Um mural construído à força de berbequim, em três dias, pelo artista português Vhils, tornou-se, no último mês, uma atração da cidade cabo-verdiana do Mindelo, ou não retratasse numa parede de 10 metros de altura a diva local, Cesária Évora.

O desenho em baixo relevo, esculpido, retrata o rosto da cantora cabo-verdiana e voz maior da morna, género musical que esta semana deverá ser elevado a Património Cultural e Imaterial da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), e resultou de uma viagem de dez dias que o artista português realizou a Cabo Verde, em outubro.

O objetivo era um trabalho na cidade da Praia, mas o português abraçou também a ideia antiga da Kriol Ideias, produtora local, e passou três dias no Mindelo, ilha de São Vicente, a dar corpo, debaixo de um sol abrasador, a um mural que está a mudar o centro da segunda maior cidade do país, terra de Cesária Évora.

“É acolhedor. Foi uma bela homenagem prestada à nossa diva, que nos abriu ao mundo”, conta à Lusa Nani Luz, de 26 anos, que passa todos os dias pelo mural construído com berbequim por Vhils na praceta Dom Luiz, junto à marginal da cidade, com o apoio da Câmara Municipal de São Vicente. “Muita gente de fora vem aqui, tiram fotos. Os turistas estrangeiros e as pessoas de cá”, diz.

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Sheila Almeida, mindelense de 42 anos, corrobora os dois aspetos: “Gostei, ficou muito bonito e há muita gente de fora a vir aqui para ver. Veio embelezar a praça”.

O artista português foi convidado para trabalhar em Cabo Verde durante pouco mais de uma semana pelo projeto comunitário Xalabas di Kumunidadi, implementado pelas associações cabo-verdianas África 70 e Pilorinhu e financiado pela delegação da União Europeia em Cabo Verde.

Depois da face do nacionalista cabo-verdiano Amílcar Cabral, que esculpiu numa parede da cidade da Praia, Vhils fechou a viagem a Cabo Verde com três dias de trabalho no Mindelo, um “mural surpresa”, como o próprio descreveu na altura.

Aproveitei esta oportunidade para prestar homenagem à grande Cesária Évora, uma cantora extraordinária que capturou a alma de sua terra natal”, afirmou o artista português, depois de inaugurar este mural, em 21 de outubro.

“A Cesária é um símbolo da nossa ilha e aquilo ficou uma maravilha. Ficou muito lindo”, afirma, por seu turno, Hamilton Sousa, de 30 anos, natural de São Vicente e que todos os dias aprecia aquela obra de Vhils. E, diz, não é o único: “Sempre que passo aqui vejo pessoas a fotografarem”, diz.

Tal como Jamila Santos, estudante de design de 23 anos, surpreendida pela técnica utilizada pelo português. Ela que também já pintou outros murais na cidade, considerada a capital da Cultura em Cabo Verde. “Acho que ficou muito bem. A Cesária Évora foi uma mulher que levou Cabo Verde e a nossa morna pelo mundo inteiro e é bonito ver sempre aqui pessoas admirarem e a fotografarem”, considera.

Alexandre Farto (Vhils) nasceu em Lisboa, em 1987, terminou os seus estudos de Arte em 2008, em Londres, tendo iniciado a atividade como artista urbano em 1998, com a pintura de muros e comboios, na margem sul do rio Tejo.

Cesária Évora nasceu no Mindelo, em 27 de agosto de 1941, cidade onde também morreu, em 17 de dezembro de 2011, sendo considerada, com as suas mornas, a cantora de maior reconhecimento internacional em Cabo Verde.

Adilson da Graça, de 46 anos, recorda a cantora e conterrânea para descrever o mural de Vhils como um “monumento” que nasceu no Mindelo. “Muito, muito bonito. E depois com muitos turistas a fazerem foto”, atira.

Cabo Verde apresentou em março do ano passado a candidatura da morna a Património Cultural e Imaterial da Humanidade, cuja decisão pública deverá ser conhecida durante a reunião do Comité do Património Cultural e Imaterial da UNESCO, que decorre de 9 a 14 de dezembro, em Bogotá, Colômbia.

Esta proposta já foi aprovada em novembro pelo comité técnico da UNESCO, pelo que, previsivelmente em 11 ou 12 de dezembro, deverá ser votada a ratificada a classificação da morna como património da humanidade. No Mindelo, todos garantem que a classificação é justa e que o mural de Vhils veio na hora certa.

“Cesária Évora é um símbolo da morna, por isso o mural chegou no tempo certo”, atira Hamilton Sousa, antes de retomar o caminho de casa, deixando para trás o rosto na parede da diva dos pés descalços, alvo por estes dias de todos os olhares no Mindelo.