Os cinéfilos andam a ser invulgarmente mimados neste final de Primavera e início de Verão, em termos de clássicos. Enquanto que na Cinemateca continua até Julho um grande ciclo de filmes de Jerry Lewis como actor e como realizador, e se anuncia para o mesmo mês um outro dedicado a Ingrid Bergman, o Espaço Nimas recebe a partir de amanhã, e até dia cinco de Agosto, o ciclo ‘Bergman Inesgotável’, composto por seis filmes do mestre sueco, três dos quais em versões restauradas. (Chegam ao Porto a dois de Julho).

Este ciclo vem na sequência do que decorreu em Janeiro e Fevereiro de 2014, onde foram passados 17 filmes do autor de “Morangos Silvestres”, sendo dez deles restaurados. É menos abrangente, em termos temporais, do que o seu antecessor. Dos seis filmes a ser repostos, cinco foram rodados nas décadas de 50 e 60. O único que foge à regra é “A Flauta Mágica”, de 1975. Metade das fitas foram restauradas, a saber: “A Fonte da Virgem”, “Luz de Inverno” e “A Flauta Mágica”. Ei-las, uma a uma.

“Rumo à Felicidade” (1950)

Dois músicos que tocam na mesma orquestra, apaixonam-se e casam-se. Mas os dois jovens  não vão viver felizes para sempre, por causa da insegurança existencial e emocional do marido, que acaba por arranjar uma amante. Com um título irónico, inspirado pelo “Hino à Alegria” escrito por Schiller e cantado no quarto andamento da 9ª Sinfonia de Beethoven, “Rumo à Felicidade” é a oitava longa-metragem de Ingmar Bergman, onde já se preocupa com o tema do casal e se interessa pela análise da instabilidade e das convulsões da vida conjugal. É ainda o primeiro dos três filmes em que dirigiu a sua primeira musa, a actriz Maj-Britt Nilsson. O grande realizador sueco Viktor Sjöström, a quem anos mais tarde Bergman daria o papel principal de “Morangos Silvestres”, também faz parte do elenco.

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Excerto de “Até à Felicidade”

“O Rosto” (1958)

Um salto de oito anos e onze filmes, para encontrarmos um Bergman já conhecido e consagrado internacionalmente, graças a obras como “Sorrisos de uma Noite de Verão”, “O Sétimo Selo” ou “Morangos Silvestres”. Inspirado numa peça de G.K. Chesterton, “O Rosto” é uma comédia dramática que decorre na Suécia do século XIX. Man von Sydow personifica Albert Vogler, um mágico que tem um espectáculo itinerante e a reputação de possuir dons sobrenaturais. Também com outros quatro actores da “família Bergman”, Ingrid Thulin, Erland Josephson, Gunnar Björnstrand e Bibi Andersson,  “O Rosto” labuta gostosamente sobre o tema da ilusão (que tanto pode ser a da magia, como a do teatro ou do cinema, subentende Bergman), face às pessoas sem imaginação e hipercríticas, que se recusam a aceitá-la e a deleitar-se com ela.

https://youtu.be/KmFLLSXyt84

Excerto de “O Rosto”

“A Fonte da Virgem” (1960)

Três anos antes, Ingmar Bergman havia ambientado “O Sétimo Selo” na Idade Média, onde regressou em “A Fonte da Virgem”, que recria uma balada medieval sueca. Três irmãos pastores de cabras violam e assassinam a filha virgem de um fazendeiro, a cuja quinta se acolhem mais tarde, sem saberem de quem se trata. O pai (Max von Sydow) vinga-se deles com tanta crueldade como a que usaram com a sua filha. Esta foi a primeira colaboração entre o realizador e o director de fotografia Sven Nykvist. Cristianismo e paganismo, fé e feitiçaria, chocam com violência num filme onde Bergman recria o mundo medieval com tanta simplicidade como rigor, e que lhe valeu o primeiro dos seus três Óscares de Melhor Filme Estrangeiro.

Excerto de “A Fonte da Virgem”

“Luz de Inverno” (1963)

Tomas, um sacerdote de província que enviuvou e perdeu a fé, vê-se, num inverno nórdico, entre o silêncio de Deus, a deserção dos fiéis, a repulsa por Marta, a mulher que quase que lhe implora que a ame, e o suicídio de um paroquiano que em vez de ajudar, angustiou ainda mais. A forma como Bergman filma Gunnar Björnstrand (Tomas) e Ingrid Thulin (Marta) naqueles grandes planos que Woody Allen, seu admirador incondicional, diz que “queimam o ecrã”, revela a importância central, na gramática visual do realizador, dos rostos como reveladores privilegiados de todo o tormento íntimo das personagens. Gelidamente austero e bebendo do mais fundo do poço do desespero existencial e da dúvida espiritual, “Luz de Inverno” era o filme preferido de Ingmar Bergman.

“Trailer” de “Luz de Inverno”

“A Força do Sexo Fraco” (1964)

Uma comédia burlesca e musical a cores ao estilo de Hollywood, onde se faz pouco de “Fellini Oito e Meio”, de Federico Fellini, e se atacam os críticos? Não parece ser um filme de Ingmar Bergman, mas é. Para a sua estreia a rodar a cores, o cineasta decidiu romper com o registo “bergmaniano” e fazer uma comédia popular que desse boas receitas de bilheteira (uma das grandes preocupações de Bergman durante toda a vida) e fosse irresistível para o mercado dos EUA, onde se habituara a ser recebido de braços abertos. Apesar de toda a aplicação do realizador e das presenças de Bibi Andersson, Harriet Andersson e Eva Dahlbeck, “A Força do Sexo Fraco” foi um fracasso, que levou Bergman a dizer que “tinha vergonha” do filme. Mas não é caso para isso.

Imagens de “A Força do Sexo Fraco”

“A Flauta Mágica” (1975)

Rodado originalmente para ser exibido na televisão sueca no dia um de Janeiro de 1975, mas depois visto no Festival de Cannes e estreado em cinema, “A Flauta Mágica”, sobre o ser um dos melhores filmes de ópera já feitos, é também um dos mais brilhantes, entusiasticamente cinematográficos e abertamente “artificiais”, onde Ingmar Bergman filma o teatro (recriado em estúdio), o público a apreciar a música e a reagir às peripécias do enredo da obra-prima de Mozart e, no intervalo, os cantores e extras nos bastidores, a  descansar, comer, jogar xadrez ou a ler o jornal. A menina loura cujo rosto Bergman mostra ao longo do filme, e usa como espelho das mudanças na atmosfera musical da ópera, é a sua filha Linn, fruto da relação que manteve com Liv Ullmann.

Excerto de “A Flauta Mágica”

Programação integral do ciclo aqui.