Fixe este nome: Ludwig Mies Van Der Rohe. Porque o outro já ferve na sua cabeça há muito tempo e é mais fácil de fixar. Salvador Sobral. Salvador. Estava tudo na palavra mestra com que se apresentou a concurso. Na passa terça-feira, escrevi na crónica de rescaldo à primeira meia-final que não havia maneira de perder isto. Sobretudo porque a sobriedade e o despojamento do miúdo faziam com que se destacasse a grande altura. Mais a afinação, os nervos de aço, o puro deleite. E é aqui que entra o arquitecto germano-americano, famoso por ter desenhado edifícios, cadeiras e chavões de linguagem que dão jeito a quem vive das palavras.

O Mies, chamemos-lhe assim, cunhou a expressão Less is More – menos é mais – e foi esse o segredo da vitória inédita de Portugal no Festival Eurovisão da Canção num 13 de Maio memorável. Fátima, Futebol e Festival. Haverá quem desconfie de uma atençãozinha feita pelo Jorge Bergoglio mas o segredo do concorrente português já estava à vista. Não precisa de ser guardado a sete chaves num santuário nem de ser revelado daqui a umas décadas.

Aliás, Salvador disse-o quando soube que era o vencedor. Façam música que tenha significado e não fogo-de-artifício, expediente em que este concurso é useiro e vezeiro, normalmente com bons resultados. Ora, este ano o azimute virou e o mérito da parceria Salvador e Luísa veio ao de cima. Agora, também há-de vir a conta. Depois do pó da euforia assentar, convém saber como é que a coisa se financia, sem cinismos nem sofismas. Diria até que esta vitória da empatia matou o cinismo por uns tempos aqui no rectângulo.

Mas a verdade é que se falou num investimento de 50 milhões de euros para a edição deste ano, sem que se percebesse exactamente a quem cabe cada fatia do bolo. Voltámos a uma situação em que a Europa vai dizer-nos para gastar e da última vez que isso aconteceu, demo-nos mal. Convém agora amar pelos dois e cozinhar pelos dois. Cozinhar um generoso caldo de galinha e cautela, que não transforme a edição do próximo ano, a realizar em Portugal, num pequeno elefante no meio da sala das nossas contas. Qual será o modelo a adoptar? Parceria público-privada? Engenharia financeira que depois permita deitar fora o Festival Mau, vendendo o Festival Bom ao preço da chuva a um fundo especulativo? Será avisado perceber como é que isto vai acontecer. No Meo Arena? Com photo point platinado para as selfies que o presidente-sol vai querer tirar com toda a gente? Vejam lá isso, que o serviço da dívida, os juros e os 130% do PIB aconselham prudência.

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Para já, é hora de comemorar, de cantarolar ao som da malha vencedora e até de descomprimir. Como o próprio Salvador fez, quando voltou a subir ao palco em jeito de consagração. A meio da interpretação atirou um “estava tudo comprado”, mostrando sentido de humor e um desassombro de gabarito. Por aí já começámos a amealhar, portanto. E, nunca é demais dizê-lo, este herói improvável, como os melhores da ficção, materializou um feito inédito, sem recorrer aos tais foguetes e dando um directo nos queixos da maldita euro-dance.

Sensibilidade e bom senso. Graça e talento. Um crowdfunding que não ponha o défice a derrapar, são estes alguns dos ingredientes e importa ter à mão. Com ou sem intervenção divina, vivemos num país que parece ganhar tudo desde que Marcelo e a Gerigonça, os chamados BFF’s, estão em funções. Corre tudo tão bem a António Costa, o homem que insiste no rosa, que agora até tem tempo para exercer o baby-sitting. Pelo menos enquanto o diabo não vem, todo vestido de roxo. Portugal está com a mão quente e a aposta da RTP em baralhar e voltar a dar na versão nacional do concurso foi totalmente ganha. O miúdo cantou e encantou e ainda aproveitou o tempo de antena Wharoliano para mandar uma mensagem humanista.

Agora, cuidado com as despesas, peçam faturas de tudo para entregar à European Broadcast Union e neste momento de euforia, só neste, digam à Moody’s, à Standard e à Fitch que podem meter o lixo no c*.

Pedro Vieira é consultor da Booktailors, pivô de televisão e ilustrador relutante.