“Disseram-me que, neste momento da minha vida, deveria sair”. Estas são palavras da Alexa Ramires, que tanto gosto de citar, mas que foram proferidas num contexto diferente daquele que vos quero falar. Há algum tempo atrás, vi dois grandes amigos meus a partirem de Portugal à procura de melhores oportunidades. Um deles, acompanhado com a sua namorada e a belíssima filha de dois anos que tiveram juntos, rumou para França para poder trabalhar naquilo que se tinha especializado e para ser justamente remunerado pelo seu trabalho. Desde então, este meu amigo que também se chama Frederico, encontrou nesse novo país, que não lhe é totalmente estranho, uma nova vida que lhe permitiu respirar com mais alívio quando a pensar no futuro da sua família.

Longas foram as horas de estarmos a jogar Xbox 360 em splitscreen e com duas consolas em system link, ecrã contra ecrã nas campanhas de Halo, Gears of War e Call of Duty. Muitas foram as repetições de mapas de Rainbow Six: Vegas e as trocas de jogos para cada um se perder no seu canto e voltar para trocar impressões. Mas esses tempos mudaram, as nossas vidas mudaram, e porque a distância já não o permite. Até que o Frederico, indeciso entre as duas rivais, decidiu comprar uma PS4 há bem pouco tempo. Ligámos os headphones ao comando e todos esses quilómetros que nos separam deixaram de existir, uma distância que um simples chat não consegue estreitar.

Decidimos então jogar uma campanha em cooperativo que ainda não tivéssemos jogado. Após alguma pesquisa no catálogo da PSN, escolhemos Far Cry 4 talvez influenciados pelos velhos tempos dos shooters em system link. Tivemos de completar algumas missões a solo até o jogo informar “Já podes convidar amigos para uma sessão co-op” e desde esse momento partimos na exploração da terra de Kyrat envolta de montanhas gélidas e replecta de pontos de interesse por descobrir.

Libertámos torres, outposts e fortalezas; fomos atacados por tigres e crocodilos à beira do rio; montámos os apaziguados elefantes de força bruta e voámos livremente com um wingsuit desde os pontos altos com uma paisagem a perder de vista. E ao deslocarmo-nos de um local até outro nunca se propunha linear devido ao ecossistema de Far Cry que garante situações imprevisíveis. Até percebermos que o mapa de Kyrat é um lago enorme de águas pouco profundas. E até perceber que Vaas e Dr. Earnhardt de Far Cry 3 são insubstituíveis.

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Estar longe de um amigo, e poder conversar ao mesmo tempo que interagimos juntos, só o vejo possível através de um jogo. Encarnamos estas personagens num ambiente virtual e sentimos na pele cada momento, completamente embrenhados nestes mundos amplamente criados para o efeito. Nunca dizemos “O meu personagem morreu”, dizemos “Morri”. Nunca dizemos “O meu personagem já está com os upgrades no máximo”, dizemos “já estou no nível máximo”. Sou eu naquele momento com o Frederico, esquecendo o que nos distancia.

Não consigo no entanto esquecer o que o fez distanciar-se, principalmente neste dia em que os enfermeiros fazem mais uma greve nacional contra a degradação das condições de trabalho. O Frederico também é enfermeiro. Partiu para ser enfermeiro de bloco operatório e por cá seria apenas um funcionário precário numa longa espera de melhores dias que dificilmente irão chegar. Partiu como muitos outros o fizeram sem data marcada para voltar. E com mais um filho a caminho fica mais difícil para o Frederico confiar num possível regresso a um país desgastado pelas trapalhadas e irresponsáveis decisões de governantes e CEOs que perdem a memória com muita facilidade. Um país onde os lobbies são superiores à vontade de cada cidadão.

Ajudei o Frederico a colocar as malas no carro que atravessou toda a Espanha. Cada mala, cada saco, era uma sensação de perda. Mas na hora da despedida não houve um adeus, houve um até já. Poucos meses depois voltou para Portugal para casar, no seu carro novo, mas ficou por cá apenas uma semana, e tive de o ver a partir de novo. Diz-me que em França há mais facilidades para quem constitui família, o que não quer dizer que seja uma vida facilitada. Por cá, o futuro incerto para ele, a mulher e os filhos, não o deixa para já voltar. E não o posso condenar por partir. Condeno quem o fez partir.

Felizmente que temos jogos como Far Cry para nos voltar a aproximar.

Frederico Lira