Quando um músico muda o seu som, de um álbum para o outro, assume-se apenas a mudança, por vezes recusando a naturalidade ou o desejo da coisa. Muitas vezes o som pré-existente advém de uma necessidade ou de uma falta de recursos. Angel Olsen encaixa aí. A complexidade – e o abandono da guitarra – em All Mirrors existe por uma necessidade de crescer. Há quatro meses, quando se ouviu o disco pela primeira vez, isso talvez não parecesse tão evidente. Agora, é.

E não o era – de todo – até entrevistarmos Angel Olsen em outubro passado, por alturas do lançamento de All Mirrors. Ao falar com Angel Olsen tornou-se evidente o desejo de evolução e a concretização de um álbum de estúdio. Ao ponto de, na altura, parecer entusiasmada com o desafio de o levar para os palcos, primeiro nos Estados Unidos e agora numa digressão europeia. Os concertos em Lisboa (Teatro Capitólio, 22 e 23 de janeiro) e Porto (Hard Club, 24 de janeiro) já estão esgotados há algum tempo. Algo que tem acontecido cada vez que Angel Olsen vem a Portugal. Tem crescido a sua audiência e, com All Mirrors, cresce também o número de músicos em palco: sete. A conversa começa com a naturalidade esperada.

[oiça aqui o álbum “All Mirrors”:]

Angel? Como é que está?
Estou bem. Estou só a dar de comer ao meu gato, ele não se calava.

É de manhã aí, certo?
Sim, hoje acordei cedo. Ando a tentar quebrar hábitos. Quando o outono chega, tendo a acordar um bocado mais tarde, mas de momento estou a tentar lutar contra isso. Preciso de acordar cedo e fazer uma série de coisas.

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Imagino que também precise de descansar. Vai começar uma digressão daqui a uns dias, não é?
Bem… sim, mas há uma série de coisas logísticas para as quais preciso de arranjar solução. Por exemplo, tenho de orientar uma assistente pessoal que vai ficar a tomar conta do meu gato e da minha casa. É o tipo de coisas divertidas que tenho de fazer antes de ir em digressão.

Vamos então falar do álbum, All Mirrors. Da última vez que a vi ao vivo, em Portugal [Maio de 2018, no Teatro da Trindade em Lisboa], estava a experimentar canções novas. Fiquei com a ideia de que não tinha a certeza para onde as levaria. O que é uma coisa boa…
Quando toco a solo mudo sempre algo em cada concerto, em cada canção. Faço-o por que o posso fazer. Porque estou a tocar a solo.

Claro, faz todo o sentido. Mas há algo que disse nesse concerto que ficou comigo. Estava relacionado com o facto de não querer dar entrevistas na altura, porque não se queria comprometer. Isto é, não queria dar uma ideia concreta do que estava a fazer. O que a levou a abandonar a guitarra neste álbum?
Gravei todas as canções como elas eram tocadas ao vivo, a solo. Fazer isso permitiu-me perceber que as poderia deixar assim e avançar para algo novo, uma colaboração com outras pessoas. De início pensei que iria só ter algumas canções com piano, outras com cordas… Mas, de repente, sem me aperceber, estava tudo a crescer, a tornar-se num projeto com imensa gente, imensos arranjos. Foi-se tudo desenvolvendo canção a canção. Nunca houve um plano definido.

Angel Olsen está-se nas tintas para a eternidade. Se der para ser um bocadinho feliz…

Mas a mudança é curiosa. Há dois anos vi-a ao vivo em Glastonbury. Foi a primeira vez que a vi nesse contexto – num festival, com banda. Foi fascinante vê-la nesse ambiente. Tudo parecia tão natural…
Sim.

No sentido de “banda rock”. Que é algo que nunca tinha concebido para a sua música. Tocar aquelas canções, nesse espírito, contribuiu para tornar o que fez em All Mirrors mais natural?
Sim. Ajudou apresentar-me ao vivo com uma banda nas digressões dos últimos álbuns. Mudou a forma como escrevo canções e como penso a escrita delas. Mas isso é apenas parte da razão por que gravei este álbum desta forma. Queria largar certas coisas. Queria fazer algo sem me preocupar se vai ser adequado ou não para uma banda. E agora que o fiz, tenho o trabalho extra de me preocupar em como vou tocar o álbum ao vivo com uma banda. Temos ensaiado bastante. Vou trazer cordas comigo nesta digressão. Vamos tocar algumas canções do álbum anterior. Para dizer a verdade, vai ser uma mistura de tudo.

A secção de cordas também vai fazer parte da digressão europeia?
Sim. Temos dois membros novos na banda, que tocam com pedais, para parecer que a secção de cordas soe maior do que realmente é. Depois temos um teclista que toca sintetizadores e piano. Irá existir sempre uma pessoa ao piano/sintetizador. E eu também tocarei piano e sintetizador. E depois, guitarra, baixo e bateria. Sete elementos. Estou muito entusiasmada.

Como é que é para si? Por vezes toca sozinha, agora a banda parece ficar maior e maior. Imagino que a logística toda também. Sente que está a surgir naturalmente? Era algo que ambicionava?
Era algo que precisava e queria. Por exemplo, quando adicionei uma voz de apoio tive dúvidas durante uns momentos. Agora é algo que quero sempre. Contudo, as novas canções não precisam disso. Tudo muda de álbum para álbum, mas existem certas coisas que é preciso ter no lugar certo para fazer algo em grande. E penso que essa ambição faz parte de mim. Penso sempre em como posso tornar tudo mais divertido com aquele grupo de pessoas. Por isso, tenho de ter a certeza de que encontro as pessoas certas, que estão investidas a trabalhar durante longas digressões.

Isso permite revisitar canções antigas de forma diferente?
São sempre diferentes ao vivo do que em álbum. Não tenho a produção necessária para reproduzir os álbuns ao vivo. Mas, ao mesmo tempo, quero ter a certeza de que nada é sacrificado. Isso implica muitos ensaios, perceber como configurar os teclados da forma certa, ou obter certos tons. Muito do tempo a ensaiar é perceber como podemos tornar algo complicado em algo fácil de executar com um simples botão. Ou seja, tentar tirar o extra que não faz falta e deixar as canções/melodias mais abertas.

“Sinto-me bem com a minha imagem, mas o álbum não tem nada a ver com isso. Não é uma interpretação literal da minha imagem. Mas não faço nada no sentido literal, nem os títulos dos meus álbuns.”

Quando ouvi My Woman pela primeira vez, Fleetwood Mac veio-me à memória. Agora, com All Mirrors, penso em Kate Bush. Foi influenciada de alguma forma pelo seu som?
Sim, fui inspirada por artistas como a Kate Bush, Sinead O’Connor, principalmente por música dessa era. Mas também me inspiraram artistas que gostei sempre, como o Brian Eno ou os Beatles. Ou o Gary Numan, apesar de não concordar com o seu discurso e como pensa, gosto muito da sua música. Ouvi sempre música muito diferente e, por isso, é sempre complicado dizer o que mais me inspirou em cada álbum. Não é como se tivesse descoberto Kate Bush há pouco tempo. Oiço-a há anos, mas por alguma razão este álbum é mais escuro que os anteriores. Mas também sinto que existe muita influência de jazz, lembrava-me disso sempre que estávamos a adicionar metais às canções. Apercebia-me nessa altura de como estava a ser influenciada pela minha vivência em Chicago, há seis anos. Sempre que meto metais numa canção, recordo-me do tempo em que vivia lá. Ia ver muito jazz ao vivo, sobretudo no inverno, porque não havia mais nada para fazer.

A produção de All Mirrors é fantástica. As súbitas mudanças de volume são impressionantes.
Foi um álbum muito difícil de misturar, masterizar e de cortar para vinil. As dinâmicas de som são absurdas. Ainda sinto que a masterização poderia ter sido bem diferente. Poderíamos ter tentado algo diferente. Mas tivemos de proteger as dinâmicas de som, deixá-las assim e não mexer muito, porque isso pode afetar muito o que se ouve no vinil. Posso dizer que criou diálogos bem interessantes. Fizemos um álbum que é impossível de captar na perfeição em vinil.

Como assim?
Por causa das dinâmicas de som. É um processo complicadíssimo garantir que a agulha não salta.

Ah, funciona bem no meu.
Bom saber.

Deduzo disto tudo que queria fazer um álbum mais de estúdio, propriamente dito.
Sim. E vou querer fazer outra vez.

Para terminar, queria falar um pouco sobre o título, All Mirrors. A sua imagem está em todo o lado e tem sido explorada intensivamente nas redes sociais. É algo que a tem preocupado?
Como artista, é algo que está sempre presente. Querer sempre parecer o melhor possível, mas nem sempre parecer o melhor de todos os ângulos. Há certos ângulos em que não gosto de ser mostrada. Por exemplo, muitos fotógrafos tiram fotografias aos artistas com a boca aberta, muito aberta, por qualquer razão. E conseguem caras estranhas, o resultado até pode ser interessante, mas isso não me seduz: não é a imagem mais elegante que se pode obter de um ser humano. Há anos que me revelo às pessoas e não é através da imagem. Sinto-me bem com a minha imagem, mas a música não é sobre isso. Não é uma interpretação literal da minha imagem. Não faço nada no sentido literal, nem os títulos dos meus álbuns.