crooks, de 20 anos, conseguiu ir por uma estrada lateral e subir ao telhado de uma empresa privada, a American Glass Research, que tem armazéns mesmo ao lado dos terrenos do Farm Show. Trazia consigo uma metralhadora, que usaria pouco depois para disparar sobre o candidato e a multidão, atingindo mortalmente Corey e ferindo gravemente outras duas pessoas da audiência. Pelo meio, atingiu o ex-Presidente numa orelha.

Agora, meses depois, a comissária Osche já consegue fazer uma reconstituição do que terá falhado naquela tarde. “Tivemos de trabalhar com as outras forças de segurança do condado e do estado para perceber o que se passou. Foram dois dias de telefonemas e reuniões para perceber”, confessa, suspirando.

“Há a sensação de que algumas pessoas o viram a subir ao telhado e apontaram. Portanto, parece que isso foi visto. Mas o maior desafio que enfrentámos foram as comunicações”, reconhece. “Podem ver ali as duas torres de telemóvel”, diz, apontando para as duas torres iluminadas que se erguem alto no meio do campo. “Foi parte do problema com o sistema de rádio, até porque a polícia estadual e os responsáveis do condado não funcionavam na mesma frequência.” Esse problema, assegura, foi alterado desde então.

Foi essa falha de comunicação que terá impedido os agentes no chão de comunicarem com os snipers que estavam colocados atrás de Trump, em cima dos três celeiros vermelhos mesmo atrás do palco. Quando finalmente os snipers perceberam o que se estava a passar, um deles atingiu mortalmente o atacante.

Mas não sem antes este disparar três tiros iniciais e depois outros cinco. “O meu primeiro pensamento foi ‘Não consigo acreditar que isto esteja a acontecer no meu quintal’ — que é, literalmente, porque vivo a menos de um quilómetro daqui”, confessa Leslie. “Somos uma comunidade tão pacífica!”

Nos primeiros momentos, a republicana disse ter temido que Trump tivesse sido morto. “Mas depois ele pôs-se de pé, levantou o punho e a multidão aclamou-o. Ele é um lutador, disso não há dúvida.”

O atentado contra Trump ocorreu nos terrenos onde anualmente se realiza o Butler Farm Show, um evento agrícola anual. Ao fundo, no topo dos armazéns de cor creme, foi onde se escondeu o atirador.DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

O atentado reforçou o apoio a Trump em Butler nos arredores: “Se ele leva um tiro por nós, vamos apoiá-lo”

O acontecimento traumatizou profundamente a comunidade de Butler, onde muitos ainda sentem alguns sintomas de Stress Pós-Traumático, revela Leslie Osche. Ela própria, diz, identifica alguns sinais em si — como no dia em que o marido matou uma mosca com as palmas das mãos e ela se sentiu imediatamente transportada para aquele dia ao ouvir o barulho alto.

Contudo, o atentado também serviu para solidificar ainda mais o apoio de que o candidato já gozava nesta região, assegura. O pequeno condado de Cambria, onde fica Butler, já era fortemente pró-Trump: o candidato venceu ali em 2016 e em 2020 com cerca de 66% dos votos em cada eleição. Osche diz que o atentado fez com que as pessoas ficassem “ainda mais determinadas”. “Se ele leva um tiro por nós, vamos apoiá-lo”, é o pensamento geral, afirma a comissária, garantindo que se alastrou até aos indecisos.

A duas horas do campo do Butler Farm Show, Renae e o filho Gino concordam. Esta família (mãe e avós), que durante décadas votou no Partido Democrata como a maioria das pessoas daquele condado, acabou toda por apoiar Trump em 2016 e manteve-se fiel desde então. Grande parte dessa mudança deve-se ao carisma do candidato, explica Renae: “Ele diz o que pensa, não se acanha. E o meu pai, em cujo julgamento eu sempre confiei, começou a falar dele e comecei a prestar atenção.” Desde então, a vacinação obrigatória contra a covid tornou-se um ponto que aproximou ainda mais esta delegada de ação médica do antigo Presidente. “Em 2020, virei completamente”, assegura. Dois anos depois, concorreu até ao congresso da Pensilvânia como republicana, mas acabou por perder a corrida.

Renae Billow tem dois empregos para conseguir pagar as contas que tem com os filhos Gino, Jase e Lucas.DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Hoje em dia, diz que continua a não ver outra hipótese senão apoiar Trump. “Para mim, resume-se à economia e à fronteira. O combustível está tão mais caro do que há quatro anos… Tenho três filhos no hóquei, tive de arranjar um part time na escola de hóquei deles para ajudar a complementar o meu salário”. A imigração, acrescenta, “ainda não é um problema em Johnstown”, mas acredita que virá a sê-lo se nada for feito para estabilizar a situação na fronteira com o México. “A Kamala não quis fazer quaisquer mudanças sobre a fronteira. Só agora é que está a prestar atenção a isso”, resume esta mãe, abrindo os olhos como quem está a sublinhar o que é óbvio. “Já Trump faz o que diz que vai fazer.”

Os próximos dias para Renae Billow e Leslie Osche vão ser de nervos. O facto de as sondagens darem neste momento um empate técnico é sinal de que a noite eleitoral vai ser “de roer as unhas com nervos”, resume a antiga candidata de Johnstown.

No fundo da cabeça das duas mulheres que estiveram no comício de Butler, aquele evento permanece como uma nuvem negra, mas que acabou por consolidar a imagem que já tinham do candidato: a de um vencedor, de alguém que não desiste e que merece o seu voto. O que não invalida o dramatismo daquilo que viveram no dia 13 de julho. “Desde criança que associo este sítio a um sítio feliz. Sair daqui com aquela sensação naquele dia foi terrível”, confessa Leslie Osche.

Renae vai mais longe e sublinha o impacto “nacional e internacional” daquilo que aconteceu no Butler Farm Show, quando um homem sozinho conseguiu subir a um telhado a pouco mais de 150 metros de um antigo Presidente e disparar sobre ele: “É quase como o 11 de setembro. Toda a gente se lembra onde estava quando soube da notícia.”

 

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