Era o homem mais rico da Rússia em 2003. Filho de uma família de classe média alta que se opunha ao comunismo e que ajudou clandestinamente os movimentos dissidentes soviéticos, a educação de Mikhail Khodorkovski não teve um pendor político. Como conta a jornalista russa Masha Green num perfil publicado na revista Vanity Fair, os pais do jovem educaram-no como alguém “conformista” em vez de alguém que “falava a verdade sobre a União Soviética” — algo que o podia levar a ter uma vida “miserável”. Contudo, o destino de Mikhail Khodorkovski trocou-lhe as voltas e aproximou-o do ativismo político dos pais.
Após concluir o curso de engenharia química em 1986 com excelentes notas — ao mesmo tempo que se envolvia em atividades do Partido Comunista — Mikhail Khodorkovski trabalhou ao serviço do Estado e acreditava nos ideais comunistas. Cinco anos depois, a realidade política em que crescera mudou radicalmente: a União Soviética colapsou. Tal como aconteceu com muitos dos seus compatriotas, a ideologia do jovem alterou-se significativamente. Nos início dos anos 90, chegou mesmo a escrever, juntamente com um grupo de amigos, um manifesto capitalista: “É tempo de deixar de viver de acordo com Lenine. Devemos guiar-nos pelo lucro, que é adquirido de forma legal. A sua Majestade, o dinheiro, é a única coisa que nos pode levar à prosperidade”.
Mesmo com a corrupção, Boris Yeltsin não se opunha ao crescimento de uma classe de oligarcas, em que incidia a sua principal base de apoio. Mas tudo mudou em 1999
Não é de estranhar, portanto, que Mikhail Khodorkovski acumulasse uma fortuna durante os tempos que se seguiram à queda da União Soviética. Numa combinação entre a compra de empresas estatais e investimentos estrangeiros, o novo adepto do capitalismo tornou-se milionário, ao mesmo tempo que se envolvia em atividades políticas. No seu trajeto político, aliou-se essencialmente a Boris Yeltsin — e investiu politicamente nas candidaturas presidenciais daquele candidato.
Mesmo com a corrupção, Boris Yeltsin não se opunha ao crescimento de uma classe de oligarcas, em que incidia a sua principal base de apoio. Mas tudo mudou em 1999, ano em que, devido a problemas de saúde, o primeiro Presidente russo decidiu sair de cena e confiar o poder a Vladimir Putin.
Contrariamente ao antecessor, o antigo diretor dos serviços de informações russos não confiava nos oligarcas. E precisava, mais do que nunca, de se impor politicamente. Portanto, Vladimir Putin fez uma espécie de pacto de regime com aqueles milionários: deixava que continuassem a acumular fortunas mas sob uma condição: que não se envolvessem na política. Contudo, este pacto não agradou a Mikhail Khodorkovski.
Vladimir Putin desconfiava de Mikhail Khodorkovski e temia que aquele homem pudesse ser o rosto do golpe de Estado liderado por oligarcas. Não só pela sua fundação, como também pelo poder que ia ter em mãos
Tanto assim é que, em 2001, Mikhail Khodorkovski cria uma fundação com o objetivo de “fortalecer a sociedade civil na Rússia” — a Open Russia. O oligarca funda meios de comunicação sociais privados e investe em universidades privadas, ao mesmo tempo que tenta aumentar os seus negócios. O plano mais ambicioso do magnata, que detinha na altura a empresa de extração de petróleo Yukos, passava por fundir aquela empresa com a rival Sibneft — e criar a maior do mundo naquele domínio. Tornar-se-ia a maior empresa em solo russo.
Vladimir Putin desconfiava de Mikhail Khodorkovski e temia que aquele homem pudesse ser o rosto do golpe de Estado liderado por oligarcas. Não só pela sua fundação, como também pelo poder que ia ter em mãos — e que podia colocar em causa o seu curto mandato. Em outubro de 2003, seis meses depois de divulgar os seus planos para tornar-se o detentor da maior empresa em solo, o oligarca é detido por suspeitas de fraude.
Os Estados Unidos consideraram, na altura, a detenção de Mikhail Khodorkovski como uma prova de que faltava um poder judicial “independente” à Federação Russa: “Tratou-se do uso arbitrário e político do sistema judicial”.
Para alertar para a detenção que a seu ver tinha sido injusta, Mikhail Khodorkovski fez greves de fome e tentou mobilizar a opinião pública internacional para o seu estado de saúde, que também se agravara
Mesmo com as críticas do Ocidente, o sistema judicial russo não deixou de aplicar uma pena de nove anos de prisão a Mikhail Khodorkovski pela alegada prática de crimes de fraude. Enquanto esteve detido, a fortuna daquele que chegara a ser o homem mais rico do mundo diminuiu. Em simultâneo, as suas convicções políticas tornaram-se mais fortes.
Para alertar para a detenção que a seu ver tinha sido injusta, Mikhail Khodorkovski fez greves de fome e tentou mobilizar a opinião pública internacional para o seu estado de saúde, que também se agravara. As consequências? Por um lado, o homem foi transferido para um campo de trabalho, acabou agredido por companheiros de cela e viu a sua pena aumentar; por outro, conseguiu ganhar o estatuto de opositor a Vladimir Putin.
Em 2010, Mikhail Khodorkovski chegou a escrever um editorial no New York Times. Assinalando que a década de 90 tinha começado de forma “otimista” para a Rússia, mas tudo mudou cerca de vinte anos depois. “Não temos um parlamento real, uma justiça independente, liberdade de expressão ou uma sociedade civil efetiva”, afirmou, culpando não só o Kremlin por isso, como também as “elites” — aqueles oligarcas que reagiram com aquiescência ao regime de Putin e aderiram ao pacto.
Pela altura em que o homem escreveu o editorial, já se falava de uma possível libertação de Mikhail Khodorkovski, que acabou por se efetivar em 2013, dez anos depois de ter sido preso. Vladimir Putin decide perdoar o antigo oligarca, mas alguns analistas apontam que não foi por misericórdia. Foi antes porque, meses depois, iam acontecer os Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi, que iam colocar os olhos do mundo na Rússia — e iam destacar os aspetos menos positivos. Masha Green diz mesmo que as olimpíadas eram o “projeto pessoal” do Presidente russo e convinha que os aspetos políticos não se sobrepusessem à cerimónia.
Até 2022, Mikhail Khodorkovski tentou mobilizar a sociedade civil na Rússia, tentando funcionar como um contrapoder. Depois, com a invasão, o magnata, que atualmente mora em Londres, passou a ajudar a Ucrânia e a ajudar o país
Ao sair da prisão, Mikhail Khodorkovski mudou-se para a Alemanha, alertou para a situação dos presos políticos, e agradeceu, no primeiro discurso, a uma pessoa em particular: Angela Merkel. “Só percebi o papel que ela desempenhou na segurança apenas quando cheguei aqui [Alemanha]”.
No exílio, Mikhail Khodorkovski tentou afastar-se dos holofotes. Mas foi por pouco tempo. Em março de 2014, dias depois da anexação da Crimeia, o homem juntou-se às manifestações em Kiev, do Euromaidan, que depuseram o antigo Presidente ucraniano pró-russo Viktor Yanukovych. E, a partir daqui, tornou-se um defensor da Ucrânia e da sua independência.
Até 2022, Mikhail Khodorkovski tentou mobilizar a sociedade civil na Rússia, tentando funcionar como um contrapoder. Depois, com a invasão, o magnata, que atualmente mora em Londres, passou a ajudar a Ucrânia e a ajudar o país. Mas Vladimir Putin não esqueceu o adversário, mesmo anos depois de sair do país natal. Em maio de 2022, foi considerado um agente estrangeiro pelo Ministério da Justiça.