O Conselho de Ministros dedicado à cultura, que se realizou esta quinta-feira em Mafra, viabilizou o estatuto de profissional da Cultura. O anúncio foi feito pela ministra da Cultura, Graça Fonseca, no final do Conselho de Ministros.

A ministra anunciou: “Foi aprovado o estatuto dos profissionais do setor da cultura. O estatuto hoje aprovado e que agora seguirá para consulta pública é um estatuto completo. Tem uma componente de registo profissional, de regime laboral e de regime contributivo. É uma reivindicação antiga do setor mas não só, é uma reivindicação de todos, de todo o país, porque representa uma verdadeira política de Estado para a cultura e para os seus profissionais. Por isso hoje é mesmo um dia histórico”.

Graça Fonseca prosseguiu: “Um estatuto para os profissionais da cultura é algo que nunca tinha acontecido, capaz de trazer para o sistema de proteção social muitos milhares de profissionais do setor que continuam à margem e que precisamos mesmo de integrar. O tempo do estatuto é agora. O nosso compromisso com a cultura e com os seus profissionais”.

O estatuto pretende ser uma ferramenta legal de grande utilidade para os profissionais da cultura, numa área com especificidades muito próprios. No âmbito laboral, o grande objetivo é fazer com que a atividade descontínua característica do setor, a chamada intermitência, não seja sinónimo de trabalho precário, fazendo com que os direitos e deveres dos profissionais sejam devidamente aplicados”, referiu ainda a ministra.

“No que se refere à parte contributiva, o estatuto permitirá que muitos profissionais da cultura possam ser integrados num sistema de proteção social tal como os outros trabalhadores, de modo a para ele descontarem e por ele serem protegidos”, acrescentou Graça Fonseca.

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O Estatuto do Profissional da Cultura — também conhecido como “estatuto do artista” — é uma revindicação de há vários anos do setor cultural mas a forma como o Governo o pretende aprovar gerou muitas críticas. Entidades representativas do setor chegaram mesmo a dizer que o Governo está a aprovar o Estatuto Profissional da Cultura “de forma prematura”.

O Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos, o Cena-STE, já tinha criticado o modelo do “Estatuto do Profissional da Cultura” concebido pelo Governo, referindo que este aprofundará a precariedade — nomeadamente os vínculos laborais informais já hoje existentes nas artes.

“85 reuniões e mais de 200 horas de conversas”. Ministra recusa Estatuto do Artista feito à pressa e anuncia 150 milhões para património

Ministra admite “introduzir alterações e melhorias” após consulta pública

Em resposta aos jornalistas, após ser questionada pela RTP, a ministra Graça Fonseca garantiu que ao contrário das críticas este não foi um estatuto concebido e aprovado à pressa. E admitiu poder vir a aceitar “melhorias” e “alterações” propostas. “Como é público e do conhecimento de todos, temos estado a reunir desde junho de 2020 com as várias associações do setor. Foi um trabalho que envolveu três ministérios, da Cultura, do Trabalho e Segurança Social e das Finanças. Foram realizadas mais de 80 reuniões ao longo deste tempo e foram muitas horas de trabalho em conjunto. Foram feitas reuniões bilaterais ao longo destes meses, reuniões de trabalho muito detalhado sobre as componentes do estatuto”, começou por dizer.

“Este é mesmo o tempo de agir. Se concordamos todos, e concordamos todos, que é necessário há demasiados anos aprovar o estatuto, temos mesmo de o fazer. Naturalmente a partir do momento em que é aprovado em Conselho de Ministros o Estatuto irá para consulta pública, uma consulta pública que será alargada, durante a qual naturalmente iremos certamente receber muitos contributos. E iremos prosseguir o trabalho conjunto que temos realizado desde junho de 2020 com as associações”, acrescentou.

Existe espaço para melhorias e para introduzir as alterações que se vierem a revelar necessárias ou adequadas no decurso da consulta pública. Mas é importante realçar que temos mesmo de agir, este é o tempo de o fazer”, rematou.

Graça Fonseca quis ainda assim defender o mecanismo previsto para o Estatuto do Profissional da Cultura definido pelo Governo: “Por um lado, com este Estatuto criámos um subsídio próprio para o setor da cultura, um subsídio para a suspensão de atividade. Por outro lado criámos um mecanismo que torna bastante mais ágil, bastante mais automático, o pagamento de contribuições para a segurança social através da realização da retenção na fonte”, começou por dizer.

A defesa da proposta continuou: “Por outro lado também, e é muito importante, introduzimos como novidade a contribuição para o sistema de Segurança Social dos profissionais da cultura das entidades contratantes”.

Ao longo deste tempo construímos um modelo de regime contributivo para estes profissionais que atende às especificidades do setor, que é flexível para dar resposta às necessidades do setor e que é suficientemente bem delimitado para poder aplicar-se com autonomia e face às necessidades. Mas repito: naturalmente durante a consulta pública haverá sempre espaço para melhorias, é isso que temos feito e que continuaremos a fazer.”

Associação de Profissionais acusa Governo de ter rompido o diálogo e critica Estatuto

A primeira reação à aprovação do Estatuto do Profissional da Cultura foi crítica e chegou através da Plateia – Associação de Profissionais das Artes Cénicas.

No comunicado enviado aos jornalistas pela associação e plataforma de discussão e intervenção sobre políticas culturais — que integra mais de 200 associados individuais e entidades artísticas e grupos como o ACERT – Trigo Limpo Teatro (Tondela), a Circolando (Porto) e a Companhia do Chapitô (Lisboa), entre muitas outras — lê-se: “Depois de encetar um processo de escuta para a construção deste documento, num momento em que houve uma grande mobilização e organização de quem trabalha na Cultura, o Governo vai aprovar o Estatuto sem concluir o processo de diálogo que estava em curso”.

Esta atitude prenuncia um mau resultado e um Estatuto incapaz de combater a precariedade laboral e consequente desproteção social de quem trabalha na Cultura”, entende a Plateia – Associação de Profissionais das Artes Cénicas.

A associação deixa críticas claras: “Do que nos foi dado a conhecer nas reuniões, este Estatuto será muito limitado. Por um lado, não contempla formas e medidas robustas para o combate aos falsos recibos verdes e outras formas de precariedade, quando essa deveria ser a prioridade. Por outro lado, não propõe uma solução viável para melhoria da proteção social de quem trabalha nesta área. No caso de quem é trabalhador independente, há uma grande desproporção entre o que é exigido no aumento da carga contributiva e as possíveis novas formas de proteção. Em particular, é absolutamente descabida a exigência de uma paragem total da atividade durante três meses até se poder pedir um apoio social”.

No comunicado da Plateia lê-se ainda: “As estruturas representativas do setor demonstraram empenho e trabalho para informar o grupo de trabalho do governo que elaborou o Estatuto, comentando detalhadamente as suas propostas e elaborando contributos. Desde junho de 2020, participámos em dezenas de reuniões onde explicámos as complexidades e especificidades do trabalho na cultura e onde se deram passos importantes nos princípios que deveriam balizar o Estatuto, como, por exemplo, a conversibilidade dos rendimentos em tempo de trabalho, ou a diminuição dos prazos de garantia para acesso a prestações sociais.

Nas últimas semanas, o governo precipitou a elaboração de uma proposta para a resolução dos problemas de proteção social de profissionais da cultura – dimensão fundamental deste Estatuto. Depois de meses de trabalho em que não avançou nenhuma proposta concreta sobre a proteção social, em apenas uma reunião – a 8 de abril – e sem partilha de quaisquer documentos, foi-nos apresentado um modelo muito insatisfatório e ainda incompleto. Depois dessa reunião nunca mais fomos contactados pelo Governo, que decidiu, sem pré-aviso, deixar de contar com a nossa participação neste processo”, acrescenta a nota

O veredito é inequívoco: para a Plateia, “o Governo irá aprovar um diploma que não resulta, nem tem o acordo das estruturas que foram convocadas para dar contributos ao processo. No momento mais crucial, o governo deixou de responder às organizações, cortou o diálogo, interrompeu o processo”.

A associação refere ainda que “independentemente do que o governo decidir hoje” irá “continuar a lutar para que a versão final do Estatuto corresponda aos objetivos anunciados: acabar com a precariedade e assegurar verdadeira proteção social no setor. O parlamento, que tem solicitado audição das estruturas representativas, pode ainda discutir este diploma. Haverá ainda consulta pública, na qual insistiremos nas soluções que temos apontado. Ainda vamos a tempo de evitar que se perca esta oportunidade”.

Investimento de 150 milhões para requalificar museus, monumentos e teatros

A ministra anunciou ainda em declarações aos jornalistas, após o Conselho de Ministros: “Na área do património foi aprovada uma resolução do Conselho de Ministros que estabelece os objetivos de investimento em património cultural imóvel público. As prioridades de investimento incidem em intervenções num total de 46 museus e monumentos e 3 teatros nacionais”. O valor deste investimento nas requalificações dos edifícios, anunciou a ministra, será de 150 milhões de euros.

Graça Fonseca detalhou ainda um decreto-lei que “cria a associação Saber Fazer, que tem como missão o desenvolvimento de atividades de interesse público no âmbito da salvaguarda e do reconhecimento das artes e ofícios tradicionais, bem como do desenvolvimento sustentável da produção artesanal”.

Na área das artes performativas e visuais, resultou do Conselho de Ministros a aprovação do “decreto-lei que altera o regime de atribuição de apoios financeiros do Estado às artes visuais e performativas” e que visa “responder á necessidade de consolidação de forma sustentável das estruturas artísticas e da planificação das suas atividades, bem como de dinamização e desenvolvimento de projetos artísticos”.

Cinema e audivosisual: programa de incentivo à produção estendido

Graça Fonseca referiu ainda: “Foi ainda aprovado um decreto-lei que regula o apoio à programação dos teatros e cineteatros que integram a rede de teatros e cineteatros portugueses”. Para a ministra, tal contribuirá para a ” descentralização e desconcentração territoriais” e para um “mais amplo acesso às artes” em todo o território nacional.

Foi também aprovada a resolução que cria uma rede portuguesa de arte contemporânea e que institui, pelo prazo de três anos, o curador da coleção de arte contemporânea do Estado”, apontou ainda a ministra.

Segundo a ministra da Cultura, “foi também aprovada a resolução do Conselho de Ministros que visa reforçar as linhas orientadoras do Plano Nacional das Artes, alargando a sua área de intervenção ao ensino superior”.

Graça Fonseca prosseguiu: “Foi ainda aprovado o decreto-lei que estabelece um regime de inclusão em obras públicas de obras de arte para fruição pública, criando um instrumento de promoção de arte no território nacional através de roteiros de arte pública como fator de descentralização e democratização da cultura”.

Na área do cinema e audio-visual, o Conselho de Ministros aprovou “o decreto-lei que altera o fundo de apoio ao turismo e ao cinema, assegurando a extensão do programa de incentivo à produção cinematográfica e audiovisual até 2023”.

Na área do livro e língua portuguesa, foi aprovado um decreto-lei que alarga o período de novidade do livro para efeitos de venda ao público, criando-se desta forma um mecanismo de maior proteção dos agentes livreiros com vista a valorizar a atividade editorial e livrerira em Portugal”, anunciou a ministra

Em 2022, o dia de mérito cultural será dedicado às artistas portuguesas

Graça Fonseca revelou ainda que “foi aprovada uma resolução do Conselho de Ministros que determina a realização das comemorações do quinto centenário de nascimento de Luís Vaz de Camões, a decorrer em 2024, designando como comissária-geral a professora Rita Marnoto da Faucldade de Letras da Universidade de Coimbra”.

Por último, apontou que o Conselho de Ministros aprovou uma resolução que estabelece as comemorações do mérito cultural próximas, dizendo que “em 2022 o dia de mérito cultural será dedicado às mulheres artistas portugueses”.